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2.1 A Escola como Tratado Moderno

Neste contexto de buscas por compreensões que esclarecem de modo mais apropriado os processos e as dinâmicas que acontecem na escola, impõe-se para nós a pergunta sobre a escola que temos. Em que contexto ela foi construída e a que fins se destina? Qual o lugar do seu currículo e para que serve? Assim, instigado por nosso objeto de pesquisa, buscamos desvelar a gênese e o ethos da escola moderna, bem como as intencionalidades e os sentidos a este atribuídos. Necessário se fez, portanto, buscar explicitar as entranhas genealógicas do edifício educacional moderno para compreender com clareza a função social que lhe foi atribuída nesta época histórica.

A Modernidade enquanto temporalidade sócio-histórica, política e cultural, pode ser descrita como forma particular de inserção das pessoas no mundo, implicando uma diferenciada forma de relação delas com a natureza e com os seus semelhantes. Na transição entre o Medievo e a Modernidade, desenvolvem-se novas maneiras de produzir, inovadoras formas de sociabilidade e uma cultura e valores laicos e profanos, determinando uma renovada visão de mundo. Pereira e Gioia (2004), referindo- se a estas transformações, chamam a atenção para o fato de que,

[...] Na sociedade capitalista, as pessoas somente conseguem sobreviver se comprarem os produtos do trabalho uns dos outros, já que possuem atividades especializadas, não produzindo todos os bens de que necessitam. Assim sendo, deve haver troca entre os diversos produtos dos trabalhos privados. A transformação da matéria-prima em produtos é feita pelo trabalhador, que vende sua força de trabalho ao capitalista em troca de um salário. O capitalista é dono dos meios de produção (matérias-primas, ferramentas, etc.) e se apropria dos produtos acabados. A sociedade capitalista tem como elementos fundamentais a propriedade privada, a divisão social do trabalho e a troca. (P. 165).

Enfocando as mudanças em nível do pensamento e da visão de mundo,

Lara (1998), destaca que

[...] Não é mais a partir de Deus que a cultura tenta, agora, estruturar-se e a civilização procura organizar-se. É a partir do homem.(...) O homem não é mais visto como criatura, portanto, na sua relação com o Absoluto. Ele é visto como criador, ante a natureza, na qual se encontra; dela se distingue, enquanto racionalidade; sobre ela deve atuar, celebrando assim a sua liberdade. O homem se liberta de um enfoque que lhe impunha valores como a admiração, a adoração, a obediência, o respeito e o desapego. Joga-se com entusiasmo, a construir valores

novos: individualismo, liberdade, criatividade, participação e

enriquecimento. (P. 28).

Considerando o interesse de nossa pesquisa, observamos que as investigações que objetivam compreender a escola e o currículo em cada período histórico e nos diversos contextos socioculturais buscam explicitar as características mais gerais e as particularidades que desvelam a natureza e as especificidades da educação em cada momento da história das comunidades humanas. A Modernidade, como época sócio- histórica e cultural, investiu na organização de uma complexa estrutura educacional e num conjunto de práticas, caracteristicamente modernas, que buscavam produzir e moldar o propalado sujeito moderno – aquele adequado e compatível à reprodução da sociabilidade e civilização moderna.

Smelser (1968) apud Goodson (1995), analisando as mudanças em curso na transição entre o Medievo e a Modernidade e suas repercussões para a educação, nos informa que

[...] Na família pré-industrial de um artesão, os próprios pais são responsáveis por ensinar aos filhos as habilidades ocupacionais mínimas, bem como por formá-los no plano emocional durante os primeiros anos de vida. Quando uma economia crescente estabelece exigências para maior instrução e melhor habilitação técnica, a pressão exercida sobre tal família multifuncional é no sentido de que ela ceda lugar a um novo e mais complexo conjunto de programas sociais. Surgem instituições educacionais estruturalmente distintas, e a família começa a passar para essas novas instituições algumas das tarefas

educacionais. Em conseqüência disso – perdidas suas funções – a família se torna mais especializada, concentrando-se relativamente mais no condicionamento emocional dos primeiros anos de vida dos filhos e relativamente menos em suas funções econômicas e educacionais anteriores. (P. 33).

Desse modo, observa-se que paralelamente à emergência da sociedade capitalista industrial burguesa, vai sendo elaborada uma nova estrutura sócio-educacional, para responder às renovadas e emergentes demandas de formação humana. A sociedade nascente, fundamentalmente vinculada à burguesia, projeta-se referenciada por outros horizontes e saberes, diferentes daqueles que norteavam o Medievo. Seu nascimento e desenvolvimento estão profundamente ligados ao comércio e à produção de mercadorias. Como elementos impulsionadores destes, desenvolvem-se a técnica e a tecnologia e estas, por sua vez, apresentam-se fundamentalmente dependentes da ciência e, portanto, de um conhecimento sistemático e matematizado.

Lara (op. cit.), refletindo sobre estes ocorrentes movimentos, refere que

Na origem da ciência moderna, estão também as condições socioeconômicas de um mundo em transformação. [...] A base da sociedade européia, nos séculos da Idade Moderna, já não é só a agricultura. Uma nova classe emergente entrega-se preferentemente ao comércio. E a vida comercial está a exigir um conhecimento mais profundo da realidade física. Basta recordar os desafios que significaram para os sábios as grandes navegações. Pouco a pouco, o método antigo de abordagem da natureza, baseado na filosofia, mostra- se ineficaz. É um desafio. Resposta a esse desafio é a ciência moderna. (P. 41- 42).

Portanto, considerando o projeto da burguesia de estabelecer uma sociedade de mercado, onde a produção de manufaturas em larga escala e o comércio estariam no centro da nova vida econômica e sociocultural, compreende-se a necessidade de elevados investimentos no desenvolvimento do conhecimento científico, que se volta para assegurar a ampliação da técnica e da tecnologia como condição para realizar aquele mesmo projeto. Assim sendo, a ciência na Modernidade é redefinida desde as exigências

da nova classe dominante, e torna-se instrumento fundamental no ímpeto de controle e dominação da burguesia. E, assim,

[...] busca uma interpretação “matematizada” (matemática aqui tomada no sentido grego, mathesis universalis, de conhecimento perfeito, completo e dominado pela razão) e formal do real, trazendo para a metodologia de análises do real a questão da neutralidade do conhecimento cientifico. Ao mesmo tempo, a postura diante deste real passa da atitude de preservação para a de manipulação e transformação da natureza, atendendo ao próprio desenvolvimento que ocorria no nível da economia, que se organizava nos moldes capitalistas. (P. 18).

Para a produção e reprodução desses novos saberes, conhecimentos e suas tecnologias, fundamentais para a manutenção e ampliação da sociedade capitalista emergente, torna-se necessária a socialização da escola, até então mantida como privilégio de poucos pelo clero e pela aristocracia medievais. Manacorda (1997), nos chama atenção para o fato de que, nesse processo de transformações,

[...] os trabalhadores perdem sua antiga instrução e na fabrica só adquirem ignorância. Em seguida, a evolução da “moderníssima ciência da tecnologia” leva a uma substituição cada vez mais rápida dos instrumentos e dos processos produtivos e, portanto, impõe-se o problema de que as massas operárias não se fossilizem nas operações repetitivas das maquinas obsoletas, mas que estejam disponíveis às mudanças tecnológicas, de modo que se deva sempre recorrer a novos exércitos de trabalhadores mantidos de reserva: isto seria um grande desperdício de forças produtivas. Em vista disso, filantropos, utopistas e até os próprios industriais são obrigados, pela realidade, a se colocarem o problema da instrução das massas operárias para atender às novas necessidades da moderna produção de fábrica: em outros termos, o problema das relações instrução-trabalho ou da instrução técnico- profissional, que será o tema dominante da pedagogia moderna. Tentam-se, então, duas vias diferentes: ou reproduzir na fábrica os métodos “platônicos” da aprendizagem artesanal, a observação e a imitação, ou derramar no velho odre da escola desinteressada o vinho novo dos conhecimentos profissionais, criando várias escolas não só sermocinales, mas reales, isto é, de ciências naturais: em suma, escolas científicas, técnicas e profissionais. (P. 271 - 272).

Foi neste contexto, portanto, que nasceu a escola popular moderna e, por conseqüência, os processos de escolarização de massas. Os trabalhadores urbanos, que até bem pouco eram servos medievais, necessitavam ser escolarizados para poder trabalhar na linha de produção das fábricas. Os novos processos produtivos ocorriam mediados por uma lógica técnica e matemática que deve ser entendida como condição

sine qua non para a sua operacionalização, manutenção e desenvolvimento. Assim sendo,

tornavam-se imperativas a socialização e a introjeção, por parte dos que atuavam nos processos fabris, de novos conhecimentos e dessa lógica e, portanto, desse novo modus

operandi racional do processo produtivo.

Desta necessidade e com este novo significado, a escola de massas tomou importância dentro do projeto burguês e deve servir para instrumentalizar os sujeitos para o nascente processo produtivo e, de outro lado, inculcar a nova visão de mundo necessária à justificação e significação da nova ordem social; desse modo, colabora na articulação dos sentidos e das práticas fundamentais à nova sociabilidade e às novas relações de produção. Com tal exigência, os Estados modernos, sob o comando da burguesia emergente, estruturam seus sistemas nacionais de educação e produziram suas políticas educacionais, visando a organizar e controlar a formação humana na sociedade em elaboração.

Assim sendo, a escola, dentro do projeto da Modernidade, foi tomada como locus de transmissão de conhecimentos, por um lado, e criação do cidadão

moderno – aquele adequado à vida moderna, urbana e industrial (SHIROMA, MORAES

E EVANGELISTA, 2000), por outro; e passou de ser organizada e instrumentalizada no sentido de colaborar na realização dessas duas tarefas importantes para o cumprimento dos objetivos da classe burguesa que se consolidou como classe dominante. Deve, portanto, socializar os rudimentos científicos necessários à inserção dos setores populares nos inovadores processos de produção e, de outro, deve inculcar os valores e as visões de mundo necessárias à justificação e aceitação da nova ordem social.

A escola e o currículo modernos foram estruturados, incorporando esta lógica da sociedade capitalista emergente e se estabeleceram como instituições fortemente marcadas pelo ímpeto de controle e dominação da racionalidade moderna, burguesa e capitalista. Goodson (op. cit, 1995), partindo da compreensão de que o currículo está no centro do processo educacional que se desenvolve na escola e que este encarna as intencionalidades fundamentais da educação, destaca o fato que

[...] o currículo é definido como um curso a ser seguido, ou, mais especificamente, apresentado. Como observa Barrow (1984, p. 3), “no que se refere à etimologia, portanto, o currículo deve ser entendido como ‘o conteúdo apresentado’ para estudo”. Nesta visão, contexto e construção sociais não constituem problema, porquanto, por implicação etimológica, o poder de “definição da realidade” é posto firmemente nas mãos daqueles que “esboçam” e definem o curso. O vínculo entre currículo e prescrição foi, pois, forjado desde muito cedo, e, com o passar do tempo, sobreviveu e fortaleceu-se. Em parte, o fortalecimento deste vínculo deveu-se ao emergir de padrões seqüenciais de aprendizado para definir e operacionalizar o currículo segundo já fixado. (P. 31).

O autor, quando se refere ao currículo como prescrição, está destacando sua natureza política, ou seja, está desvelando o currículo como relação de poder, como movimento que estabelece uma relação desigual, hierárquica, onde um que tem mais poder define previamente o conteúdo e as experiências que outrem, com menor poder, vai ser submetido como ser aprendente. Tematiza, assim, a dimensão de controle, como um aspecto fundamental da educação moderna. É com este sentido que a Modernidade toma a palavra currículo como conceito em escolarização, adotando-o em função de sua natureza impositiva e em nome de suas potencialidades determinantes de controle social. Vislumbra-se nesta opção a efetivação de maior controle sobre educação formal com esteio nas potencialidades prescritiva do currículo.

Observa-se, então, o currículo entrando no tratado educacional moderno e se envolvendo numa trama onde se gesta um conjunto de epistemologias e saberes, mediados por noções e categorias sócio-epistemológicas que organizam e estruturam as

capitalistas da escola burguesa. Hamilton e Gibbons (1980, p. 15) apud Goodson (op. cit.), fazem referência a estes desdobramentos, nos informando de que “as palavras

classe e currículo parecem ter entrado no tratado educacional numa época em que a escolarização estava se transformando em atividade de massa”. (P. 31). Goodson (1995)

segue a análise, esclarecendo que

[...] no entanto, a origem da justaposição classe/currículo pode ser encontrada em época anterior e em nível educacional mais elevado. A partir da análise de Mir sobre como as “classes” se originaram – a primeira descrição sobre classes está nos estatutos do College of Montaign – ficamos sabendo disso: É no programa de 1509 que se encontra pela primeira vez em Paris uma divisão clara e precisa de alunos em classes... Isto é, divisões graduadas por estágios ou níveis de complexidade crescente, de acordo com a idade e o conhecimento exigido dos alunos. (...) O aproveitamento do termo latino “pista de corrida” está nitidamente relacionado com o emergir de uma seqüência na escolarização... Hamilton acredita que “o senso de disciplina ou ordem estrutural absorvido no currículo procedeu não tanto de fontes clássicas quanto das idéias de John Calvin. (P. 31 – 32).

Hamilton (op. Cit.) apud Goodson (op. cit) segue analisando a estruturação da educação e da escola moderna e, ainda se referindo à noção de classe, nos esclarece que

O conceito de classe ganhou proeminência com o surgimento de programas seqüenciais de estudo que, por seu turno, refletiam diversos sentimentos de mobilidade ascendente da Renascença e da Reforma. Nos paises calvinistas (como a Escócia), essas idéias encontraram sua expressão, teoricamente, na doutrina da predestinação (crença de que apenas uma minoria predestinada podia obter a salvação) e, educacionalmente, no emergir de sistemas de educação – nacionais, sim; mas bipartidos – onde os “eleitos” (isto é, predominantemente os que podiam pagar) eram agraciados com a perspectiva da escolarização avançada, ao passo que os demais (predominantemente os pobres da área rural) eram enquadrados num currículo mais conservador (com apreço pelo conhecimento religioso e pelas virtudes seculares. (P. 32 – 33).

A criação do espaço e do conceito equivalente de classe no tratado educacional moderno e sua vinculação ao currículo, vão implicar o exercício de um controle social que se processa a partir da escola e do currículo, que reproduz e produz diferenciações sócio-educacionais. A escola e o currículo moderno são elaborados como compreensões epistemológicas e como conjunto de práticas numa interface forte com o projeto burguês de sociedade e de homem. Na seqüência do argumento sobre ainda a noção de classe, Goodson (op. cit.), explicita que a citação anterior

[...] estabelece para currículo, o único significado que foi desenvolvido, porquanto, logo que se constatou o seu poder para determinar o que deveria se processar em sala de aula, descobriu-se um outro: o seu poder de diferenciar. Isto significa que até mesmo as crianças que freqüentavam a mesma escola podiam ter acesso ao que representava “mundos” diferentes através do currículo a elas destinados. (P. 33).

O autor continua analisando as epistemologias da escola moderna e na perspectiva de uma Sociologia da Educação, esclarece sobre a transição do sistema de

classe para o de sala de aula, argumenta que,

[...] na análise da transição do sistema de classe para o de sala de aula, a mudança nos estágios iniciais da Revolução Industrial em fins do século XVIII e inicio do século XIX “foi tão importante para a administração da escolarização quanto a concomitante mudança da produção doméstica para a produção e administração industriais” (...) Com o triunfo do sistema industrial, a concomitante dispersão da família fez que esta cedesse os seus papéis à penetração subseqüente da escolarização estatal, deixando que fossem substituídos pelo sistema de sala de aula, onde grupos maiores de crianças e adolescentes podiam ser adequadamente supervisionados e controlados. Com isso, “a mudança de classe para sala de aula representava uma transformação mais generalizada em escolarização – a vitória suprema das pedagogias baseadas em grupo sobre as formas mais individualizadas de ensino e aprendizagem”. (GOODSON, op. cit, p. 33 - 34).

Na mesma pesquisa e expressando o ‘amadurecimento’ dos sistemas

escola moderna e reforça a compreensão de como seu modus operandi foi organizado para reproduzir a lógica mais geral da ordem social capitalista burguesa.

Na altura do século XX, a retórica da produção em série do “sistema de sala de aula” (por exemplo: aulas, matérias, horários, notas, padronizações, fluxogramas) tornou-se tão difundidos que alcançou com êxito um status normativo – criando os padrões com quais todas as inovações educacionais subseqüentes passaram a ser avaliadas. (...) O sistema de sala de aula introduziu uma série de horários e de aulas compartimentalizadas; a manifestação curricular dessa mudança sistemática foi a matéria escolar. Se a “classe e o currículo” passaram a integrar o discurso educacional quando a escolarização foi transformada numa atividade de massa na Inglaterra, “o sistema da sala de aula e a matéria escolar” emergiram no estágio em que a atividade de massa se tornou um sistema subsidiado pelo Estado. E apesar das muitas alternativas de conceitualização e organização do currículo, a convenção da matéria escolar deteve a supremacia. (P. 35).

Bobbit (1918) apud Silva (1999), em seu The curriculum (1918), acompanhando este modo de compreender a escola e o currículo, propunha que

[...] a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outra empresa comercial ou industrial. Tal como uma indústria, Bobbit queria que o sistema educacional fosse capaz de especificar precisamente que resultados pretendia obter, que pudesse estabelecer métodos para obtê- los de forma precisa e formas de mensuração que permitissem saber com precisão se eles foram realmente alcançados [...] O modelo de Bobbit estava claramente voltado para a economia. Sua palavra-chave era “eficiência”. [...] Não havia por que discutir abstratamente as finalidades últimas da educação: elas estavam dadas pela própria vida ocupacional adulta. Tudo o que era preciso fazer era pesquisar e mapear quais eram as habilidades necessárias para as diversas ocupações. Com um mapa preciso dessas habilidades, era possível, então, organizar um currículo que permitisse sua aprendizagem. [...] Tal como na indústria, é fundamental, na educação, de acordo com Bobbit, que se estabeleçam padrões. O estabelecimento de padrões é tão importante na educação quanto, digamos, numa usina de fabricação de aços, pois, de acordo com Bobbit, “a educação, tal como a usina de fabricação de aço, é um processo de moldagem”. [...] Nas últimas décadas, diz ele, os educadores vieram a “perceber que é possível estabelecer padrões definitivos para os vários produtos educacionais”. (P. 23 - 24).

Este modo de apreender e pensar a escola e suas atividades se referencia e incorpora à lógica técnica e mecanicista que caracterizou a linha de produção fabril moderna e faz interface com o modus operandi empresarial que domina as teorias da Administração moderna. Este conteúdo desaguou na obra de Ralph Tyler e suas compreensões dominaram a cena educacional no final da década de 40 do século XX, chegando, inclusive ao Brasil, no final dos anos 50. Tyler, como Bobbit, insiste na idéia da preparação de experiências escolares organizadas tecnicamente.

Com o livro de Tyler [publicado em 1949], os estudos sobre currículo se tornam decididamente estabelecidos em torno da idéia de

organização e desenvolvimento. [...] A organização e o

desenvolvimento do currículo deve buscar responder, de acordo com Tyler, quatro questões básicas: 1. que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?; 2. que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidades de alcançar esses propósitos?; 3. como organizar eficientemente essas experiências educacionais?; 4. como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? (P. 24-25).

Portanto, a escola e o currículo moderno são formatados e instrumentalizados a partir das exigências e das demandas da civilização burguesa em construção e estão, do ponto de vista do conhecimento, profundamente vinculadas às formas da razão moderna, técnica e cientificista, incorporando e reproduzindo sua natureza e características mais gerais. Assim é que Silva (op. cit.) defende o argumento de que

O currículo [e a escola] existente é a própria encarnação das características modernas. Ele é linear, seqüencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele é disciplinar e segmentado. O currículo existente está baseado numa separação rígida entre “alta” e “baixa” cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capitalista e do estado-nação. No centro do currículo existente está o sujeito racional, centrado e autônomo da Modernidade. (P. 115).

Merece destaque ainda, o aspecto de que a escola moderna difunde e reproduz uma perspectiva cultural fundamentalmente burguesa e, portanto, vinculada à classe que se tornou dominante nesse período histórico. Assim, as narrativas, os valores