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Foto 01 Construindo a tese em 20/11/2011

3.6 A escola pública – espaço público ressignificado

Ao nos aproximarmos da teoria crítica de educação encontramos autores como Pierre Bourdieu, Álvaro Vieira Pinto, Antonio Gramsci, Anísio Teixeira, entre outros que, sobre o funcionamento da escola e sua função de conservação social, alertam para a responsabilidade que ela tem na perpetuação das desigualdades sociais. Ou seja, poucos conseguem se sobressair nesse modelo estrutural pensado por ela. Ribeiro (2010, p. 44) diz que, produzida pela burguesia, a concepção moderna de educação ficou reduzida aos processos escolares, negando ou subordinando os aprendizados da experiência e da cultura, mas, principalmente, os que decorrem do mundo do trabalho.

No entanto, embora saibamos dos interesses de classes dominantes quando da institucionalização e sistematização do conhecimento por meio da escola, urge a necessidade de ressignificar esse espaço público. Giroux (1986) afirma que a escola é um local de dominação e reprodução, mas que, ao mesmo tempo, permite às classes oprimidas um espaço de resistência. Nesse sentido, as escolas são espaços políticos envolvidos na construção e controle do discurso, do significado e das subjetividades, resguardando os valores e crenças do senso comum que guiam e estruturam a prática escolar. Dessa maneira, as escolas não podem ser pensadas nem analisadas como instituições removidas do contexto socioeconômico em que estão situadas.

Quando se trata da escola pública no campo, apesar de reconhecerem que é limitada e precária, os estudiosos consideram que essa instituição tem papel fundamental na divulgação do saber universal para a população campesina, devendo, por isso, ser avaliada e, sobretudo, ter sua função sociopedagógica e conteúdos curriculares redefinidos para que, de fato, atenda aos reais interesses dos grupos sociais a que se destina (DAMASCENO, 2004).

De acordo com Giroux (1986, p. 60) a pedagogia crítica sugere a necessidade de moldar novas categorias de análise que possibilitarão aos educadores conhecerem melhor como professores, alunos e outros envolvidos no trabalho educativo, tornam-se parte dos sistemas de reprodução social e cultural, sabendo-se que isso é operacionalizado através das mensagens e valores constituídos por meio das práticas sociais as quais se encontram no currículo oficial.

É válido aqui ressaltar que poucas são as ações sociais por meio da educação escolar pública que respeitam o cotidiano de trabalho do camponês. Existe uma execução bem maior dessas práticas através de processos de educação não escolar, com vistas à participação, não só da escola, como também, da comunidade em que ela está inserida. Isso acontece porque essa importante parcela da população do campo foi e é protagonista dos processos quando se organizam coletivamente para conduzi-los, mas, quase sempre, assistiu à história contada por cima ser construída externamente, sendo coagida a não ser protagonista, como se não fizesse parte desse processo de desenvolvimento social. Foi utilizada por um modelo de educação subserviente, em que foi negado o acesso a um ensino que estimulasse a reflexão de sua realidade e propiciasse a construção de suas próprias oportunidades.

Camponeses, quando organizados em associações, sindicatos, redes, movimentos sociais populares passam a fazer reflexões mais coletivas de suas ações, do seu trabalho e isso interfere na relação com outras estruturas sociais, inclusive a escola. Vale (2001, p. 44) diz o seguinte:

Do amadurecimento político dos movimentos populares modificam-se as relações destes com a escola. Modificam-se na medida em que se dá o confronto entre a educação ministrada pela escola e a prática educativa ministrada pelos segmentos populares. Ironicamente desse embate ideológico nasce o desejo das camadas populares de lutarem pelo acesso a essa escola como forma de captar uma aprendizagem que, mesmo decorrendo de situações conflituosas, lhes possibilitará conhecimentos que, por sua vez, contribuirão para um maior amadurecimento político. A partir desse instante, clarifica-se a certeza de que essa escola que aí está não é a que se deseja e que é preciso lutar, não apenas pela sua democratização, mas pela sua transformação em função dos movimentos minoritários da sociedade.

Ribeiro (2010, p. 24) também aponta saídas que resistem a esse processo excludente vivenciado por populações do campo, quando afirma:

Os movimentos sociais populares estão presentes enquanto sujeitos políticos coletivos bem concretos no que vemos e interpretamos como educação contemporânea, principalmente aqueles que são protagonizados pelos trabalhadores e trabalhadoras da terra, cuja diversidade de manifestações e organizações pode ser sintetizada na unidade do movimento camponês de luta pela terra e pela educação. Tais movimentos formulam críticas e colocam demandas que impõem aos educadores- pesquisadores militantes a necessidade de repensar a formação de professores e os processos de escolarização oferecidos e vivenciados pelas classes populares.

Ao nos debruçarmos, por exemplo, na gênese de redes sociais solidárias no contexto do semiárido brasileiro, perceberemos como elemento muito forte essa construção do sujeito político coletivo. Um dos fatores fundantes para os sujeitos se organizarem foi a reação à negação histórica dessa região enquanto lugar de vida; é uma reação contra-hegemônica que gera projetos políticos, construídos ao longo de processos, por meio da interação de grupos que considera os diferentes saberes existentes. Corrobora Gohn (2008 b), quando afirma:

Por meio da sociabilidade que as relações sociais possibilitam, adquire-se um saber o qual poderá gerar um conhecimento emancipatório. Por ser fruto de forças de resistência que se opõem à ordem instituída, ou aos poderes hegemônicos estabelecidos, esse saber condensa proposições que apontam para uma outra situação, outras possibilidades de relações sociais. Podemos dizer que a monocultura do saber e do rigor e a monocultura da naturalização das diferenças47 abordadas por Santos (2007) fundamentam estereótipos de um semiárido inviável, pobre, negado; mas esse povo do semiárido é tão resistente, tão forte, que reage cotidianamente a essa percepção culturalmente

47 A monocultura do saber e do rigor: a ideia de que o único saber rigoroso é o saber científico. Essa monocultura reduz de imediato, contrai o presente, porque elimina muita realidade que fica fora das concepções científicas da sociedade, porque há práticas sociais que estão baseadas em conhecimentos populares, conhecimentos indígenas, conhecimentos camponeses, conhecimentos urbanos, mas que não são avaliados como importantes ou rigorosos. E, como tal, todas as práticas sociais que se organizam segundo esse tipo de conhecimento não são críveis, não existem, não são visíveis. Ao constituir-se como monocultura, produz o ―epistemocídio‖: a morte de conhecimentos alternativos. Reduz realidade porque ―descredibiliza‖ não somente os conhecimentos alternativos, mas também os povos, os grupos sociais cujas práticas são construídas nesses conhecimentos alternativos. A primeira forma de produção de inexistência, de ausência, é a ignorância. A monocultura da naturalização das diferenças que ocultam hierarquias e não as veem como a causa das diferenças, mas sua consequência, porque os que são inferiores nessas classificações naturais o são ―por natureza‖. Essa é outra característica da racionalidade preguiçosa ocidental: não sabe pensar diferenças com igualdade; as diferenças são sempre desiguais.

construída, e, como é colocado por Santos (2007), na sociologia das ausências48, se

organiza sem sair, sem deixar, sem tirar ―o pé do chão do semiárido‖, lutando para que as pluralidades do semiárido sejam respeitadas em qualquer lugar, estando nele ou não. Reconhecemos, como exemplo dessa luta, a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), que atua na dimensão da sociologia das emergências e confere conteúdo à realidade histórica e social desse contexto. De acordo com Silva (2011), uma das fundadoras, a Rede é uma articulação que congrega educadores/educadoras e instituições governamentais e não governamentais, que atuam direta ou indiretamente em educação escolar no semiárido brasileiro. Visa colaborar na promoção de ações que contribuam para a melhoria da qualidade da educação pública nessa região. Nasce das experiências em educação popular, as mais diversas, embasadas, principalmente, na Pedagogia de Paulo Freire e no pensamento de autores como: Edgar Morin, Boaventura de Sousa Santos, Felix Guatarri, Salvador Trevisan, Agnes Heller, Antônio Gramsci, Vygotsky, Milton Santos e outros tantos autores brasileiros engajados no movimento. Também de acordo com Reis (2011, p. 67), ela é resultado de um longo processo do qual participam diversas experiências de educação, governamentais e não governamentais, formais e não formais, presentes no semiárido brasileiro, que vêm fazendo importantes inflexões curriculares e metodológicas com a intenção de que ―a escola do Semiárido vincule-se às formas de vida e às problemáticas existentes no SAB49,

sustentando-se no conceito de Educação para a Convivência com o Semiárido‖. E nessa lógica corroboramos com Ribeiro (2010, p. 46) ao afirmar que a concepção que sustenta sua prática está no próprio processo de luta das classes populares, ou seja, a dimensão educativa, formadora das classes populares, pode ser captada no processo histórico de organização dos movimentos sociais populares. No mesmo sentido concordamos com Vale (2001, p. 43) quando afirma:

É necessário frisar que no processo de organização dos movimentos populares esses segmentos também se educam na medida em que discutem a sua condição de classe, a desigualdade das relações humanas, a solidariedade em detrimento da individualidade, o outro enquanto companheiro de luta. Educando-se lutando.

48 Trata da superação das monoculturas do saber científico, do tempo linear, da naturalização das diferenças, da escola dominante, centrada hoje no universalismo e na globalização, além da produtividade mercantil do trabalho e da natureza.

O reconhecimento da dimensão educativa presente na luta dos movimentos populares deve seguir aprimorando a busca do caráter educativo da escola pública. Vale (2001, p. 45) diz que ―esse caráter educativo, democrático, formativo, político da escola pública deve ser resgatado na tentativa de se buscar um equilíbrio entre o desenvolvimento de capacidades técnicas e capacidades intelectuais‖.

Assim, também o movimento por uma educação do campo se constrói. A partir da afirmação do campo, enquanto espaço dinâmico de vida, que nasce do reconhecimento das lutas campesinas como uma dimensão educativa, com processos de aprendizagem significativa. Como também nasce da construção de propostas de educação escolar do campo, que a partir da problematização da realidade geram significado contextualizado aos conteúdos escolares e não escolares necessários aos processos educativos que fortalecem a educação nesse contexto.