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Foto 01 Construindo a tese em 20/11/2011

3.5 As escolas rurais e a identidade com os camponeses

Para Leite (1999), nem sempre a escola se estabelece como força entre os camponeses, pois, em se tratando de sobrevivência material da família, o trabalho em si é mais forte que a escolarização, o que, muitas vezes, leva a família campesina em direção oposta à escola, mesmo sendo esta a instituição que propicia, de forma sistemática, o acesso à cultura letrada, como afirma Saviani (2000). Geralmente, cabe aos estudantes limitar-se a executar tarefas, nas quais muitas vezes não veem sentido, apenas porque têm que cumprir as ordens do professor e isso só os afasta do ambiente escolar. Nesse sentido, corroboramos com Delval (2006, p. 14), ao tratar, numa dimensão mais abrangente, a educação de adolescentes e jovens nas escolas de hoje:

A capacidade de iniciativa dos alunos é muito reduzida, porque a escola atual não é um lugar onde se aprende a adquirir responsabilidades, quanto mais responsabilidades individuais: quem não estuda não passa. Mas não há responsabilidades coletivas concernentes à participação do indivíduo no grupo. Não obstante, após receber esse tipo de educação, pretende-se que os adolescentes e os jovens sejam responsáveis, tenham clara consciência moral, respeitem as normas e se preocupem com os outros. A suposta meta é que se tornem cidadãos responsáveis e participantes. Mas será que estamos seguindo o caminho que vai dar nela?

Na maioria dos casos, o que acontece com as escolas no contexto do campo é a falta de compromisso com a sua existência, e, consequentemente, com a existência das pessoas que delas participam e não é com esse paradigma de escola e de educação do campo que queremos contribuir. Pretendemos uma educação, que proporcione bem mais transformações no campo e que contribua com a formação de pessoas livres, de camponeses que não sejam tratados como mera mão de obra. Baptista (2003, p. 31) enfatiza essa afirmação, quando refere:

A educação rural que queremos construir no território brasileiro deve ter princípios pedagógicos, políticos, filosóficos e metodológicos que fundamentam as decisões sobre educação/escola. Ter uma escola que prepara os alunos em habilidades comuns a todas as escolas e em habilidades específicas do campo.

É nesse sentido que o movimento ―por uma educação do campo‖, nascido das lutas dos movimentos sociais camponeses, em contraponto à educação rural, construída por e para os diferentes sujeitos, territórios, práticas sociais e culturas que fazem a diversidade que compõe o campo, apresenta-se como uma garantia de cumprimento de direitos historicamente esquecidos e de aprimoramento das condições de existência no campo. Nessa perspectiva, vários intelectuais comprometidos com a luta campesina, tais como Ribeiro (2010), Baptista (2003) e Arroyo, Caldart e Molina (2004) defendem essa mudança de percepção do que é rural. Eles propõem uma mudança de paradigma que faz parte da continuidade da luta camponesa pela terra de trabalho.

A substituição do termo ―educação rural‖ por ―educação do campo‖, trata-se não só de uma mudança de conotação, em que o campo significa o projeto histórico de sociedade e de educação que reconhece, respeita e afirma o valor da essência de ser camponês, como também representa a mudança histórica de um paradigma tradicional que paulatinamente vai se confrontando como paradigma atual. Como afirmam Fernandes, Molina e Jesus (2004, p. 63):

Enquanto a Educação do Campo vem sendo criada pelos povos do campo, a educação rural é resultado de um projeto criado para a população do campo, de modo que os paradigmas projetam distintos territórios. Duas diferenças básicas desses paradigmas são os espaços onde são construídos e seus protagonistas. Por essas razões é que afirmamos a Educação do Campo como um novo paradigma que vem sendo construído por esses grupos sociais e que rompe com o paradigma da educação rural, cuja referência é a do produtivismo, ou seja, o campo somente como lugar de produção de mercadorias e não como lugar de vida.

De acordo com Ribeiro (2010, p. 39), trabalhadores rurais sindicalizados de algumas regiões do país permanecem usando o conceito de educação rural44, embora estejam participando das discussões e conferências de educação do campo.

44 Educação rural, de acordo com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (2002), é toda educação desenvolvida com as populações rurais e fundamenta-se nas práticas sociais constitutivas dessas populações: seus conhecimentos, habilidades, valores, modo de ser e de produzir e formas de compartilhar a vida. Portanto, a educação rural deve respeitar todas as especificidades do ambiente rural e, através da escola, operacionalizar esse conceito.

Eles percebem que a escola atual, situada nas áreas rurais, ainda enfrenta enormes dificuldades, ainda é organizada em classes multisseriadas, separadas por cortinas de TNT. Ainda não é prioridade, com base no direito de ter acesso, ou seja, ainda está aquém do que deveria ser, seja em relação às políticas públicas, à estrutura física ou à concepção filosófica, pois não se veem nela. É como se fosse cultivada uma relação de distanciamento entre as práticas escolares e as práticas campesinas.

Convém enfatizar que não bastam as reflexões nesse sentido de mudança de denominação, se a educação do campo, a escola do campo e tudo o que se refere ao campo for sinônimo de atraso, e se o camponês continuar sendo estereotipado como ―Jeca Tatu‖45 que, para se integrar à totalidade do sistema social, precisa ser

redimido pela modernidade. É nesse sentido que Leite (1999) afirma que é necessário ―redescobrir‖ o significado, o papel e o sentido da escola entre os camponeses e tentar entender até que ponto ela ainda se estabelece como ―valor social‖, bem como sua função na formação das pessoas e como elemento identificador de uma cultura/práxis campesina.

Nesse sentido, as constatações que Baptista (2003, p. 19) aponta quanto ao que deve ser enfatizado se fazem bastante pertinentes:

É que, apesar dessas limitações, se começa a acreditar que esse papel exercido pela escola até agora pode ser revertido; que existem experiências bem-sucedidas nesse campo e que esta questão está começando a ser pauta na agenda, não só do movimento sindical rural, como de todos os que querem construir a sustentabilidade do desenvolvimento. Não se trata de uma ingenuidade pedagógica de esperar da escola o que ela não pode dar, mas de redesenhar um outro papel para as sociedades que querem optar por outro modelo de desenvolvimento, diferente do que nos tem sido proporcionado.

Vale salientar que este é um exercício bilateral, ou seja, tanto se deve descobrir o valor da escola para os camponeses, quanto buscar entender como a escola os percebe no seu cotidiano. Talvez, após essas descobertas, essa relação escola/comunidade/escola tenha denominadores mais reais para o fortalecimento dos sujeitos do campo. Desse modo, é entendendo os propósitos que fundamentam os processos de escolarização no campo; entendendo a luta camponesa por terra,

45 Personagem criado por Monteiro Lobato e imortalizado para o grande público no filme de Mazzaropi (1960) que retrata a figura do camponês, sitiante, sem apoio dos poderes públicos.

água, condições de viver; respeitando suas conquistas; entendendo que o contexto desse campo de que estamos tratando é composto por sujeitos que estão à margem46 de um sistema econômico excludente, que poderemos ter escolas e comunidades, e, consequentemente, campos mais soberanos, mais autônomos.

De acordo com Dalmás (1994), a participação, como construção em conjunto, implica momentos de intervenção na maneira de fazer individual e coletiva. Quando se trata do processo educativo participativo, em que todos têm sua palavra a dizer, a participação de alunos, de professores e de pais, durante o processo decisório, determina nova orientação pedagógico-administrativa da escola.

É necessário, então, que esse tipo de participação aconteça nas escolas e nas comunidades e que haja mais organização coletiva, pois, segundo Freire (1979), quanto mais o homem for levado a refletir sobre suas condições, sobre sua formação cultural, quanto mais se relacionar como sujeito, mais facilidade terá de compreendê-las e de comprometer-se com a sua realidade. Somos sabedores que a escola tradicional do campo está longe disso, mas sabemos o quanto é essencial concretizar essa reflexão de Freire.

Geralmente, as pessoas têm certa dificuldade de perceber que a escola faz parte da comunidade e que determinadas atitudes suas independem da mobilização da escola. A falta de iniciativa é, muitas vezes, camuflada como impossibilidade de agir; essa postura só retarda os avanços de que todos podem desfrutar. Mesmo havendo pessoas que percebem que a escola pode ir além dos seus muros, há certa acomodação no sentido de atribuir a outros, responsabilidades que poderiam ser assumidas. Isso é negativo e retarda um processo de junção que poderia dar bons frutos.

Entendemos, portanto, conforme Gohn (2008b), que a emancipação real é proativa, constrói-se na prática cotidiana, no jogo diário dos relacionamentos e sua meta é a autonomia dos sujeitos, obtida quando se adquire a capacidade de ser um sujeito histórico, que sabe ler e interpretar o mundo.

É fundamental a importância que cada um tem nesse processo, tanto comunidades quanto escolas, mas é preciso a compreensão de para onde caminham juntas e a serviço de quem estão suas forças e ações. Negar a

46 Temos que salientar que estão à margem de alguns elementos do sistema político/econômico que os fortalecem enquanto sujeitos, porém, incluídos quando se trata do mercado; mesmo não adquirindo as mercadorias de ponta, eles têm acesso e produzem, também, determinados bens propagandeados como se fossem necessários para viver.

importância de algum espaço educativo, seja escola ou comunidade, é assumir a responsabilidade pelo retrocesso desse diálogo, quando o intuito de problematizar os processos, tanto em um quanto em outro, é na tentativa de ressignificar o que deve ter sentido na vida dos sujeitos envolvidos. É raro, é muito difícil um camponês que negue a importância da escola, mas é perceptível a distância que ainda os separam.