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3 A TURMA DO TERCEIRO ANO E O CONTEXTO DE ENSINO E

4.2 A escolha do tema e a construção das aulas

Nos primeiros dias de aula, em fevereiro de 2014, observamos que a maior parte dos estudantes da turma do 3º ano se dirigia a escola por meio de transporte escolar particular, mas mesmo assim chegavam atrasados para o início das aulas, marcada para as 7h, horário em que, frequentemente, cerca de 2 alunos apenas estavam em sala. Esse fato nos chamou atenção e, a fim de saber os motivos que levavam ao atraso, fizemos alguns questionamentos a turma, o qual apresentamos a seguir:

Professora: Gente, o que está acontecendo que vocês estão chegando tão atrasados? Vocês acabam perdendo a correção...

Aluna: Professora, é o trânsito...

Professora: E vocês “pegam” engarrafamento todos os dias? Aluna: Não, com a construção do estádio24 piorou.

A fala da aluna retrata a justificativa atribuída pela maioria dos estudantes ao atraso. Além destas, outras como “acordei tarde”, “o transporte escolar demorou a me buscar”, “o ônibus demorou” também foram citadas.

24 A aluna se refere ao estádio de futebol que precisou ser reconstruído, bem como as vias em seu

entorno, devido a cidade de Natal ser uma das sedes da Copa do Mundo/2014. O referido estádio é localizado em uma região central da cidade, causando impacto em boa parte do trânsito.

Como já mencionado anteriormente, os elementos que compõem um projeto de letramento (OLIVEIRA, 2010, p. 341) nos indica um ciclo de ações e concepções que caracterizam essa prática, uma delas é a ideia de que o projeto “nasce” a partir de um problema social. Desta forma, consideramos a postura do professor para identificação do problema como um ponto chave, pois o mesmo deve atuar como “professor-reflexivo-pesquisador”, um intelectual crítico, isto é

Um profissional que participa ativamente no esforço por desvelar o oculto, por desentranhar a origem histórica e social do que se apresenta a nós como “natural”, por conseguir captar e mostrar os processos pelos quais a prática de ensino atrapalha-se em pretensões, relações e experiências de duvidoso valor educativo. O intelectual crítico está preocupado pela captação e potenciação dos aspectos de sua prática profissional que conservam uma possibilidade de ação educativamente valiosa (GHEDIN, 2002, p. 140).

A postura como professor reflexivo, um intelectual crítico, é fundamental dentro do projeto de letramento, pois a reflexão não ocorre apenas por fatores que ocorrem dentro da sala de aula, mas inclui aspectos e acontecimentos extraescolares que reflete, seja de modo positivo ou negativo, fatores contextuais que podem e devem ser considerados pelo educador a fim de contribuir na aprendizagem dos seus alunos.

Neste caso, a observação quanto ao atraso dos alunos e suas razões extra- escolares fomentou a discussão com os discentes a respeito de suas causas e por conseguinte, gerou a construção do projeto de letramento em matemática. A mobilidade urbana ocasionou o aumento de engarrafamentos tanto em Natal como em outras capitais do Brasil devido as obras para a Copa do mundo, tais obras abrangeram as principais vias da cidade no entorno do Arena das Dunas, estádio que sediou os jogos da Copa em 2014 e que se situa numa região central da capital. A aluna, ao tentar explicar o motivo de seu atraso ao chegar à escola, justificou que essas obras tornaram o tráfego lento.

A mobilidade que ocasionou o trânsito e, consequentemente, o atraso da maior parte dos alunos da turma foi identificado como um problema social. Esta situação real foi debatida com a turma a fim de evidenciar as principais causas e possíveis soluções para o problema do atraso dos estudantes. A partir dessa discussão refletimos, baseados nos estudos do letramento e planejamos o projeto a

ser descrito a seguir, com foco no desenvolvimento da leitura e escrita tanto no que concerne a língua materna quanto a linguagem matemática.

No decorrer do projeto realizamos várias ações, tais como: produção de poemas sobre o trânsito, invasão poética para recital de poemas em outras turmas e ambientes da escola; palestra de educação no trânsito, proferida por funcionários do Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Norte - DETRAN/RN; discussão sobre as mudanças na paisagem da cidade, criação de cartilhas educativas e outras. Todas essas ações foram pensadas em conjunto com os alunos com o objetivo dos mesmos colaborarem naquilo que, para eles, pode contribuir no processo temporário de mobilidade urbana: a educação e orientação de trânsito aos amigos e familiares. Pois, aos serem questionados sobre a forma que os mesmos poderiam colaborar com essa questão levantou-se a discussão sobre Educação no trânsito.

A participação dos discentes no que concerne as várias possibilidades para colaborar na resolução de uma problemática caracteriza-se como a abordagem colaborativa do projeto de letramento (OLIVEIRA, 2010, p. 341). É exatamente o que ocorreu em nossa turma, os alunos reconheceram que mesmo sendo crianças, dentro de suas realidades poderiam colaborar para a problemática da mobilidade urbana e suas consequências, como o trânsito, e de que forma isso seria feito? Através da educação e instrução.

As aulas do projeto do 3º ano foram organizadas por meio de sequências didáticas, que eram planejadas semanalmente levando em consideração os conteúdos interdisciplinares que se relacionavam com o tema. Nas sequências didáticas, apresentávamos o objetivo25 da aula de cada área de conhecimento e os

procedimentos metodológicos explicitavam de que modo os objetivos seriam desenvolvidos. Nesse planejamento, registrávamos as problematizações iniciais, pois as aulas eram conduzidas a partir de questionamentos, possibilitando que os alunos participassem se posicionassem e discutissem sobre o tema. A organização semanal das sequências era temporária, pois no decorrer da semana, a partir dos acontecimentos das aulas, elas eram modificadas e/ou melhoradas a fim de proporcionar uma aprendizagem com sentido aos alunos e que os mesmos se

25 Os objetivos de cada sequência didática foram estabelecidos de acordo com o Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa e retirados do documento “Elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo básico de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do ensino fundamental” (BRASIL, 2012a).

tornassem participantes ativos das aulas. Ou seja, tínhamos algo planejado e organizado para as aulas, os acontecimentos não ocorriam aleatoriamente, mas apenas aquilo que decorria de estímulos vindos dos estudantes é que, geralmente, eram pensados para aulas seguintes. A figura 126 (OLIVEIRA, 2010, p. 341)

apresentada anteriormente nesta dissertação demonstra os aspectos relacionados ao projeto de letramento, inclusive ressalta essa flexibilidade no planejamento ao tratar o currículo como dinâmico. A partir da análise da figura, relacionamos a teoria do projeto de letramento com as especificidades do nosso projeto, desenvolvido na turma do terceiro ano e construímos a figura abaixo. Vejamos

Figura 9 - Projeto de letramento na turma do 3º ano da Escola Estadual Santos Rocha

Fonte: Nossa autoria, baseado na figura 1 (OLIVEIRA, 2010, p.341)

Cada aspecto apresentado na figura acima foi por nós analisado, refletido e considerado de modo que procuramos inclui-los como pontos-chave em nosso planejamento, no momento da aula e também em nossa reflexão e registro pós-aula. A transposição teórica para nosso cotidiano escolar se deu de modo processual, pois cada acontecimento era avaliado dentro da perspectiva do letramento de forma que ia se enquadrando dentro de algum aspecto privilegiado por essa teoria.

4.3 Ação e reflexão - Diário reflexivo da professora-pesquisadora – Projeto de