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3. A PESQUISA

3.7. Análise das narrativas

3.7.2 A escolha da profissão / escolha da área

3.7.2 A escolha da profissão / escolha da área

A escolha de uma profissão, de acordo com Pimenta (2005), assim como a

formação de uma identidade profissional e, mais especificamente no caso da

educação, pode estar atrelada às vivências sociais e profissionais de um determinado

sujeito, por isso, o autor acredita que ela não surge do acaso, mas sim como um

processo que se constrói das e nas relações sociais.

Pesquisa piloto

No questionário aplicado na pesquisa piloto não foram contempladas questões

acerca da escolha da profissão e área, mas somente sobre a entrada no curso de

licenciatura, motivo pelo qual, deixamos de apresentar tal análise neste bloco.

Pesquisa final

Quando observam a formação inicial como o início da formação da identidade

docente, Mizukami e Reali (2002, p. 124) admitem que no caso do professor, a

formação inicial é

[...] rotineiramente considerada uma ponte ritual entre o mundo do

aluno e o mundo do professor, período em que a prática do ser

professor é inicialmente informada pelas teorias educacionais e

ocasião em que a metamorfose entre o papel de ser professor e de

aluno começa a ocorrer.

Em se tratando do ambiente social descrito por Pimenta (2005) e as relações

entre o mundo do aluno e do professor apresentadas pelas autoras no excerto, é

possível perceber que a escolha pela profissão docente advém de várias

possibilidades, como no caso das convivências com pessoas da mesma profissão em

casa ou em outras instituições sociais, como no caso da sala de aula e da escola,

onde alunos e professores vivenciam experiências educativas diariamente.

No caso da narrativa que se segue, nos parece que houve muitos fatores que

contribuíram para a sua inserção no mundo da educação:

Minha mãe era professora e eu vivia na escola, por isso iniciei o curso

de Magistério e o de Técnico em contabilidade. Os três anos

estudando dessa forma, mas o quarto ano eu fiz apenas o magistério

e foi ali que eu tive a certeza de que eu queria ser professora, embora

ao longo da vida eu já tinha a influência da minha mãe e das minhas

irmãs que eram professoras. Eu via que financeiramente isso era

seguro, pois em algumas famílias eu percebia uma certa instabilidade

na vida financeira, enquanto que em casa a gente tinha maior

segurança devido à profissão da minha mãe e das minhas irmãs. Isso

me chamava a atenção, mas também era pelo gosto, pois no

magistério eu tive a certeza de que eu queria mesmo ser professora

(E.C.C).

Ao que relata a autora da narrativa, as influências pela profissão docente

vieram principalmente da sua família, onde mãe e irmãs eram professoras, pela

segurança financeira que isso trouxera e pelo próprio gosto que ela julga ter adquirido

durante o curso de Magistério, embora seus relatos anteriores demonstrem que antes

mesmo da sua formação docente – o Magistério, a mesma já possuía uma caminhada

em direção à profissão escolhida.

Se por um lado a estabilidade financeira também pudesse funcionar como um

“chamariz” para a docência, é necessário compreender o nível de vida e os aspectos

sociais e geográficos em que essa família estava inserida, pois pelo que conta a

entrevistada, eram moradoras de um pequeno distrito no interior do Paraná e, no

entanto, estudos como os de Moreira et al (2010, p. 908-909 – grifo nosso)

demonstrarem que na atualidade tem se observado “que aumenta o nível de

insatisfação da maioria dos componentes da qualidade de vida no trabalho,

excetuando-se os componentes remuneração e compensação e integração social na

organização do trabalho”, quando se referem à atividade docente.

Ainda sobre a escolha da profissão docente se dar numa perspectiva de

segurança profissional e financeira, Feitosa (2013, p. 248), ao publicar uma pesquisa

realizada com acadêmicos do curso de licenciatura em física, explicita que

Observa-se, acima, um exemplo claro do que se quer dizer. O aluno

evoca, em sua resposta, primeiramente, o gosto pelo exercício da

docência. A atividade em si é carregada de sentido para ele; mas, isso

não impede que ele tenha pretensões de “ganhar dinheiro”; afinal,

exercerá uma atividade profissional remunerada, o que aparece como

motivo secundário na mobilização. Em outras palavras, o licenciando

afirma: “sinto prazer em exercer a licenciatura e, a partir disto, posso

ganhar dinheiro”.

É sabido que estamos vivendo um momento de arrocho em investimentos

públicos, redução de gastos e despesas nas mais diversas áreas. Talvez essa

expectativa profissional de se tornar professor para alcançar a estabilidade e melhores

ganhos apresentada por E.C.C. e por parte dos entrevistados de Feitosa (2013) tenha

como pressuposto o importante papel que o professor desempenhou e ainda continua

desempenhando, assim como a valorização que em outros tempos, talvez tenha tido,

embora para Piconez (1991), assim como para Gatti (2013-2014), o cenário atual seja

de desvalorização e de baixos salários.

Para Valle (2006), o processo da escolha pela profissão é influenciado no

âmbito social, por todo o capital cultural que o aluno adquiriu ao das suas trajetórias –

vivências e formação; pela presença e relevância da família para o indivíduo, quando

esta delimita as suas perspectivas profissionais e de vida; e pela própria escola, que

também participa dessa delimitação, fornecendo informações e conhecimentos

referentes às diversas carreiras possíveis, além de esclarecer dúvidas e problemas

que os alunos têm ao tomar sua decisão.

No caso de L.B.P.S. a influência segue por algumas vias parecidas às narradas

por E.C.C., como da sua professora de Educação Física:

A escolha de ser professora eu acho que estava no meu sangue, pois

desde pequena eu já gostava de dar aulinhas para os meus irmãos e

para as minhas primas mais novas, eu sempre tive satisfação com

isso, agora cursar a licenciatura foi influência das professoras que me

marcaram, eu sempre tive muita facilidade nos esportes, eu também

adorava história, gostava muito daqueles mapas, mas como eu me

tornei atleta... a professora de Educação Física observou os meus

talentos né, então eu acabei indo mais para a Educação Física por eu

já estar dentro do esporte (L.B.P.S.).

Ao que relata a entrevistada, a escolha pela docência enquanto jogos infantis

parece ser uma presença na vida de muitas crianças. O gosto de ensinar vem das

fases mais tenras, quando ainda brincava de faz de conta, de forma lúdica, imitando

os adultos, justamente porque, talvez, já houvera se encantado com a sua professora

ou outras quaisquer (PIVETA; ISAIA, 2008).

O fato de ter se tornado atleta, pode ter influenciado o gosto pela área, mas

certamente, a aprendizagem e construção da profissão docente provavelmente tenha

se desenvolvido enquanto identidade, por conta das relações que L.B.P.S. possuía

com sua professora.

Em pesquisa realizada por Piveta e Isaia (2008, p. 255), as autoras observaram

que

[...] o saber fazer docente se faz no cotidiano e seu aprendizado

consolida-se na interação professor-professor e professor-aluno

mediado pela atitude reflexiva [e, no entanto], A aprendizagem

docente através da prática também pode ser evidenciada na relação

e na participação do aluno no processo de ensinar e aprender.

Nesse caso, mais especificamente de L.B.P.S., as brincadeiras da infância, a

inserção na atividade esportiva, tornar-se esportista e ainda a convivência com a

professora de Educação Física, a qual a iniciou no esporte e a incentivou a

permanecer na área, foi contribuindo, inclusive, para a formação de uma identidade

profissional, o que levou a aluna ao curso de licenciatura em Educação Física, área

essa que mais se identifica com a atividade que durante algum tempo a mesma

desenvolveu como atleta.

As experiências aqui demonstradas, embora possuem suas peculiaridades,

são advindas de momentos vividos durante a infância, por influências do meio familiar

e profissional, como no caso de F.F., a qual recebeu, desde criança bem pequena, as

influências da sua família, onde alguns membros eram professores:

Em se tratando da minha trajetória de formação, eu fiz o ensino médio

magistério, já era um caminho para o curso de licenciatura. Na minha

vida pessoal, eu venho de uma família de vários professores, então eu

acredito que sofri essa influência da minha família. Mas assim... eu

sempre gostei muito, não sei se é porque eu cresci entre mãe e tias

professoras, né, então, eu sofri essa influência que era algo prazeroso,

que eu gostava muito. Como eu já havia feito o magistério e já atuava

na educação infantil, eu resolvi fazer Letras. A princípio eu queria

somente português, mas acabei sendo levada por outras pessoas a

fazer português inglês, porque o inglês abre mercado e é uma

segunda língua (F.F).

Apesar de F.F. estar convencida de que “sempre gostou muito” da profissão

docente, deixa bastante claro que recebeu influências familiares pelo fato de sempre

ter convivido em meio a professores e também de outras externas, que inclusive, a

ajudaram a definir a área de atuação.

A família, assim como outras instituições possui um papel decisivo na vida dos

jovens – principalmente, quando da escolha da profissão a seguir. Em alguns casos,

os pais tentam transferir para os filhos a responsabilidade de realizar os sonhos que,

por alguma razão, os mesmos não deram conta de concretizar e, em função disso, as

pressões podem ser muitas, desde quando a criança ainda é bem pequena

(CUSCHNIR; MARDEGAN JR, 2001).

Para Santos (2005, p. 57),

Muitos fatores influem na escolha de uma profissão, de características

individuais a convicções políticas e religiosas, valores e crenças,

situação político-econômica do país, a família e os pares. A literatura

aponta a família como um dos principais fatores que ajudam ou

dificultam no momento da escolha e na decisão do jovem como um

dos fatores de transformação da própria família.

Ao que demonstram os autores citados no contexto das influências

profissionais, há que compreendermos a escolha pela profissão como sendo um

processo que pode ser construído ao longo da vida, principalmente durante a

educação básica e, no entanto, não se revela de forma isolada, pois recebe influência

de fatores externos e internos, como no caso da família e de outros elementos

culturais.

Se alguns professores escolhem a docência devido às influências que recebem

de seus familiares e no caso de F.F. e E.C.C., professores, apesar de alguns não

possuírem esses profissionais em seu círculo de convívio familiar, nos parece que em

algum momento da vida, houve uma admiração pela docência e um certo conforto em

seguir os bons exemplos encontrados, como demonstra o entrevistado:

Eu tive uma passagem pelo colégio Platão, eu tinha uma admiração

porque eu via as aulas deles [os professores] e eu falava: nossa que

aula bacana, explica bem pra caramba né e... depois que eu entrei na

faculdade em Mandaguari eu pensei: eu acho que eu posso dar uma

aula igual aquele pessoal lá, igual ou melhor, ou me aproximar. Até

hoje eu estou tentando me aproximar, ainda não cheguei lá.

Na universidade eu tinha uma professora que dava aula bacana, que

explicava muito bem e também tinha a disciplina de didática que

ajudava a gente a dar a aula, a explicar e isso foi me fazendo tomar

gosto pela coisa (M.C.C.).

A decisão de se tornar um profissional tão bom quanto alguém que admiramos

é, sobretudo, devido à admiração e o significado que tal pessoa tem em nossas vidas,

ainda que não seja por meio de uma convivência totalmente efetiva, mas sim por

alguns momentos marcantes. Nesse sentido Silva (2005, p. 59) observa que, por mais

que a família seja “considerada importante no momento da escolha, contudo o jovem

não baseia sua decisão apenas nos familiares. Ele é influenciado pelos pares, que

são os ‘outros’ significativos na sua vida”, como no caso de M.C.C. que foi “levado”

pela admiração que tinha por professores que atuavam em um sistema de ensino, do

qual havia sido aluno.