• Nenhum resultado encontrado

3. A PESQUISA

3.7. Análise das narrativas

3.7.5 As aprendizagens e sucessos no início da docência

Para Mizukami (2013), o início da docência é tanto carregado por tensões,

como por aprendizagens. Por isso, os professores, ao mesmo tempo em que

enfrentam uma série de dificuldades ao lidar com as questões pedagógicas e

humanas, vão transformando as suas atuações e acrescentando aos conhecimentos

já admitidos, outros novos.

Pesquisa piloto

Conforme já discutido em várias etapas desse trabalho, a profissão docente

pode se dar devido à observação que fazemos dos nossos professores. A forma como

ensinamos pode servir de “espelho” para os nossos alunos. Assim, muitos dos que

passam nas nossas vidas, enquanto professores, poderão optar pela mesma

profissão e, em especial, à mesma área que atuamos, conforme percebemos na

narrativa da professora M.C., quando seguiu na área de Língua Portuguesa, devido a

admiração que tinha pelo seu antigo mestre.

As afinidades que M.A.S.P. desenvolveu com os alunos durante os anos Finais

do ensino Fundamental e o Ensino Médio, assim como a forma como ensinava o

conteúdo e os incentivavam a aprendê-lo, pode ter sido propulsor para que este

seguisse a mesma profissão e a mesma área de conhecimento, conforme narra:

Ver um aluno que trabalhei da 5ª série ao 3º ano do Ensino médio

aprovado em História na UEM. Foi um enorme sucesso, satisfatório,

ver o resultado do meu trabalho! (M.A.S.P.).

No caso narrado, o sucesso do aluno ao adentrar ao ensino superior no curso

de História se traduz como sucesso da professora e da instituição escolar. Apesar de

as pesquisas, assim como os meios de notícias indicarem certa ineficácia à escola

pública, a narrativa apresentada por M.A.S.P. evidência uma situação, mesmo que

pouco típica, de sucesso escolar.

De acordo com Menezes (2009, p. 201), isso se deve ao poder transformador

da educação, pois ela pode ser vista

[...] como processo abrangente, vital e transformador, iniciado na

família, vivenciado ao longo da vida em diferentes grupos e situações

não formais, concomitantemente àquelas oferecidas em instituições

de ensino, tem como finalidade o desenvolvimento pleno das

potencialidades de todas as pessoas.

Esse desenvolvimento de que trata o excerto, nos remete tanto ao aluno quanto

ao professor, uma vez que ambos são sujeitos da ação pedagógica. O primeiro se

desenvolve nas suas ações didático e pedagógicas e o segundo nas suas

potencialidades que são o meio da ascensão social, sua inserção no mundo do

trabalho e, neste caso, no ensino superior e provavelmente na profissão docente.

Pesquisa final

De acordo com Tardif (2010), as dificuldades que os professores encontram no

início da carreira são muitas, dizem respeito ao ensino do conteúdo e às relações

sociais com os alunos, as escola e os demais profissionais. Costa e Oliveira (2007),

ao concordarem com Tardif (2010) sobre o início da docência, ressaltam que muitos

se evadem, por não conseguirem se realizar e construir uma identidade profissional.

As minhas primeiras aprendizagens nesse início de um universo

escolar que não era aquele que eu estava habituada que era a

educação infantil, foi mesmo o público diferente que eu estava

trabalhando, claro que com a prática docente a gente vai acostumando

e aprimorando, mas não era o público que eu estava acostumada

(F.F).

As vivências de F.F. como professora se resumiam aos espaços da educação

infantil, mas ao assumir o concurso dos anos finais e ensino médio, suas

necessidades se modificaram devido ao novo contexto. Esse aprimoramento

explicitado diz respeito às modificações que o professor vai fazendo ao longo das

novas experiências. São aprendizagens particulares de cada docente, capazes de

garantir a permanência nesse novo contexto e lidar com os problemas que vão

surgindo, administrando e resolvendo cada um deles.

Acerca das mudanças já explicitadas, Tancredi (2009, p.16), observa que elas,

Aos poucos, vão se adaptando – com mais ou menos sofrimento, mais

ou menos sabedoria, mais ou menos envolvimento – à profissão

escolhida e se tornando professores mais experientes e, espera-se,

bem-sucedidos. Com o passar do tempo, as necessidades de atuação

e formação são outras, embora não sejam as mesmas para cada

professor, visto que é preciso considerar as características e

conhecimentos pessoais e os contextos particulares e profissionais em

que vivem e atuam.

Nas observações que faz a autora no excerto, as questões relacionadas ao dia

a dia dos professores são pessoais, dependem dos conhecimentos que cada um traz

para a profissão, assim como dos contextos aos quais eles estão inseridos. As

necessidades são mutáveis, em detrimento das demandas sociais e suas

necessidades educativas, que ao longo da carreira tendem a também se modificarem,

como admite M.C.C. ao narrar que “a cada dia, quanto mais a gente estuda, mais fácil

vai ficando, a gente vai aprendendo a lidar com as dificuldades e vai vencendo”, ou

seja, a busca pelo conhecimento também é vista pelo participante como uma forma

de enfrentar os problemas que vão surgindo ao longo da carreira.

Para L.B.P.S. o professor aprende ao longo dos anos e, no entanto, a

experiência de anos ou décadas não esgota essa necessidade de aprender, assim é

preciso compreender as novas relações sociais que se estabelecem entre a sociedade

e a prática educativa:

Eu aprendi muito e aprendi que a gente tem que estar sempre

replanejando. Não dá para dizer assim que só porque eu tenho 30

anos de trabalho eu já aprendi tudo, eu acho que a gente aprende todo

dia, todo dia é um aluno, sempre apresenta um aluno que é um

desafio, não é verdade? (L.B.P.S.)

As trajetórias vivenciadas e explicitadas por L.B.P.S. no excerto, assim como

em outros momentos narrados, mostram as dificuldades que os professores em início

da docência enfrentam para vencer o que a entrevistada chama de “desafio”. As

precárias condições de trabalhos que encontram nas escolas quanto a espaços

adequados e materiais pedagógicos necessários para uma boa interação, aprender a

lidar com sua “clientela”, assim como construir metodologias que se adequem às

diversas realidades encontradas no dia a dia das salas de aula e das instituições de

ensino brasileiras, são alguns fatores que acabam por dificultar o trabalho docente e

criar alguns entraves, conforme admite:

[...] os professores enfrentam condições de materiais de trabalho muito

precárias, e têm que lidar com um cotidiano nas grandes cidades, onde

a violência deixa marcas cada vez mais preocupantes nas relações

interpessoais. Há que sobreviver nessas condições de trabalho, o que

consome grande parte das energias dos profissionais que, assim, não

encontram alento para experiências inovadoras (MONTEIRO, 2002, p.

136).

Nesse sentido, percebemos que o empenho do professor e a busca por

resolução dos conflitos que aparecem diariamente são uma constante durante a sua

trajetória profissional. A construção de novas aprendizagens e/ou novos saberes, de

acordo com a participante da pesquisa L.B.P.S. são por toda a vida, ou seja, o

professor não esgota suas necessidades de novos conhecimentos, mesmo com o

passar do tempo, ou seja, aprender enquanto ensina é uma atividade presente na

profissão docente.

Para Monteiro e Mizukami (2002), os saberes da docência não se resumem,

tão somente, aos saberes da especialidade do professor em sua formação, mas

ultrapassam tal campo e adentram aos conhecimentos do currículo, das relações e

práticas sociais, por isso a aprendizagem é constante, porque a sociedade é mutável,

as relações se diferenciam e os modos de vida se renovam e, no entanto, isso exige

inovações na e da escola.

Ao relatar a necessidade de aprender, J.A.G. destaca os conflitos da sala de

aula, o não querer aprender, a violência e a falta de apoio que os professores têm de

outras instituições como da própria Secretaria da Educação e da família, conforme

narra:

Gosto muito da disciplina que eu ministro, mas encontro muitas

dificuldades e desafios nessa minha atuação, primeiro por atuar numa

escola pública e de periferia, com muitos casos, assim, omissos de

pais, governo e núcleo de educação, que não dão muito suporte no

processo de ensino e aprendizagem, então dentro de sala de aula

temos vários alunos que, infelizmente, devido a muitos fracassos

advindo da sociedade, culminam na escola pondo toda a culpabilidade

no processo de educação. Às vezes esses alunos não querem

estudar, às vezes estão agressivos e o professor acaba contornando

tudo isso, por meio da conversa, mas infelizmente de dez casos a

gente consegue um ou dois que voltam a ter interesse, o restante não

vê necessidade do ensino (J.A.G.).

De acordo com a narrativa do excerto, há vários problemas que refletem no dia

a dia da escola e na sala de aula, tanto os de gestão quanto os sociais. Os alunos

parecem não reconhecer a função social da escola – talvez por não saberem que ela

é uma instituição emancipadora, libertadora, e transformadora, e, por isso, trazem

para esse espaço os conflitos vivenciados nos espaços de convivência social, como

família, bairro, ruas, etc., práticas como o desinteresse e a violência e, de certa forma,

isso influencia nos problemas que os professores vem relatando ao longo dessa e de

outras pesquisas: necessidades de aprendizagens, dificuldades nas relações sociais

escolares, traumas e perda da autoestima.

Para Yong (2007), há na contemporaneidade uma visão um tanto quanto

confusa sobre o papel da escola, principalmente por aqueles que fazem uso dela. De

acordo com o autor, o papel da escola é a transmissão do conhecimento científico

organizado, sistematizado e poderoso. Esse conhecimento ao qual ele denota de

“poderoso” só pode ser ministrado na escola e pelo professor, é o conhecimento capaz

de transformar o sujeito em cidadão, de tirar a ignorância e construir a igualdade, mas,

no entanto, os conflitos muitas vezes são impeditivos de que esses níveis sejam

alcançados. Ou seja, por conta de questões que não deveriam fazer parte do dia a dia

da escola, muitas vezes se perde a verdadeira função – ensinar.

As dificuldades em se manter na docência nos parecem ser muitas, estão

ligadas às relações sociais, às metodologias, à organização curricular e às

ferramentas pedagógicas/materiais que os professores utilizam, embora ao longo da

vida profissional, esses atores demonstram conseguirem vencer os desafios e

desenvolver práticas pedagógicas diariamente, se não da melhor forma, ainda que

com muitas fragilidades, dentro das condições que lhes são favorecidas – com

precariedade. As dificuldades permanecem ao longo da vida profissional, mas elas

mudam, conforme passamos a analisar no próximo tópico.