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APRENDIZAGENS 93 6.1 As vozes dos jovens entrelaçadas a outras vozes

7 CONCLUSÃO 139 REFERÊNCIAS

2.2 A escrita como produtora de sentido

Acredito que as questões metodológicas iniciaram no momento em que eu comecei a questionar porque os jovens mantinham um vínculo frágil com a escola e ficavam em uma situação de abandono escolar. Esse momento foi o início de uma pesquisa que foi se desenrolando com outras perguntas, novos conhecimentos em um movimento espiral que parece não ter fim. Ao me questionar sobre esses jovens, também pensava no meu ensino médio e na relação frágil que mantive com a escola.

Tentar compreender a situação de abandono em que os jovens se encontram e a relação deles com o saber/aprender, através de uma metodologia que permite dar voz aos jovens e que mantém uma relação dialógica de interação com eles, leva-nos a estar em constante confronto de visões de mundo, de valores e a uma incessante busca por novos conhecimentos. A partir dessa concepção de uma metodologia dialógica, de interação e construção de conhecimento, acreditamos que a contribuição que trouxemos foi resultado de um estudo de um processo coletivo.

Também está ligada a essa concepção a forma de escrita que trazemos ao tentar colocar no papel essa construção: a narração reflexiva. Segundo Colombo (2005, p. 283) “o narrador reflexivo introduz nos próprios textos a reflexividade. Trata-se de um tipo de escrita em que os discursos na primeira pessoa e na terceira pessoa se alternam, de modo a iluminarem-se reciprocamente”. Como explicamos anteriormente, o debate crítico sobre as concepções da pesquisa qualitativa iniciou nas décadas de 1960 e 1970. De acordo com Colombo (2005), esse momento é o princípio da tomada de consciência de que o ato de escrever não é inocente. Assumimos, desse modo, que a nossa escrita está carregada de uma ideologia, de valores, crenças que nos constituíram ao longo de nossa trajetória. A escrita dessa dissertação é um momento de produção do enunciado e a forma de escrita vai construir apenas uma forma de ver a realidade pesquisada. Esta pesquisa está situada num tempo vivido nessa época pelos jovens, por mim, pela minha orientadora, pelo grupo que compartilho as reflexões, os quais todos são sujeitos históricos. Também é construída e sustentada pelas leituras, teorias, pensamentos de outros investigadores que me antecederam, cujas leituras tenho acesso. Esta pesquisa é também um olhar para uma realidade multifacetada: a escola e os sujeitos. Para Colombo (2005),

Descrever – escrever de uma experiência particular de observação – não aparece mais como um ato transparente, mas comporta sempre o trans- crever – interpretar um sistema simbólico dentro de um outro sistema simbólico – e o re-escrever – interpretar um texto com um outro texto (COLOMBO, 2005, p. 268).

Sobre a escrita dos resultados de uma pesquisa empírica, Colombo (2005) destaca três diferentes tendências dessa escrita: a narração realista, a narração processual e a narração reflexiva. A intenção do autor não é colocar uma escrita como melhor em relação às outras, mas demonstrar que, ao assumir a escolha por uma escrita, estamos também assumindo uma escrita que faz parte de uma produção de um discurso científico.

No processo de narração realista, segundo Colombo (2005), o pesquisador tenta não aparecer. Concebe a observação como uma descrição real dos fatos e sem a intervenção do pesquisador, que fica distante. A linguagem científica é baseada em fatos, busca a transparência e a objetividade. Essa forma de escrita exclui a ficção, a retórica e a subjetividade. Não aparece a subjetividade nem do

pesquisador e nem do pesquisado. O discurso é na terceira pessoa, sem aparecer a voz do autor para que a pesquisa tenha confiabilidade. Não aparece ao final da pesquisa os percalços, problemas ou sucessos ocorridos durante o percorrer da pesquisa, eles são omitidos. Os indivíduos aparecem no final do relato como representantes de uma categoria geral. Não são percebidos pelo pesquisador como sujeitos históricos. O rigor metodológico restringe-se a exposição das técnicas. A estrutura final desse tipo de escrita é padronizada, mas não rigidamente imutável. Concebe-se um sujeito a-histórico e como representante de um grupo amplo. Sobre isso, Colombo (2005) escreve que:

Isto cria uma atmosfera privada de dimensão temporal que consiste em apresentar os sujeitos como dependentes de uma dimensão eterna: desligados da condição particular e historicamente situada do momento da observação, representantes de uma tipicidade ideal, atemporal. O resultado final é aquele de uma fotografia: uma imagem congelada caracterizada pela estabilidade e ordem, onde movimento e mudança estão ausentes (COLOMBO, 2005, p. 271).

Por outro lado, a narração processual, segundo Colombo (2005), é aquela em que o pesquisador faz parte do processo de pesquisa e observa os acontecimentos linearmente, não de fora da pesquisa, mas na direção do centro. As narrações são em primeira pessoa do singular. O pesquisador dá ênfase às experiências que ocorreram com ele no campo de pesquisa. O diálogo é uma das formas mais utilizadas da narrativa processual. Outra forma é o uso do diário e de um texto cooperativo.

De um lado encontramos a descrição realista que valoriza a regra, padrões que se repetem. O que não é estável e recorrente não é considerado. Do outro lado, encontra-se a narração processual que valoriza o não consistente, o que é a exceção.

As narrações processuais utilizam a primeira pessoa do singular. O autor fala de si, das emoções, dos seus erros, das suas preferências, buscando estabelecer uma relação direta com o leitor; um clima de intimidade que se propõe a criar uma atmosfera de cumplicidade e de empatia. [...] Falar de si e das próprias fragilidades, apresentar-se com autocrítica, ironia, renunciar ao tom frio e distanciado de perito, quer estimular o leitor a se sentir o pesquisador como seu semelhante e a identificar-se com ele (COLOMBO, 2005, p. 276).

De acordo com Colombo (2005), a narrativa processual nasce em oposição à narrativa realista. Dessa forma, corre-se o risco de dar ênfase a distinção em relação

a outra escrita, a cometer exageros esquecendo o objeto de pesquisa e colocando demasiadamente a introspecção e a experiência. Também, há o risco de o pesquisador acreditar que “nada existe além da experiência que o pesquisador cumpre” (COLOMBO, 2005, p. 281). Nos textos cooperativos, a voz do autor fica disfarçada na voz dos outros, na esperança de ficar com diferentes vozes.

Por fim, a narração reflexiva coloca a reflexividade no texto. É uma escrita em que são usadas a primeira e terceira pessoa alternando-se entre si. O escritor reflexivo tem a consciência de que não existe neutralidade, porém, não mede esforços para tentar apresentar uma descrição e análise a mais leal e documentada das relações e dos acontecimentos, que foram percebidos e até mesmo algumas vezes construídos pelo pesquisador. O pesquisador não esconde os obstáculos, reflete sobre os erros, escreve sobre como é construído o trabalho, os dados e as observações, apontando as concepções teóricas e questões que orientam a pesquisa (COLOMBO, 2005).

Exatamente este caráter de reflexividade, entendido como capacidade de tornar consciente e visível o processo de construção interno de cada pesquisa e de explicitar a posição que o observador assume no campo de observação, distingue substancialmente o conhecimento científico do senso comum (MELUCCI, 1996 apud COLOMBO, 2005, p. 283).

O narrador reflexivo tenta trazer a legalidade da pesquisa, mas sempre com a consciência de que é um discurso de uma posição, parcial, de um olhar. Rejeita uma consciência que pense que as interpretações realizadas pelo pesquisador são únicas e verdadeiras, porém essas interpretações estarão embasadas em um conhecimento. Nessa forma de escrita, o autor escreve na primeira pessoa do singular, colocando-se no texto, mas também utiliza a terceira pessoa distanciando- se para analisá-lo com base nas referências e metodologias.

O comprometimento ético no qual tem origem a narração reflexiva, segundo Colombo (2005), está em:

[...] aceitar que a escrita científica não constituiu uma dentre tantas histórias que se podem narrar sobre o mundo, história que não é nem melhor, nem pior do que outras, mas que constitui, portanto, de qualquer forma, um modo (socialmente interessante) de olhar o (construir o) mundo, que constitui um vocabulário particular que nos permite descrever (em outro modo) e de dar sentido (parcial e peculiar) àquilo que vivemos (COLOMBO, 2005, p. 288).

Ao descrever esses três tipos de escrita não temos a intenção de desconsiderar as outras, mas de trazer o conhecimento das diferentes formas e de afirmar a liberdade para escolher ou tentar buscar a nossa forma de escrita. Nesta dissertação o exercício constante foi o de construir uma narração reflexiva. Saber que um discurso científico pode ser construído em primeira pessoa do singular de algum modo me tranquilizou porque havia escutado muitas vezes, durante minha graduação, que um discurso para ser científico deve ser escrito sempre com imparcialidade e na terceira pessoa. Entendo, portanto, a partir de Colombo (2005) que em alguns momentos é possível assumir-se como sujeito da escrita, como sujeito que pensa e produz conhecimento, mas que se ancora e considera outros sujeitos, outras formas de pensamento. Desse modo, considerando as reflexões e diálogos com a orientadora, equipe de pesquisa e com os sujeitos da pesquisa, em alguns momentos a terceira pessoa está presente no texto com sentido de articular meus conhecimentos implícitos com aqueles produzidos nas interlocuções com os sujeitos e com o grupo de pesquisa e, ainda, com aqueles produzidos a partir das leituras que deram o substrato teórico para as análises.

Apesar disso, percebo ainda, na minha escrita, certa “dureza”, que acredito ser fruto de um ensino reprodutor. Na minha história escolar, não me recordo de produzir textos refletindo sobre algum assunto; minhas memórias são de fazer resumos de textos para serem entregues ao professor. Porém, lembro que não sabia fazer resumos (os professores pedem um gênero textual sem explicar suas características), então, eu os fazia retirando alguns parágrafos. Isso tudo, creio, faz com que tenha que tornar a escrita um exercício constante como forma de aprimoramento.