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A especificidade da associação sindical (decorrente de sua condição de

Capítulo I. Teoria da Ação Sindical

3. A especificidade da associação sindical (decorrente de sua condição de

As análises de Alessandro Pizzorno sobre a questão sindical não se limitaram ao esforço da aplicação de uma teoria da ação coletiva sobre o coletivo de trabalhadores. Em seu texto clássico Political Exchange and Collective Identity in Industrial Conflict (Pizzorno, 1978), Pizzorno examina a questão sindical num segundo nível de análise ao procurar discutir o papel da instituição sindical como mediadora de interesses dos trabalhadores na relação entre eles e o patronato, constituindo-se como um terceiro elemento dotado, ele próprio de interesses.

Pizzorno analisou os mecanismos de troca existentes no mercado político da ação coletiva trabalhista mostrando como os fatores políticos influenciam nas tomadas de decisão e na própria constituição da coletividade de trabalhadores e dos sindicatos.

Relacionados ao mercado de trabalho, existem, segundo Pizzorno, três tipos de “trocas”. No primeiro nível, o “individual exchange”, os indivíduos agem de forma isolada oferecendo aos empregadores esforços, que se traduzirão em produtividade, em troca de ganhos individuais como, por exemplo, promoções. Num segundo nível de trocas, os trabalhadores não agem mais de maneira isolada e buscam, a partir da coletividade, garantir benefícios coletivos como, por exemplo, melhores condições de trabalho e aumentos

salariais. Em troca desses benefícios, os trabalhadores como coletividade garantem através da entidade sindical a continuidade do trabalho.

Em oposição aos que acreditam que as trocas principais envolvidas nas relações trabalhistas são limitadas a essas aqui apresentadas, Pizzorno afirma a existência de um terceiro nível de trocas, o nível do “mercado político”, no qual os ganhos são obtidos em troca de fatores políticos. Entre esses, o mais importante seria o consenso ou apoio à ordem social, o que no caso das relações trabalhistas, traduz-se por cooperação tácita do sujeito coletivo “trabalhadores” com os princípios que regem a produção capitalista em troca de poder para a instituição sindical.

O mercado político é qualitativamente diverso da situação de barganha coletiva não apenas porque sua moeda de troca é o consenso social, mas também porque nele há a possibilidade de que outros atores possam concorrer com os sindicatos na mediação do consenso, o que não ocorre na barganha coletiva, na qual o sindicato é o único ator legitimamente reconhecido como mediador. Além disso, o poder de mercado no primeiro caso depende da necessidade de consenso e não da demanda por trabalho.

O sindicato, no mercado político, além de terceiro elemento nas relações trabalhistas e de constituir-se enquanto ator, no sentido de possuir interesses próprios, e exatamente por apresentar essas características, é mais do que mediador dos interesses dos trabalhadores passando a constituir-se como locus da estratégia entendida pelo autor como “uma sucessão de decisões intertemporais nas quais a ação recente é avaliada em termos de suas conseqüências para metas futuras” (Pizzorno,1978:281).

É função do sindicato identificar os interesses de seus membros e representá-los através de sua capacidade estratégica. Esses interesses, por sua vez, podem ser divididos em

dois tipos: interesses de curto prazo e interesses de longo prazo. Como resultado, toda a estratégia adotada deve levar em consideração não apenas os ganhos imediatos, mas deve perseguir as condições necessárias para garantir a possibilidade de ganhos futuros, o que se traduz por poder da entidade. Por sua vez, a adoção do tipo de estratégia que se direciona a garantir o poder da entidade, só se justifica quando há um certo grau de controle mínimo sobre as situações futuras.

Numa situação como essa onde há controle sobre estados futuros e, portanto, opta-se pelo incremento do poder da entidade, os sindicatos tendem a sub-explorar (under- exploitation) seu poder de mercado para obtenção de benefícios de curto prazo, como exemplo, aceitar ganhos salariais mais tímidos em prol da conquista de benefícios de longo prazo. Em outras palavras, quando há previsibilidade, a opção do sindicato tende a ser a moderação e, como conseqüência, obter-se-á o equilíbrio no mercado político.

Pizzorno introduz, a partir do tipo de diferenciação de interesses que propõe, uma nova maneira de entender as tensões entre a burocracia sindical e a base dos trabalhadores, compreendendo-as como resultado de uma disputa entre interesses de longo prazo e interesses de curto prazo, sendo os primeiros identificados com os interesses imediatos da entidade e os segundos com os interesses imediatos do coletivo de trabalhadores.

Dado o equilíbrio do mercado político garantido através da mediação do ator sindical, o que poderia explicar a ocorrência de desequilíbrios? Segundo Pizzorno, dois elementos podem ser apontados como fatores de desestabilização: o processo de formação de uma nova identidade e o fortalecimento do gap entre a interpretação dos interesses por parte do

sindicato e os interesses manifestos pelos membros, o que poderia levar a contestação da legitimidade da representação10.

Ambos os elementos introduzem incerteza com relação ao futuro e reduzem a unidade de ação. Segundo Pizzorno, a “moderação de demandas presentes como meio de perseguir objetivos futuros faz muito menos sentido quando a possibilidade de controle do curso futuro é baixa (no caso da formação de novas identidades ou mesmo alterações inesperadas de políticas governamentais) e a unidade de ação é pequena (no caso da formação de novos pólos de poder). Mais ainda, os representantes terão muito menos liberdade em interpretar os objetivos dos trabalhadores de base sendo controlados mais de perto por eles” (Pizzorno,1978:289). Essa seria a situação vivenciada nos momentos de desestabilização e acirramento de conflitos.

No entanto, essas tendências desestabilizantes são freqüentemente reabsorvidas pelos sindicatos num processo de reconhecimento de novas identidades coletivas que se tornam componentes de um novo sistema de representação. Esse processo se dá através da transformação de demandas universais dos novos sujeitos coletivos em demandas corporativas “levando o novo movimento a aceitar alguns componentes do sistema e assim o sistema como um todo” em troca do não isolamento que o levaria ao fracasso. Esse é o momento do retrocesso da onda conflitiva ou latência do conflito industrial e reestabilização da ordem social, cabe dizer, segundo a teoria pluralista, o momento ótimo das relações entre Capital e Trabalho.

10 Embora não fale de manipulação de interesses, cabe ressaltar que neste nível de análise, Pizzorno sustenta a idéia de que os interesses manifestos pelos trabalhadores podem não ser interpretados de maneira correta pela entidade que os representa.

A conclusão inevitável da análise de Pizzorno, neste caso, é que, embora possam existir lógicas e estratégias diferenciadas de ação coletiva, baseadas em questões identitárias ou apenas no cálculo racional-utilitarista, o movimento sindical tende inexoravelmente a estabilização do sistema dado pela latência do conflito, ou seja, pela moderação sindical. Práticas combativas como aquelas adotadas pelo “novo sindicalismo” no Brasil durante a década de 80, ou o caso das greves selvagens na Europa, nada mais são do que desequilíbrios do sistema tendendo à retomada da ação pragmática ou ao fracasso.

Embora admita sobrevida ao movimento sindical “ideológico”, diferenciando-se de Olson, Pizzorno supõe a impossibilidade do acirramento, ou mesmo manutenção, de níveis de conflito aberto a longo prazo. Nesse sentido, as estratégias sindicais que não visam a institucionalização do conflito, e sim que proponham a ação combativa/conflitiva como método estão, segundo o autor, inevitavelmente fadadas à moderação independente das

opções das lideranças, bem como das ações adotadas. Tal afirmação é um tanto fatalista e

determinista e pode ocultar outras causas para a dificuldade de mobilização, como por exemplo, a adesão do sindicato ou de suas lideranças a determinada concepção ideológica. Por outro lado, as considerações que Pizzorno faz sobre o fato de que a combatividade tende a ser superior em tempos de desestabilização e incerteza quanto ao futuro e que a institucionalização e adaptação ao sistema acabam por se conformar como tendências em tempos de certezas, pode iluminar a trajetória do movimento sindical nos últimos vinte e cinco anos caracterizado pelo aumento expressivo da participação institucional em detrimento da utilização de ações grevistas e mobilizações em geral.

4. O Sindicato como associação de classe ou fração de classe (a