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A esperança como ato de direção cognitiva

Somente quando o nadador também partilha a situação dada, nada para a liberdade e ama as águas profundas.

A Terra tem espaço para todos, ou melhor, teria, se fosse administrada com o poder do atendimento das necessidades, e não com o atendimento das necessidades do poder.

Tudo está tão certo como certo, porém, mesmo aqui, para o sonho de algo melhor, é preciso que uma vontade persiga o caminho dele.

Ernst Bloch (O princípio esperança II, 2006, p. 11, 12 e 27) Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos. Fernando Pessoa

A coruja de Minerva

Quando alça voo, ao entardecer, a coruja de Minerva leva respostas de inquietações que nos afligem e nos tiram o sono. Levou todo um dia para encontrar essas respostas, não importa que esse dia canalize existências e gerações se acumulem em seu desenrolar. Respostas chegam sempre de maneira tardia, mas não deixam de chegar e de trazer, não um mero lenitivo, mas algo que tangencia uma diretriz que possa dirimir as inquietações que surgem. Uma dessas inquietações é uma frase aparentemente simples: Eu sou. Trata-se de uma afirmação que não oculta uma interrogação: eu sou; mas, o que eu seria mesmo? Que caminhos devo tomar na escalada do próprio existir? Aliás, existem caminhos já traçados, rotas percorridas, trilhas abertas? Obviamente. Se existem, por que não percorrê-los e, sob a forma de um andarilho ou um navegador consciente dos rumos a tomar, superar os obstáculos necessários? Só que os caminhos ainda inexistem em grande parte do percurso, pelo simples fato de que, a exemplo de uns conhecidos versos do espanhol António Machado, são feitos ao caminhar1. Caminhemos, pois.

Portanto, eu sou, mas faço o meu caminho. Por isso tenho consciência de que eu não me possuo. Ainda. Juntas, as premissas Eu sou e Mas, eu não me possuo gestam uma

1

Caminante, son tus huellas / el camino, y nada más; / caminante, no hay camino, / se hace camino al andar. /

Al andar se hace camino, / y al volver la vista atrás / se ve la senda que nunca / se ha de volver a pisar. Fonte:

interessante conclusão: Por isso primeiro nos tornamos. Atrevamo-nos a um arcabouço lógico:

- Eu sou.

- Eu não me possuo.

- Logo, primeiro nos tornamos.

Para tornar tanto a mim quanto o mundo no qual habito naquilo que se faz essencial às expectativas singulares e plurais que envolvem o sujeito, imprescindível se faz movimentar todo o conjunto de engrenagens que dá impulsão às utopias, algo que também se sustenta em três indagações: O que posso saber? O que devo fazer? O que me é permitido esperar? A Coruja de Minerva traz as respostas – tardias, é verdade, por atravessar gerações, mas respostas que não se perdem na noite dos tempos, primeiro por atuarem ativamente no sujeito, termo utilizado pela segunda vez apenas neste parágrafo, cujo sentido indica alguém consciente e capaz de agir de forma autônoma, contrariamente àquele que se reduz à condição de objeto, exatamente por não ser dotado de consciência, de não ter a capacidade de agir e de, dolorosamente, ser manipulável. Assim, à medida que afluem as possibilidades de me reconhecer como elemento integrante no cenário do espetáculo do mundo, percebo que sou, mesmo que ainda não me possua e, portanto, encontro-me a caminho do me tornar.

O fermento que proporciona robustez a essa afirmação é a esperança, a qual, sob a forma de uma filosofia que se direciona para o não-ser-ainda, move as estruturas de uma hermenêutica do tempo, solidificada por uma ontologia do devir e da mudança. Mas, como se caracteriza uma ontologia assim? Trata-se de uma ontologia que se firma no devir e na mudança, em busca de um mais além de si, ramificada em categorias que expressam tópicos como a substância, a qualidade, a quantidade e a relação, além de mais alguns outros que trazem germinado o possível. Enfim, de uma enteléquia, termo precioso para o aristotelismo que traz a concepção da plenitude de um processo transformativo. Essa ontologia, consubstanciada na dialética entre passado e futuro, desfecha golpe dos mais potentes sobre o niilismo, vertente de pensamento incompatível com os princípios expressos pelos fundamentos da esperança. A raiz de todos os males que atingem o homem de hoje encontra- se exatamente no niilismo, assim aponta, de maneira tão enfática, Giovanni Reale (2002, p. 13).

Bloch assesta suas baterias contra essa doutrina porque não há forma de compatibilizá- la com a esperança e, consequentemente – acrescentamos –, muito menos com uma pedagogia

que busca a libertação do sujeito. Para o niilista, a esperança pode ser vista como uma ideia até mesmo encantadora, mas cujo propósito não passaria de um mero consolo sem realidade, fantasia das mais fúteis e desnecessária; enfim, uma mera projeção passional desprovida de fundamentação cognitiva. A libertação do sujeito também se molda na forma do pensamento de Marx e é nessa forma que Bloch despeja boa parte de sua concepção de mundo, percebe a esperança nas engrenagens do processo histórico em toda sua dinâmica e em todo seu fulgor. Essa libertação não pode estar atrelada à contemplação, caso esse termo seja visto da forma como o cotidiano o enquadra, ou seja, como o simples ato de ver algo, mas sob a ótica aristotélica há um enquadramento que ocasiona uma terna fusão de matizes, por tratar-se de uma atividade da alma que segue um princípio racional. Nesse caso, a contemplação estaria perfeitamente compatível aos princípios que não apenas alicerçam a libertação, mas a estende além dos horizontes perceptíveis no momento. Dessa forma, aí sim, se apresenta encravada como se fosse uma palafita, firme, robusta, mesmo sob as intempéries e as ameaças de um pântano. Contemplar primeiro, para libertar em seguida.

Marx, escreve Bloch, foi o primeiro a colocar no seu lugar o páthos da transformação, como o início de uma teoria que não se resigna a contemplar e explicar (2005, p. 19, vol. I, grifo do autor). Certamente contemplar, nesse contexto alertado por Bloch, e explicar somente não modificam superestruturas há muito enraizadas, o que faz da dialética materialista ferramenta indispensável para a implantação de uma práxis que proporciona a elevação do sonho diurno à realidade. Nesse caso, como também aponta Bloch, a divisão entre passado e futuro cai por terra: O futuro que ainda não veio a ser torna-se visível no passado; o passado vingado, herdado, mediado e plenificado torna-se visível no futuro (idem). Essa é uma característica primordial do pensamento de Marx:

A filosofia marxista, como aquela que finalmente se comporta de modo adequado frente ao devir e ao que está por surgir, conhece igualmente todo o passado em sua amplitude criativa, porque ela não conhece nenhum outro passado a não ser o ainda vivo, o ainda não liquidado. A filosofia marxista é a do futuro, portanto também a do futuro no passado. (Bloch, op. cit, p. 19- 20)

Espírito da utopia

Se a filosofia até então buscava compreender, a partir daí também deve passar a buscar engendrar os meios para modificar o mundo e, ao modificá-lo, permitir ao ser humano a

consciência da busca em plenitude. O otimismo estéril cede lugar à docta spes, a qual é a esperança traduzida na concepção dialético-materialista. E o que ainda não veio a ser – ou seja, A que ainda não se tornou A – assume uma dimensão que passa longe da doxa, termo grego que, na concepção de pensadores como Parmênides, denota ilusão, engano, superficialidade. Consciente de que não deve se deixar levar pelo canto de sereia da doxa, a esperança, concretizada pela docta spes, aponta a historicidade do ser humano como elemento norteador de sua realidade. Ao analisar a sociedade capitalista, Marx remonta a evolução dos modos de produção, desde a sociedade comunista primitiva, recuperando, dessa forma, a percepção do tempo como história. Somos, portanto, sujeitos históricos passíveis de mudança. Eu sou, mas ainda não me possuo. Por isso, primeiro nos tornamos. Essa é a chave para que se possa entender O espírito da utopia, a primeira obra de porte alentado de Bloch, escrita muitos anos antes de O princípio esperança. Nela, o pensador articula os fundamentos que, mais tarde, se tornarão o alicerce de uma filosofia que se lança para a frente e se arroja, não como uma mera proposta, mas uma exortação à busca de um porvir que melhor se coadune aos propósitos que embasam as mais dignas aspirações humanas. Espírito da utopia é dedicada à memória de Else Bloch-von Stritzky, a primeira esposa de Bloch.

Escrita entre os anos de 1915-17, a primeira edição de Espírito da utopia é levada ao público em 1918, ao passo que a segunda, de 1923, recebe acréscimos do autor. Essa edição apresenta cinco capítulos com títulos bastante sugestivos: O encontro consigo próprio; A produção do ornamento; A filosofia da música; A forma da questão inconstruível; Karl Marx, a morte e o apocalipse. Bloch apresenta uma característica bastante peculiar em sua forma de escrever, na qual alia a busca de precisão filosófica à exigência do estilo literário, um estilo que se apresenta em boa parte por demais rebuscado, com pinceladas barrocas que dão lugar a cogitações expressionistas e culminam na maestria do ensaio. É na forma ensaística que o pensador alça patamares pouco alcançados por outros filósofos, quando o assunto se trata de junção entre filosofia e literatura. Ao analisar o estilo blochiano, Schmied-Kowarzik (2006, p. 274) chega a sugerir que O princípio esperança se apresenta como um gigantesco ensaio cuja temática poderia ser denominada de Sonhos por uma vida melhor. Mas essa forma de filosofar apresenta um grande efeito colateral e impõe-lhe um ônus pesado, a ponto de colocar seu pensamento sob uma forte aura de suspeição e trazer uma indagação assaz pertinente: Bloch seria mesmo um filósofo ou somente um escritor de elevado talento e criatividade?

A forma ensaística leva o escritor ao tráfego com manejo seguro numa espécie de pântano povoado de ideias e interpretações das mais variadas a respeito de uma temática que

se estende além das singularidades. Sou meu próprio eu, aparentemente divaga (2000, p. 7). Um eu que se movimenta, conversa consigo, mas percebe que não se encontra onde talvez gostaria de estar. Pode ser que mais tarde isso aconteça e, para acontecer, primeiro nos colocamos diante de nós, frente a frente. Esse estar diante de nós mesmos nos possibilita inicialmente um conhecimento interior que se concretiza na certeza da realização do possível e daquilo que, momentaneamente, se confunde com o impossível. Uma utopia é assim, se confunde com o impossível.

Do encontro consigo mesmo projeta-se para o aprendizado do estar no mundo e, aprimorado esse processo de aprendizagem, um manancial de possiblidades nos arroja para a frente. Eu sou, eis a primeira premissa. Eu não me possuo, eis a segunda. Primeiro nos tornamos, conclui-se. Geist der utopie dirige-se a uma só questão, elucida Schmied-Korwazik (2006, p. 277). O auto-encontro existencial, a descoberta do lugar, do qual se pode novamente recomeçar a avançar para as grandes esperanças da humanidade, acrescenta (idem). O encontro consigo, não como um ajuste de contas, mas pessoal, intimista, nos possibilita a primazia da existencialidade e nos impulsiona à reverberação de nossa incompletude porque ainda não me possuo e, sabedor dessa condição, dilato o pensamento e adquiro a capacidade de perceber a necessidade de primeiro me tornar.

Bloch circunscreveu a inconstruibilidade da questão absoluta, que nós somos para nós mesmos, também na fórmula, que se tornou famosa, do “obscuro do momento precisamente vivido”. Nós vivemos, eu sou, mas precisamente essa imediatez da vida, do sou, que nos carrega, do qual tudo emana, não pode ser assimilada, nem experimentando, nem compreendendo. (Schmied-Kowarzik, op. cit., p. 280)

Vida, existência, trajetória... Termos assim ilustram essa imediatez do sou que nos carrega e podem nos arrojar na busca para além do instante vivido. Seres em construção, buscamos – ou então talvez até nos limitemos apenas – ao ainda-não e, ao buscá-lo, não olvidamos o instante vivido. Este, ao ser captado, demarca trajetórias e cartografa o existir humano, um existir que traz o carimbo do não-possuir, do não-ter, do não-saber, do não-estar onde se desejaria realmente estar. Ainda. Espírito da utopia é o primeiro grande esforço blochiano de mostrar a possibilidade da superação do instante vivido para concretização da ocorrência do ainda-não ser. Mas, primeiro é necessária a percepção integral do ocorrido

porque este, à maneira de folha preenchida mesmo que sob garatujas, se encontra amalgamado pelo existir. Estou em mim, se reconhece Bloch (op. cit., p. 165), finalmente uma forma de começar, arremata (idem). Essa forma de começar está imersa em porquês e buscas de respostas, o que há de mais precioso para a filosofia. Meu sofrimento não seria suficiente?, joga Bloch a pergunta no ar (idem). Onde me encontro corrompido?, continua (idem). Onde sou verdadeiro e seguro?, elucubra (idem). Sou eu mesmo, contudo apto ao trabalho, enfatiza (idem, p. 166).

Eu sou, eu não me possuo, primeiro preciso me tornar. Estou, contudo, apto ao trabalho. Toda filosofia que quer compreender, ressalta Schmied-Korwazik (op. cit., p. 280), é a tentativa forçosamente vã de apanhar reflexivamente em pensamentos o obscuro do instante vivido, querer reter num conceito o “sou” que nós somos pulsando vivos. Schmied-Korwazik, ao ilustrar essa retenção, exemplifica com a obra proustiana Em busca do tempo perdido, na qual Marcel Proust detalha uma trajetória existencial, das minúcias aos momentos notadamente grandiosos, na visão da personagem que conduz o enredo literário. No meu caso, opto por Érico Veríssimo e uma de suas obras que sequer passaria pela visão de qualquer crítico como uma das mais criativas e complexas desse escritor gaúcho, mas que se encaixa perfeitamente ao objetivo de nesse sentido trazer o pensamento blochiano à tona. Trata-se de As aventuras de Tibicuera (1978), obra que, a princípio, é dedicada ao público infantil.

Sigamos a explicação do próprio Veríssimo a respeito do livro: O herói narra sua fabulosa viagem através do tempo, que começou numa taba tupinambá, antes de 1500, e terminou num arranha-céu de Copacabana em 1942 (op. cit., p. 11). Não, Tibicuera não é imorrível, trata-se de um índio comum cujos descendentes trazem as características dos antepassados, se encontram ligados geração após geração. Nesse encontro consigo próprio, Tibicuera percebe que o futuro que ainda não veio a ser torna-se visível no passado, e o passado vingado, herdado, mediado e plenificado torna-se visível no futuro. Eu sou, poderia dizer Tibicuera, metamorfoseado na própria história do Brasil. Eu não me possuo, cogitaria numa reflexão que atravessa os séculos. E ao se ver não como um índio tupinambá que vive num determinado ponto do litoral baiano, mas como o próprio povo cujo sangue traz nas veias, senhor de horizontes que se mesclam ao som de sabiás, voos de araras e de esperanças nas benesses proporcionadas por Tupã, Tibicuera, do alto de um novo porvir histórico que se avizinha, poderia dizer: Primeiro nos tornamos. Nos tornamos porque temos as marcas do passado. O passado não morre e não deixa de se abrir ao futuro. Trata-se de uma questão de espírito, como explica o pajé:

- O remédio está aqui dentro, Tibicuera. Não há feitiçaria. O pajé gosta de ti. Ele te ensina. Escuta. O tempo passa, mas a gente finge que não vê. A velhice vem, mas a gente luta contra ela, como se ela fosse um guerreiro inimigo. Os homens envelhecem porque querem. Só muito tarde é que compreendi isso. Tibicuera pode vencer o tempo. Tibicuera pode iludir a morte. O remédio está aqui. – Tornou a bater na testa. – Está no espírito. Um espírito alegre e são vence o tempo, vence a morte. Tibicuera morre? Os filhos de Tibicuera continuam. O espírito continua: a coragem de Tibicuera, o nome de Tibicuera, a alma de Tibicuera. O filho é a continuação do pai. E teu filho terá outro filho e teu neto também terá descendentes e o teu bisneto será bisavô dum homem que continuará o espírito de Tibicuera e que portanto ainda será Tibicuera. O corpo pode ser outro, mas o espírito é o mesmo. E eu te digo, rapaz, que isso só será possível se entre pai e filho existir uma amizade, um amor tão grande, tão fundo, tão cheio de compreensão, que no fim Tibicuera não sabe se ele e o filho são duas pessoas ou uma. (Veríssimo, op. cit., p. 22)

Tibicuera vive o obscuro do instante vivido pela nação brasileira, que se torna estado e se impõe como país no contexto do mundo. Um país que se mescla aos povos que o habitam, enquanto lhes proporciona uma identidade, e esta, sobremaneira, assume peculiaridades que a tornam ímpar. O homem individualizado que se coletiviza na sociedade, consciente de sua historicidade, que sonha e percebe que o impossível momentâneo se transforma em algo que demarca realidades, se insere no espírito da utopia. Primeiro há um retorno, uma reflexão que se calca nas lições passadas, para, em seguida, haver uma imersão rumo ao ainda-não- consciente. Um espírito alegre e são vence o tempo, o corpo pode ser outro, mas o espírito vence o tempo. Tibicuera vence o tempo, como este é vencido por Aristóteles, por Santo Agostinho, por Marx. Princípios filosóficos se arrojam em realidades, circunscrevem instantâneos que se absolutizam em interpretações necessárias à compreensão do fazer humano, um fazer que se traduz no esforço de compreensão epistemológica, algo que desencanta o saber da tradição, dele extrai a magia e a submete aos critérios de comprovação e verdades, enfim permite a realização científica.

Esse esforço apresenta incontáveis exemplos nas mais variadas áreas, e a da medicina é uma delas, pródiga. Morfeia, mal-de-são-lázaro, lepra, não importa a denominação, mas quantas pessoas essa doença que talvez seja a mais estigmatizada da trajetória humana não afetou, deformando e submetendo-as a isolamentos dos mais cruéis? Pois bem, o mal-de- hansen, como também é conhecida, está vencido. Representava um dos piores flagelos da humanidade. Os meios de vencê-la também foram engendrados por sonhos diurnos, por

arremessos para a frente, mesmo nos inúmeros momentos de aspirações notadamente utópicas. Um espírito alegre e são vence os males que o afligem, corpos se inoculam por bacilos, sofrem injunções impostas por normas sociais discriminatórias, mas não deixam de sonhar um sonhar-acordado, diurno, e alavancas movimentam o mundo porque o que se considera males são, nada mais nada menos, do que pontos de apoio para a efervescência utópica. Assim Tibicuera vive a história do Brasil; assim Proust coloca na boca do leitor o gosto de uma Madeleine; assim Platão elabora o que considera uma proposta de governo ideal; assim Marx aponta a necessidade de superação das contradições desencadeadas por um modo de produção que se movimenta através das engrenagens da exclusão. Somos legião, porque muitos habitam em nós e vencem o tempo, algo tão fundo, tão cheio de compreensão, como lembra o pajé. Nos arremessamos, portanto, para a frente.

É difícil descobrir o que se olha no interior da escuridão, reflete Bloch em Espírito da utopia (op. cit., p. 8). O que há nessa escuridão, obviamente alguém gostaria de saber e ocupar o lugar que se encontra envolto pelo não-perceber momentâneo. Explorá-la se torna por demais imprescindível, vasculhá-la, perceber sua extensão. Como? O primeiro passo já foi dado, através da necessidade do vasculhar, do descobrir, do saber do que se trata. Essa indagação, mesmo até infantil, infinita e curiosa, nos lança ao interior da escuridão e este pode, então, se abrir, e se abre porque quem indaga se lança na própria escuridão. Uma das vias que conduzem a essa exploração é a da arte, elemento do qual o ser humano se utiliza para alcançar o que se encontra no mais fundo do ser, no mais recôndito de suas aspirações, extraído da sensibilidade que se pulveriza no sonho diurno e traduz aquilo que se apresenta capaz de lançá-lo para frente.

Expressionismo

Perceber a necessidade de vasculhar a escuridão e, consequentemente, adentrá-la é esmiuçar respostas subjetivas, exploradas pela emoção do artista, que as colhe dos objetos e acontecimentos que nele provocam os mais diversificados sentimentos. A realidade objetiva inicialmente não é retratada, mas a subjetiva, expressão de um novo estado da alma, como veem muitos historiadores da arte. Essa é uma das características do expressionismo, a linha estética que influencia fortemente as duas primeiras décadas do século XX, na Europa, principalmente na Alemanha. É nessa época que surge Espírito da utopia, obra que se

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