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Juca Mulato freme. Imerge os olhos entre as estrelas curiosas.

Não sabe que anda o amor nos espaços profundos a fecundar o ventre

das próprias nebulosas

na eterna gestação de novos mundos...

Menotti Del Picchia

Somente quando o nadador também partilha a situação dada, nada para a liberdade e ama as águas profundas.

A Terra tem espaço para todos, ou melhor, teria, se fosse administrada com o poder do atendimento das necessidades, e não com o atendimento das necessidades do poder.

Tudo está tão certo como certo, porém, mesmo aqui, para o sonho de algo melhor, é preciso que uma vontade persiga o caminho dele.

Ernst Bloch

Cercado de distâncias

Quando o hoje bispo emérito D. Pedro Casaldáliga, de São Félix do Araguaia, uma remota localidade do Estado do Mato Grosso, viu a cruz da catedral de Natal (ao lado) no início de outubro de 1991, sentiu um estalo, alguma coisa tomá-lo por inteiro e foi impossível, então, conter a explosão poética que o dominou totalmente. Daí a poesia transbordou, formou um filete em sua sensibilidade e transformou-se num rio poético. Me tocou a catedral de Natal, vista de fora. Aí entendi melhor aquela cruz. Não sei por que, talvez pela companhia, do clima, do ambiente..., me disse o prelado numa entrevista1, continuando um poema de improviso, saído num repente, que tomei a liberdade de dividir os versos:

1 Publicada no jornal Cult, edição de novembro/1991, Sindicato dos Bancários/RN. Tratava-se de uma das poucas publicações culturais editadas por um sindicato de trabalhadores no Brasil. D. Pedro Casaldáliga estava em Natal para participar do XII Congresso Eucarístico Nacional, evento que contou com a presença do papa João Paulo II.

“... senti um pouco a cruz de todas as cruzes. E a cruz, em todas as direções,

rosa dos ventos Natal que seria essa cruz

a rosa cruz.”

Uma cruz, cuja lembrança certamente o acompanhou de volta a São Félix do Araguaia, onde vive cercado de distâncias, conforme escreveu em seu diário assim que chegou àquela localidade, em 1968 – cercado pelas distâncias geográfica, de comunicação e cultural. Um cerco que não cerca e não tem fronteiras. Muitas vezes fazemos poesia para desabafar e gritar, assim como fazemos poesia quando estamos muito felizes, me lembrou D. Pedro, espanhol da região da Catalunha, terra de artistas singulares como Miró, Picasso e Pablo Casals.

D. Pedro Casaldáliga nunca teve jeito de bispo, com seu corpo mirrado, rosto fino e cabelo curto. Quem o vê e não o conhece pode ser levado a pensar se tratar de alguém que ganha a vida desenvolvendo atividades consideradas subalternas. Até mesmo a roupa que veste não tem a sobriedade daqueles ternos escuros ou cinzas que os bispos costumam vestir quando não estão de batina: uma camisa de mangas curtas e uma calça de tecido comum é a sua indumentária costumeira. Por falar em batina, a que usou em Natal foi emprestada por um clérigo amigo, o então bispo da cidade paraibana de Campina Grande, D. Luiz Gonzaga Fernandes.

O que terá feito o papa Paulo VI, num momento de rara distração, transformar um pároco de uma localidade perdida no Mato Grosso, em príncipe da Igreja? A resposta é do próprio D. Pedro: Não morava padre naquela região, eu fui o primeiro e, por isso, não havia outro para o papa escolher. Foi por exclusão. Quando chegou a São Félix do Araguaia não havia televisão, telefone, ônibus, e se houvesse necessidade de comprar um simples prego tinha que percorrer muitas léguas. Num cenário desses, lugarejo de pouco mais de 600 habitantes, o bispo-poeta começou a organizar seu rebanho com ajuda de alguns leigos e freiras. Nos víamos perdidos, me confessou.

Na entrevista, D. Pedro Casaldáliga afirma que o ideal do socialismo continua vivo:

Se o socialismo tivesse acabado mesmo, como também chegou o fim da história, como eles dizem, acabou a perspectiva para a humanidade porque o horizonte fechou e o egoísmo seria a norma, e a lei a prepotência.

Um socialismo que não oculta características imersas num ideal que nunca deixa de ser vislumbrado:

Dizem que o socialismo real morreu, então dizemos viva o socialismo utópico. É bom relembrar que conhecemos um socialismo real e um cristianismo real. Esse socialismo real não corresponde ao ideal socialista e o cristianismo real, infelizmente, nem sempre corresponde ao ideal cristão.

D. Pedro Casaldáliga manifesta a opinião de que vivemos não o fim, mas um momento da história, porque não acreditamos que a humanidade seja suicida. Quem sabe a experiência que temos vivido de impérios, de nazismos, de socialismos reais, de capitalismos, afirma na entrevista, pode ajudar muito a humanidade a partir para outra realidade, porque vivemos uma hora de decepções salutares e de criatividade, completa. Para ele, é necessário conciliar o socialismo à democracia, o que faz surgir um outro desafio para a política e a sociologia que é, em última instância, conjugar liberdade com justiça. Para isso, se faz necessário insistir na democracia econômica, política, étnica e cultural.

Indagado a respeito da morte de Deus, D. Pedro Casaldáliga analisa que esse fenômeno, como o classifica, atingiu mais os setores intelectualizados da sociedade, enquanto os setores majoritários se deixaram levar pelo secularismo da própria Igreja ou mesmo pelo indiferentismo, tipo tanto fez como tanto faz, afirma. E acrescenta que os valores éticos devem fazer parte do cotidiano das pessoas. Todos reclamamos da corrupção, da hipocrisia, do farisaísmo, acentua, lembrando que é necessário se viver com intensidade e coerência e que a sociedade não permita nenhum tipo de fraude. Indagado a respeito do poder concreto da Igreja Católica e das estruturas desse poder, D. Pedro Casaldáliga opina que o papa não seja chefe de Estado: Como também não quero que um bispo se faça chamar de excelentíssimo senhor, porque acho isso mais do que estúpido e ridículo.

D. Pedro Casaldáliga não oculta sua simpatia pelos movimentos populares e escreve poesia porque esta desconhece fronteiras. Muitas vezes fazemos poesia para desabafar e

gritar, assim como fazemos poesia quando estamos muito felizes, afirma na entrevista. E mesmo cercado de distâncias, como os horizontes que as várias direções que a cruz da catedral de Natal descortina, não deixa de ressaltar que a palavra deve ser por definição comunicativa e, sobretudo, emocional.

O teólogo da revolução

Comunicativa e, sobretudo emocional, é a palavra de Thomas Münzer, que vive, como Pedro Casaldáliga, cercado de distâncias e também incomodado com os rumos tomados pela forma como a fé é propagada. Cinco séculos distanciam os dois e, mesmo Pedro regando com convicção sua fé católica e Thomas se enfileirando nas trincheiras reformistas, os dois dilatam a visão não apenas para questões de cunho religioso, mas para o ser humano envolto por questões políticas, econômicas e sociais, porque não há como dissociar esses fatores da trajetória humana. E se não há possibilidades dessa dissociação, processos educacionais que se propõem encará-los e se tornarem alternativas viáveis à concretização de uma postura pedagógica condizente com esses propósitos se fazem necessários.

Escreve Bloch (1973, p. 90) que Münzer tem a seguinte característica física: baixa estatura, com cabelos negros, pele morena, olhar inflamado. A larga, ossuda face, mais tarde mantida cheia de barba, parece de origem eslava, completa. Bloch acrescenta que Münzer traz uma expressão que mais parece com a de um grande bandido, pois os heróis revolucionários sempre guardam traços de um grande bandido. Ele era pobre, assim permaneceu e morreu, jamais guardando o mínimo para si, informa Bloch (ibid.). Porém, Münzer é acusado por seus detratores, de assumir um comportamento que é pura selvageria fanática, além de uma certa libertinagem, pois, entre outras calúnias, conforme Bloch (ibid., p. 91), goza carnalmente com a mais bela das suas ouvintes no momento, antes de cada sermão. Münzer, contudo, reconhece Bloch (ibid., p. 92), era, sem dúvida, vaidoso e, o que é pior falastrão, não medindo bem suas ameaçadoras palavras.

Thomas Münzer não agrada a príncipes, é detestado pela Igreja Católica, a quem acusa de ter se tornado uma prostituta, através de um adultério espiritual, rompendo, assim, um casamento místico (Bloch, op. cit., p. 15). Também é visto com maus olhos por Lutero. Ambos são contemporâneos. Lutero, urbano e com grande proximidade da burguesia, defende a fé como única via destinada à salvação, é acusado por Münzer, rural e campônio, por

romper com o verdadeiro espírito do Evangelho e por não ser dotado da capacidade de propagar a fé cristã em sua autenticidade. E mais: Lutero se vende aos príncipes, ao invés de se colocar ao lado daqueles que realmente necessitam da graça divina, os pobres. A opção política de Lutero possibilita com que angarie forças para contrapor-se ao papado e faça difundir sua doutrina. A secularização dos bens da Igreja, que nomes como Münzer e Andreas Carlstadt, influentes lideranças reformistas, apontam que deveria se destinar aos pobres, serve para abastecer os cofres dos príncipes. O empobrecimento da Igreja enriquecerá os grandes, não o povo, elucida Marianne Schaub (1981, p. 18).

Para Münzer, Lutero renega aqueles que poderiam, verdadeiramente, construir uma nova concepção de Igreja e, além disso, joga os que realmente necessitam de amparo à sanha dos poderosos. Pobres continuam pobres e camponeses não têm situação diferente, enquanto os ricos contam com Lutero para lhes adoçar a vida. Excomungado pela Igreja Católica, a qual exige sua prisão e sua ida a Roma, Lutero se vê numa complicada situação política. Na encruzilhada dos caminhos, ele optou pelos príncipes, analisa Marianne Schaub (ibid.), e essa escolha pesa com toda força sobre o devir do luteranismo, acrescenta. Essa decisão o leva a renegar, vencer e relegar ao esquecimento figuras proeminentes que contribuíram para que o movimento reformista alcançasse a magnitude que obteve, como Carlstadt e o próprio Münzer.

Lutero ensina que o pecador pode ser regenerado, da mesma forma que um doente é curado por seu médico. Essa regeneração se dá pela fé, a qual é uma concessão da graça e, esta, por sua vez, é outorgada por Deus. Nesse sentido, a filosofia não teria espaço – e nem necessidade. O homem não precisaria dela, a qual não passaria de uma mera soberba humana. Tradutor da Bíblia, dos originais para sua língua nativa (o alemão), e inovador na forma com que esses escritos são lidos e interpretados, não apenas por clérigos mas por quem se propõe discuti-los. Há uma dessacralização e uma desclerização, através da secularização da moral e aumento da responsabilidade do indivíduo para consigo, porque agora recai sobre si, com mais força, a obrigação de responder pela própria conduta. Isso significa uma profunda mudança comportamental e aquilo que estava reservado a privilegiados se torna acessível às outras camadas que dispõem de condições de leitura.

Com a autoridade que uma postura firme assumida contra uma hierarquia eclesiástica corrompida lhe confere, aliada à riqueza de estilo e profundidade de seus escritos, Lutero, com essa credibilidade, legitima a repressão com a qual o campesinato revoltado é esmagado.

Se torna, na visão de Marianne Schaub (ibid.), alguém que rompe com o autêntico espírito do evangelismo para tornar-se o reformador dos grandes, o organizador de uma Igreja novamente cativa, incapaz de propagar a autêntica fé cristã. Essa é a grande acusação que pesa sobre Lutero e a repressão aos camponeses ocorre em 1525, na Turíngia, por se revoltarem contra a continuação do tratamento feudal que os grandes senhores lhes reservam. O mentor da revolução é Thomas Münzer.

Münzer acredita na proximidade da implantação do Reino de Deus na Terra e apregoa abertamente essa concepção, transformando-a num convite ao povo para que se empenhe na busca de fazer de uma rebelião daqueles que se acham oprimidos, num fato cuja vitória pode se tornar patente. Seja em praça pública, em frente ou próximo a uma catedral, Münzer chama o povo, transforma camponeses em guerreiros e os coloca em posição de combate contra aqueles que, na sua concepção, se denominam de poderosos. Expulso de uma cidade, se desloca a outra para ser novamente enxotado, mas sempre elevando a voz em prol dos oprimidos. Se Lutero traduz a Bíblia para o alemão, é nesse idioma que Münzer também vai cavar suas trincheiras e se torna um dos primeiros teólogos a escrever uma missa em alemão, sempre afirmando que o reino de Deus está próximo e, quando instalado na Terra, a paz e a justiça seriam uma realidade. Critica Lutero pela sua conciliação e certa submissão aos poderes constituídos.

Münzer é um cristão que não mede as consequências de suas palavras, radicaliza o discurso e acredita que o reino de Deus não se encontra muito longe e, diferentemente de Lutero, afirma que esse reino pode – e deve – ser também aqui na Terra. E, pior, defende o direito do oprimido de se sublevar, pegar em armas e buscar implantar esse reino para, nessa mesma vida e dimensão, usufruir de suas benesses, contrariamente à posição conciliadora e comprometida com os poderes estabelecidos, levada adiante pela visão luterana. Se Lutero chega a se alinhar com o príncipe da Saxônia e outros altos membros da nobreza, Münzer busca o campesinato e afirma, em todas as letras, que o cristão tem o dever de se opor, de não ceder a toda e qualquer forma de tirania, de poder despótico, de não se submeter a quaisquer injunções ditatoriais, enfim, de resistir. Essa resistência se legitima na própria Bíblia, nos dois Testamentos.

No Velho, pela justificação do direito à força quando o momento assim o exigir; assim o faz Moisés, assim o faz Josué, assim o faz Davi, assim o fazem outras tantas figuras proeminentes. No Novo, em decorrência dos preceitos éticos lá apregoados. Enfim, a

autoridade das figuras de Moisés e de Cristo, o primeiro o guia de um povo que atravessa o deserto rumo a uma libertação que se descortina, muitas vezes, como um ainda-não-ser por demais longe; o outro, cujas lições de amor e de respeito não permitem a opressão. Se o templo se encontra repleto de vendilhões, o chicote se faz necessário para expulsá-los. Que diz, afinal, a Escritura logo depois de se tornar histórica?, se pergunta Bloch (2006, p. 52, vol. II). O Deus que Moisés concebe não é um deus de senhores, e sim de beduínos livres na região do Sinai, complementa.

Esse é o Deus que Münzer e Casaldáliga concebem. O profeta Isaías assevera que: Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo até que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra.2 Se a nobreza alemã em tempos de Renascimento despoja camponeses e os alija do acesso a uma vida mais digna, a moderna nobreza brasileira, conhecida sobremaneira como elite, não faz diferente e a questão agrária percebida por um bispo cercado de distâncias não se diferencia, em essência, daquela de mais de três séculos atrás. Só que tanto o bispo quanto o religioso reformista não visam apenas camponeses em suas prédicas, também miram sua atenção à realidade precária vivenciada por trabalhadores urbanos igualmente merecedores de um quinhão de justiça social.

Continua Isaías: Iahweh dos Exércitos jurou aos meus ouvidos: certamente muitas casas serão reduzidas à ruína, grandes e belas, não haverá quem nelas habite3. No sentido político-econômico-social, as edificações alicerçadas na exploração e na transformação de seres humanos em meros joguetes de interesses mesquinhos não serão poupadas pela ira de Iahweh. Implodidas, primeiro se transformarão em ruínas inabitáveis para se destinarem a uma nova construção, cuja pedra fundamental trará a argamassa da solidez. Desse modo, Javé é invocado como inimigo dos expropriadores de camponeses e da acumulação de capital, como vingador e tribuno do povo, analisa Bloch (ibid., p. 53). É nesse vingador e tribuno que Münzer se joga nos braços, confia, e se atira numa causa que vai lhe custar a própria vida.

O direito à resistência, defendido por Münzer

[...] se apoia na figura de Cristo que expulsa os vendilhões do templo e que, ao mesmo tempo, faz o sermão da montanha, é defendido explicitamente

2 Bíblia de Jerusalém. Isaías, 5,8, p. 1261. 3 Ibidem. 5,9.

contra a tendência básica do evangelho e da teologia paulinos, os quais, apoiados no mandamento do “suporte e tenha paciência”, parecem colocar em questão esse direito elementar dos fiéis, não sem vantagens para os dominadores de plantão. (Münster, 1997, p. 197)

Visões tão opostas colocam Lutero e Münzer em campos de ideias irreconciliáveis. Enquanto Lutero se torna o reformador preferido dos bem aquinhoados e organiza uma igreja que caminha a passos largos para se tornar cativa dos detentores do poder, Münzer segue em outra direção. A identificação com os miseráveis leva não só Münzer a insistir sobre o valor da religião popular, escreve Pierre Furter (1974, p. 192), mas a desenvolver a dimensão de fraternidade implícita no Evangelho contra a concepção hierárquica do luteranismo, acrescenta.

Essa dimensão de fraternidade levada às últimas consequências, Münzer a percebe ao organizar as ligas camponesas e levá-las a contrapor-se à ordem vigente. Furter (ibidem) escreve a respeito do isolamento que Münzer enfrenta nessa organização. Não consegue o apoio da burguesia urbana e a pequena aristocracia lhe dispensa uma frágil aliança. Sem o apoio necessário e diante da oposição sistemática que o luteranismo lhe dispende, mesmo assim não deixa de buscar organizar as fileiras camponesas e de promover uma tentativa de ampliá-las com a presença de mineiros que atuam nas redondezas. Mas estes, proibidos de frequentar suas prédicas pelo conde Ernst Mansfeld, proprietário das minas, também se afastam diante da promessa de conclusão de um falso acordo salarial, mesmo sob a advertência de Münzer de que não passaria de um engodo. Destemido, envia ao conde uma mensagem na qual se encontra contida uma enérgica admoestação, que Bloch (op. cit., 67) assim transcreve: Olha miserável saco mesquinho de vermes, quem te fez príncipe de novo, qual Deus te redimiu com seu sangue? [...] o eterno Deus vivo prometeu derrubar-te da cadeira, com a força a nós concedida. Dificuldades de toda ordem se avolumam e o isolamento se faz crescente até que, em Frankhausen, ocorre a batalha na qual Münzer, diante da superioridade da tropa inimiga, chega até mesmo ansiar a intervenção dos poderes divinos para contrabalançar a vantagem adversária e vencê-la, mas a derrota o aguarda.

A fé revolucionária

Ao descrever a batalha de Frankhausen, seus antecedentes e consequentes, Bloch (op. cit., p. 68) acentua que a nobreza da região se faz unificar em torno do propósito de levar a cabo a destruição completa da ameaça que Thomas Münzer representa: E, sim, ainda de muito longe, erguera-se a classe principesca em solidariedade, contra seus servos da gleba. Os camponeses se veem cercados por 800 cavalos armados, três mil infantes e uma artilharia bem afinada, em decorrência de já haver participado de outras batalhas. Deste modo estava quase decidido o destino do exército cristão, revolucionário exército messiânico, informa Bloch (ibid.). Esse exército, ao qual Bloch se coloca a favor, não possuía nem pólvora e nem armamento suficientes. A tentativa de negociar com os príncipes vai por água abaixo, como demonstra a resposta desses nobres, transcrita por Bloch (ibidem.):

“se nos entregardes o falso profeta Thomas Münzer, em companhia de seus asseclas e vos renderdes a nosso favor e desfavor, então vos aceitaremos na medida conveniente e, conforme as circunstâncias das coisas, podereis merecer nossa graça.”

Münzer sobrevive à batalha de Frankhausen, esconde-se no porão de uma casa, mas um camponês que vagava pelas redondezas fazendo uma ou outra pilhagem, como informa Bloch (op. cit., p. 72), o descobre e, percebendo os papéis que leva consigo, o reconhece e o denuncia. Preso, é conduzido à presença do conde Ernst Mansfeld, seu mais sério e irado adversário, informa Bloch (ibid.). Da tortura brutal na torre do castelo de Heldringen não demora muito para a execução em Mühlhausen, em fins de maio de 1525. Sua morte, porém, não oculta o que representa sua vida para o movimento posterior de trabalhadores, pois não se trata apenas de algo que se volta, única e exclusivamente, para interesses de características messiânicas. É algo que se estende além daquilo que a fé estabelece como limites e também não cai no redemoinho da escatologia, com uma esperança que se estende para um além metafísico. A teologia de Münzer se organiza em torno de uma reflexão extensa sobre a fé, aponta Furter (op. cit., p. 194).

Essa fé que o leva a mover montanhas seria uma atitude em sua totalidade, a qual permitiria a mobilização humana em favor da implantação do Reino ainda neste mundo.

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