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A esperança que alegra e encoraja

No documento deborahterezinhadepaulaborges (páginas 68-82)

Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre, quem traz no corpo a marca Maria, Maria mistura a dor e a alegria. Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre, quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida...153

Homem de fé, Teilhard foi também e por isso mesmo, um homem cheio de esperança. As guerras, a incompreensão por parte da Igreja, o exílio forçado e consequentemente o afastamento daqueles que mais amava, não o abalaram mais fortemente porque ele guardava no mais íntimo de seu coração a certeza de que Deus o esperava a todo instante, em cada acontecimento. Frente a tantas adversidades enfrentadas, ele soube sorrir; em meio às trevas que ameaçavam encobrir o céu de sua existência, ele soube descobrir a luz; sobre as àguas que ameaçavam afogá-lo, ele soube caminhar.

O desespero infantil frente a finitude do ser e o doce consolo de sua mãe, ensinando que as coisas não se acabam, mas pelo contrário se transformam, marcariam para sempre sua personalidade. O mal e o sofrimento não têm, para ele, a palavra final; a cruz fixada na terra não encerra a história, seus braços se abrem e apontam para o céu da ressurreição. Enfim, “[...] a vida e o sem-sentido da morte têm um sentido certo que chega [...] à plena luz do meio-dia” (BOFF, 2003, p. 90)154.

Sustentado pela fé e movido pela esperança, o menino do Auvergne cresceu confiando na vida, mesmo em seus momentos mais difíceis. Esta confiança era para ele um dos objetivos da vida espiritual e mais do que isso, uma forma mesmo de adoração. Numa carta de 13 de junho de 1937 ele escreve à amiga Lucile Swan:

[...] eu devo seguir minha própria vida e nela confiar com amor, mesmo que esta fé me conduza aparentemente sobre caminhos menos felizes. Uma 'filosofia' espiritual seria fundamentalmente incompleta se ela não nos ajudasse a enfrentar o lado doloroso da vida tanto quanto seus aspectos agradáveis. (TEILHARD DE CHARDIN; SWAN, 2009, p. 170)155.

E dez anos mais tarde ele completa: “Eu acho que a mais alta forma de adoração é a confiança ativa na Vida, confiança que leva à paz” (TEILHARD DE CHARDIN; SWAN,

153 NASCIMENTO, Milton. Maria, Maria. Disponível em: <http://letras.mus.br/milton-nascimento/47431/ />. Acesso em: 24 jan. 2014.

154 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo libertador: ensaio de cristologia crítica para o nosso tempo. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2003. Teilhard falaria da necessidade de “[...] reconhecer que a morte (e o sofrimento) está ordenada per se a uma ressurreição...”. TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Journal. 26 août 1915 – 4 janvier 1919. Tome I (cahiers 1-5). Paris: Fayard, 1975, p. 143.

155 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre; SWAN, Lucile. Correspondance. Bruxelles: Lessius, 2009. Carta de 13 de junho de 1937.

2009, p. 170)156.

Por confiar plenamente, Teilhard se sente em paz. Mas sua paz não pode ser interpretada como ausência de conflito, de dor ou de tristeza. Sua existência não foi protegida ou poupada das tragédias. E nem sempre ele soube aceitar com carinho os rumos que a vida tomava. Um escrito de 31 de julho de 1916, encontrado em seu diário íntimo, revela-nos um homem angustiado e resistente frente aos deveres que a Guerra lhe impunha:

Hoje [...] eu senti subir em mim uma maré de repulsa e de revolta contra minha existência militar encerrada em uma enfermaria onde eu detesto tudo: a função, a sociedade, o espírito... A mim a ação militar mais direta, mais ardente, mais nobre!... Então, eu tentei me escrutar, me analisar, me criticar. E encontrei, para meu desgosto, três gêneros de causas ou fatores bem inegáveis. O primeiro fator, desculpável, é uma certa incompatibilidade entre meu humor e o ofício que faço: minhas disposições e aptidões naturais seriam seguramente melhor utilizadas num papel ativo ou técnico. O segundo fator, pouco cristão, é a repulsa de orgulho que experimento em viver em meio aos mal desenvolvidos, aos doentes, a repulsão animal, também, que me lança longe dos cuidados a dar a um outro homem: a enfermaria me humilha e me repugna, eu tenho um temperamento muito pouco hospitalar. [...]. O terceiro elemento de minha antipatia crescente pelo serviço sanitário [...] é a impressão de que eu não posso concorrer muito diretamente para a grande obra que se completa atualmente... Eu colaboro suavizando os sofrimentos da guerra, curando as feridas: meu estilo de espírito 'cósmico' me faz olhar esta nobre e cristã e muito sacerdotal tarefa, como secundária e acessória. Confessando-me cruamente, eu não julgo mais sagrada a cooperação para o esforço ativo que os cuidados de derramar sobre as feridas o azeite e o vinho?... (TEILHARD DE CHARDIN, 1975, p. 96)157.

Diferente do que se pode pensar, a partir da leitura de seus escritos transbordantes de otimismo, ele enfrentou na própria carne o sofrimento, o orgulho, a prepotência, a repulsa aos afazeres banais da existência. No entanto, ele foi capaz, como poucos, de refletir sobre si mesmo e sua conduta; de reconhecer seus limites e imperfeições. A insatisfação e a frustração que poderiam provocar rancor, amargura e dor fazem com que ele se questione. Por confiar, ele soube se avaliar e se transformar e dessa forma tornar doce o cálice amargo da vida.

As muitas perdas de sua família, e sobretudo a doença de Marguerite, a irmã carinhosamente chamada de Guiguite, fizeram-no refletir bastante sobre a vontade de Deus que não deseja nunca o sofrimento, mas sempre a união com Ele. Aos pais ele escreve sobre a irmã: “[...] o estado de Guiguite é uma nuvem sombria que Deus não se apressa a dissipar, sem dúvida para que pensemos mais n'Ele. Durante esta semana devemos rogar-lhe que nos

156 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre; SWAN, Lucile. Correspondance. Bruxelles: Lessius, 2009. Carta de 21 de dezembro de 1947.

157 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Journal. 26 août 1915 – 4 janvier 1919. Tome I (cahiers 1-5). Paris: Fayard, 1975.

ensine a cumprir sua vontade” (TEILHARD DE CHARDIN, 1967, p. 167, grifo nosso)158

. O sofrimento é, para o místico francês, uma oportunidade de se unir cada vez mais a Deus e de refletir sobre seus desígnios que, segundo suas próprias palavras, “[...] são melhores que os nossos” (TEILHARD DE CHARDIN, 1967, p. 304)159

. Seu olhar cheio de esperança enxerga a dor, mas prefere se concentrar na alegria: “Estas melhoras da Guiguite, tão a propósito, e sempre nas mesmas circunstâncias, são uma prova de que N.S. não os esquece, mesmo quando as coisas parecem caminhar mal” (TEILHARD DE CHARDIN, 1967, p. 49)160

. É com a irmã Guiguite, aliás, que ele aprende a refletir sobre a necessidade de uma confiança suprema e ao mesmo tempo humilde. Em carta à prima, ele assim o diz:

No fim, Guiguite tem sem dúvida razão em sua oração pelos grandes enfermos: saber renunciar a tudo, inclusive à satisfação de sentir que se é capaz de ter a suficiente confiança. Mas esta renúncia não é, em si mesma, um excesso de confiança? (TEILHARD DE CHARDIN, 1964, p. 51)161.

Os momentos felizes são, para Teilhard, sinais de que o Criador nunca se esquece de suas criaturas, mas vela continuamente por elas. E os bons acontecimentos, diz ele, devem servir de lembrança nas ocasiões sombrias onde não é tão fácil perceber a presença e o cuidado de Deus:

Fiquei radiante, mas muito surpreendido, de voltar a ver, domingo, a caligrafia de Guiguite. O mínimo que podemos concluir dessas boas alternativas do seu estado de saúde, é uma prova de que N.S. não se esquece de velar por ela e por nós; e isso é o bastante para não perdermos a confiança, nos momentos em que essa proteção é menos sensível. (TEILHARD DE CHARDIN, 1967, p. 145)162.

A confiança plena, que se manifesta em muitos de seus escritos, poderia nos fazer acusá-lo de conformismo, de resignação apática e ingênua. Mas nossa análise seria superficial uma vez que o conjunto de sua obra revela-nos uma personalidade otimista, entendendo-se o otimismo enquanto esperança de que o mal nunca terá a última palavra, porque no fundo mais fundo do abismo, quando cessam todas as forças, para aquele que sabe ver, tudo revela a graça de Deus. O cientista do Auvergne não foi um conformado; do contrário lutou e ensinou a lutar contra tudo o que maltrata a criação ou faz sangrar a humanidade.

158 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Cartas de Hastings e de Paris: 1908-1914. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1967. Carta de 11 de abril de 1911.

159 Ibid. Carta de 22 de setembro de 1913, dirigida à sua mãe. 160 Ibid. Carta de 11 de março de 1909.

161 Id. Nuevas cartas de viaje: 1939-1955. Madrid: Taurus, 1964. Carta de 09 de março de 1940 escrita à Marguerite Teillard-Chambon.

162 Id. Cartas de Hastings e de Paris: 1908-1914. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1967. Carta de 10 de novembro de 1910.

Teilhard não se deixa dominar pela angústia que fere sua alma de irmão e filho. Ele sofre com os seus, mas tem sempre uma palavra de conforto. Feito sacerdote, o menino, que outrora fora cuidado e consolado, passa a cuidar e consolar. Pouco depois de sua ordenação, quando esteve junto com seus pais, ele escrevia:

Há perto de quinze dias que nos separamos e que terminou esse bom encontro da ordenação, há tanto tempo esperado. Assim passam todas as coisas, as melhores como as mais tristes. Felizes somos nós a quem Deus concedeu a possibilidade de guardar para sempre uma parte delas, sem dúvida aquela que Lhe dedicamos inteiramente. (TEILHARD DE CHARDIN, 1967, p. 186-187)163.

O místico jesuíta sabe que a tristeza não dura para sempre e se sente feliz em ocasiões que muitos outros poderiam se sentir desamparados. Seu otimismo é fruto da confiança impertubável em Deus. Para Henri de Lubac (1962, p. 47), o otimismo que ele “[...] professou e conservou sempre e apesar de tudo, foi nele uma vitória da Fé”164

. E foi justamente esta confiança nascida da fé, esta certeza do abraço amoroso do Criador na cotidianidade da vida, que o levariam a dizer: “[...] tenho grande confiança nos acontecimentos determinados por Deus, ainda que sejam infinitamente desagradáveis; a este respeito, creio que devemos manter-nos imperturbáveis. Confio em que tudo acabará bem” (TEILHARD DE CHARDIN, 1967, p. 226-227)165.

A confiança de que tudo acabará bem é uma marca de sua personalidade. À Marguerite, a prima, ele afirmaria que “[...] o porvir é mais belo que todos os passados. Sabes que essa é a minha fé” (TEILHARD DE CHARDIN, 1966, p. 355)166

. No fim da Guerra, quando a humanidade celebrava a paz em meio ao caos, sem rumo e sem norte, Teilhard reafirmará sua fé no futuro. Fé que não o abandonaria nem mesmo no auge dos conflitos sangrentos: “À medida que a guerra perde em novidade e 'divertimento', o ir para as linhas parece cada vez mais austero. Temos então, em compensação, mais consciência de seguir NS e de estar em suas mãos” (TEILHARD DE CHARDIN, 1966, p. 173)167

.

A esperança de Teilhard era produto do que sentia brotar no mais profundo de si mesmo, a saber, a certeza de estar sempre e em toda parte abraçado por Deus, protegido e amparado por suas mãos, tal como a cria no colo da mãe:

163 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Cartas de Hastings e de Paris: 1908-1914. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1967. Carta de 11 de setembro de 1911.

164 DE LUBAC, Henri. La pensée religieuse du Père Pierre Teilhard de Chardin. Paris: Aubier, 1962. 165 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Opus cit. Carta de 13 de julho de 1912.

166 Id. Gênese de um pensamento: cartas 1914-1919. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1966. Carta de 05 de setembro de 1919.

[...] em Setembro de 1914, quando ajudava o Boule a por a salvo os tesouros mais preciosos do Muséuum, ao tatear de uma maneira tão imediata e tão crua a fragilidade das esperanças humanas, senti-me cheio de uma espécie de alegria triunfante: porque Deus, a sua Vontade, inatingíveis por todas as diminuições, e, pelo contrário, atingíveis apesar de todos os desastres e de todas as ruínas, me apareciam como a única realidade absoluta e desejável... E essa mesma alegria triunfal, feita de convicção na transcendência de Deus, conservo-a nas más horas diante das piores eventualidades que ameaçam o país. Sim, mesmo se, contra toda a esperança, a guerra acabasse mal, não só para nós, mas até para o progresso real do Mundo (Deus bem sabe que creio no êxito final do Mundo e no progresso, apesar de tudo, da Vida – tenho fé na Vida); mesmo então, desejaria repetir por sobre todas essas aparências de males, o velho grito das festas gregas: Io, triumpe. E todavia amo as coisas belas, a ciência, o progresso, quase ingenuamente; sou homem, tanto e mais do que ninguém. Mas acontece que nós, os que acreditamos, temos a força e a glória de ter, mais profunda que a nossa fé no Mundo, a fé em Deus: e esta liberta-se e permanece, mesmo que aquela caísse sob os golpes de certas experiências. (TEILHARD DE CHARDIN, 1966, p. 111-112)168.

Teilhard se sentia feliz mesmo quando tudo parecia apontar para um destino sombrio e nada o amedrontava porque ele estava certo da presença e do amor de Deus na vida em todas as suas fases, tanto as boas quanto as más. Assim como a mãe não abandona o filho, Deus não abandona a sua criação. Acima de todas as tragédias, de toda destruição, de todo aparente mal, o jesuíta quer gritar a beleza das coisas e quer cantar, como o poeta, que “[...] a vida é bonita, é bonita e é bonita”169

. Ele não sente vergonha de ser feliz quando tudo aponta para o caminho da tristeza, mantém-se otimista quando o pessimismo e as lamentações apresentam-se como a via mais fácil. E sente que é preciso proclamar sua fé ainda que, ou justamente por isso, suas atitudes nem sempre sejam compreendidas:

[...] temo ter sido um pouco mordaz ao defender [...] as minhas perspectivas otimistas sobre o porvir do mundo... Todavia não lamento, no fundo, ter que fazer de vez em quando a minha profissão de fé. Só pela fé somos fortes e só por ela temos influência. (TEILHARD DE CHARDIN, 1966, p. 341)170.

Uma das pedras fundamentais da espiritualidade de Teilhard, o sustento de sua caminhada, é sua fé na vida que ele mesmo define como sendo “[...] a certeza inabalável de que o Universo, considerado em seu conjunto, tem um fim; e não pode enganar-se em seu rumo, nem deter-se no seu caminho” (TEILHARD DE CHARDIN, 1974, p. 47)171. Como as águas de um rio não deixam de correr, quaisquer que sejam os obstáculos que se colocam à

168 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Gênese de um pensamento: cartas 1914-1919. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1966. Carta de 09 de abril de 1916.

169 GONZAGUINHA. O que é, o que é?. Disponível em: <http://letras.mus.br/gonzaguinha/463845>. Acesso em: 26 fev. 2014.

170 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Opus cit. Carta de 24 de abril de 1919. 171 Id. Ciência e Cristo. Petrópolis: Vozes, 1974. Do artigo Meu Universo.

sua frente, a vida sempre segue seu curso, aconteça o que acontecer; e como as águas no fim sempre encontram o mar, também a vida, cedo ou tarde, alcança sua meta.

Importante ressaltar que Teilhard viveu a experiência das duas grandes guerras; na primeira participando ativamente do conflito. Mas seu olhar nunca foi um olhar totalmente amargurado, o que lhe rendeu algumas críticas e incompreensão por parte daqueles que só conseguiam enxergar na Guerra a miséria e o caos.

A guerra é uma doença, uma crise de crescimento, mas pela vida, eu tenho confiança. [...]. Não foi sem motivo que N.S. quis que sua Cruz dominasse a Terra! A guerra atual me aparece como uma dessas coisas por onde se ordena e progride o Universo, seguindo o plano divino, e eu amo pensar que sou um átomo dedicado a isto pelo Criador. (TEILHARD DE CHARDIN, 1975, p. 69)172.

Alguns consideravam suas ideias superficiais (BOUDIGNON, 2008)173. No entanto, o seu otimismo é o resultado de uma vida vivida com amor. Teilhard sofreu muito durante sua vida, sobretudo pela descoberta da fragilidade das coisas. Tanto que em Le coeur de la matière, sua autobiografia, um texto relativamente pequeno para descrever uma existência tão longa e intensa, ele fala duas vezes na experiência, para ele desconcertante, do cabelo se queimando. Teilhard sofria diante da fragilidade e do sentimento de finitude. Mas sua mãe docemente o ensinara que nada na vida se perde, tudo se transforma. Estas palavras que o consolaram na infância ecoariam por toda sua vida. A semente da esperança foi plantada no terreno fértil de seu coração menino, tornando-se árvore forte a sustentá-lo sempre.

A fragilidade o desconcertava tanto que, na sua obra de espiritualidade, ele fala na formidável passividade que é o escoar da duração, o corpo que se curva frente a ação do tempo (TEILHARD DE CHARDIN, 1957)174. Em seu diário ele diz reconhecer que “[...] a morte (pelo medo que ela inspira) fere a vida” (TEILHARD DE CHARDIN, 1975, p. 143)175

. Muitas vezes ele reza pedindo a Deus para que possa ajudá-lo a ver sua ação ali onde ele parece escondido. Assim como para muitos homens de ontem e de hoje, também para o jesuíta do Auvergne se apresentava a questão do “[...] do porque ser dirigido para a morte” (BAGNULO, 2001, p. 7)176. Questão que, por sua vez, tocava diretamente o problema de

172 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Journal. 26 août 1915 – 4 janvier 1919. Tome I (cahiers 1-5). Paris: Fayard, 1975. Em 08 de novembro de 1916, ele diria: “Só a guerra podia fazer operar certos progressos. (Exemplo: instalações de usinas, descobertas múltiplas...”. Ibid., p. 136.

173 BOUDIGNON, Patrice. Pierre Teilhard de Chardin: sa vie, son ouvre, sa refléxion. Paris: Cerf, 2008. É o caso de Jeanne Boussac e também de Ida Treat que, depois acabou se apaixonando por Teilhard.

174 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Le Milieu Divin: essai de vie intérieure. Paris: Seuil, 1957. 175 Id. Journal. 26 août 1915 – 4 janvier 1919. Tome I (cahiers 1-5). Paris: Fayard, 1975.

176 BAGNULO, Roberto. Fenômeno Umano e Ambiente Divino: il problema del male in Teilhard de Chardin. Firenze: Clinamen, 2001.

Deus, ou melhor, da possibilidade de se falar num Deus criador e amoroso em meio a tantas espadas que ferem o coração das criaturas e ameaçam a própria criação. De fato, diz-nos Bagnulo (2001, p. 7): “[...] o mal tem uma força argumentativa contra a existência de um Deus providente, ainda que o cristão possa sempre responder que as vias do Senhor são diferentes das nossas e preveem a cruz”177

. A resposta de Teilhard, no entanto, não era tão simplista. A cruz não era, no seu entendimento, o fim da estrada; ela apontava para algo mais, ela “[...] assegura o triunfo da Vida” (TEILHARD DE CHARDIN, 1975, p. 115)178

. Aos gritos desesperados frente ao aparente abandono segue-se o silêncio que antecipa os brados da vitória do ser sobre o não-ser. O otimismo de Teilhard é fruto da certeza de que Deus nunca abandona o homem, mas nele penetra. Para compreendê-lo, é preciso sentir como ele a alegria e a doçura de se deixar embalar por Deus179, de se deixar aninhar no colo daquele que criou e segue criando todas as coisas.

A esperança de um futuro melhor sempre o animava e para aqueles que temiam o mar revolto dos acontecimentos suas palavras eram sempre encorajadoras. Antes de tudo, ele diria, “[...] é míster colocar uma fé robusta no futuro da Humanidade; e, se já existe tal fé, é mister consolidá-la” (TEILHARD DE CHARDIN, 1974, p. 123)180. Para que o homem não ceda e se deixe dominar pelo desânimo é preciso olhar pra frente, é necessário perder-se cegamente e sem medo na confiança de que a providência, a benigna providência, sempre nos espera adiante. Mais do que isso, é preciso ter paciência e reconhecer-se sempre no lugar onde Deus quer.

Como poucos de seu tempo, Teilhard foi capaz de perceber a vontade de Deus em todas as coisas. Em St Louis, a 26 de setembro de 1909, Teilhard escrevia aos pais falando da morte do irmão mais velho e da doença de um parente. Marcante nesta correspondência é sua certeza de que não há fatalidade, mas sempre a vontade de Deus. São suas próprias palavras que podem nos mostrar a força de sua esperança, que nada tem de ingênua ou passivamente resignada:

[...] foi aqui que soube da morte do Albéric; e amanhã pensarei nele e em vós ainda com mais intensidade. Tive muita pena da infelicidade da Agnes e do

177 BAGNULO, Roberto. Fenômeno Umano e Ambiente Divino: il problema del male in Teilhard de Chardin. Firenze: Clinamen, 2001.

178 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Journal. 26 août 1915 – 4 janvier 1919. Tome I (cahiers 1-5). Paris: Fayard, 1975.

179 À prima Marguerite ele diria: “[...] se soubesses a grande doçura que experimento em me deixar levar por Deus!”. Id. Gênese de um pensamento: cartas 1914-1919. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1966, p. 257. Carta de 30 de julho de 1918.

180 Id. Ciência e Cristo. Petrópolis: Vozes, 1974. Do artigo Salvemos a Humanidade: reflexões sobre a crise atual.

aspecto de que se reveste a doença do Just. São verdadeiras circunstâncias em que os projetos de Deus ultrapassam de longe o nosso alcance, e em que reconforta pensar que só a sua Vontade age, e não a fatalidade. A família tem sido bem experimentada, há alguns anos (TEILHARD DE CHARDIN, 1967, p. 79)181.

A afirmação de que “a família tem sido bem experimentada há alguns anos” indica também que o jovem jesuíta não foi protegido, mas que experimentou como poucos a dor da perda. Nascido no seio de uma família numerosa e abastada, Teilhard é o quarto dos onze irmãos. No entanto, diz-nos Boudignon (2008, p. 13-14)

[...] esta numerosa família foi provada pelos falecimentos. Pierre não conheceu Marie-Gabrielle, morta aos quatro anos, pouco antes que ele mesmo viesse ao mundo. Em 1902, é o irmão mais velho, Albéric, oficial da marinha, que retorna à casa para ali morrer doente e, em 1904, Louise que desapareceu com a idade de doze anos. Em 1911, é Françoise, irmã mais

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