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Capítulo 3 – Setores, características, Eventos significativos e a estabilidade regulatória

3.5. A estabilidade regulatória nos três setores

O principal argumento para a criação das agências reguladoras autônomas era a manutenção da estabilidade de regras e a garantia dos contratos. Segundo a literatura derivada da nova economia institucional, essa é uma condição imprescindível para a atração de investimentos de longo prazo e para o desenvolvimento econômico.

Esta Tese baseia-se na premissa de que a estabilidade regulatória foi preservada nos setores estudados. Após a avaliação dos setores e dos eventos críticos, cabe demonstrar que ela ocorreu e sob quais condições. Assim, temos que definir o que entendemos como estabilidade.

Os mercados evoluem, empresas enfrentam-se e traçam estratégias que podem ou não funcionar; eventos exógenos podem ocorrer e afetar as condições de investidores, empresas e consumidores. Os governos devem prover respostas a tais situações por meio da implementação ou da remoção de regulações e regras e pela renegociação de contratos.

Dessa forma, a estabilidade regulatória e a preservação dos contratos não são entendidas aqui como a simples, pura e absoluta manutenção de regras e condições inicialmente estabelecidas. Entendemos que a preservação de regras e contratos existe quando as empresas mantêm a sua saúde econômica, levando em consideração a evolução do mercado e eventuais fatores exógenos; quando as regras do jogo não são alteradas de maneira brusca, dando às empresas condições de se adaptarem; e quando o governo não intervêm diretamente no setor, assumindo empresas financeiramente saudáveis. Sob essas condições consideramos que há estabilidade regulatória.

Assim, avaliaremos a estabilidade regulatória em termos da continuidade das empresas no país, da manutenção de seus níveis de faturamento e na ausência de ações expropriatórias por parte do governo. Tal fato não ocorreu no Brasil em nenhum dos setores da economia nacional.

Mesmo sem uma medida extremada como a intervenção estatal direta em um setor econômico, uma ruptura de regras poderia ser feita por meio da pressão contra a lucratividade

das empresas, por meio de alterações nas regras regulatórias ou com a revisão da legislação setorial.

Na área de telecomunicações o governo Lula efetivamente questionou o índice de reajuste das empresas e pressionou a Anatel por sua revisão, como descrito anteriormente. Todavia, não notamos uma alteração no faturamento das empresas do setor, conforme se pode verificar no Gráfico 1 abaixo:

Gráfico 1 – Faturamento das empresas de telecomunicações, por segmento

Fonte: Folha de São Paulo, 04/05/2008, p. B6

Mesmo em 2003, ano do maior conflito declarado entre o governo e o setor, o faturamento das empresas continuou aumentando. Se o crescimento da economia explica grande parte desse crescimento, a ausência de uma ruptura no padrão sinaliza a estabilidade das regras contratuais.

O mesmo ocorre no setor de energia elétrica. Segundo dados apresentados pela Stern Stewart & Co para o Instituto Acende Brasil em dezembro de 2007, as empresas do setor vem aumentando consistentemente o retorno sobre o capital investido desde 2002, ano em que os

balanços foram severamente atingidos pelo racionamento de energia de 2001. O setor vem aumentado a sua lucratividade.

Gráfico 2 – Custo do capital e retorno sobre o investimento no setor de energia elétrica

Fonte: Stern Stewart & Co, página 11, disponível em

http://www.acendebrasil.com.br/archives/files/estudos//20071219_Rentabilidade_Rev_5a_Compressed.pdf

Observação: dados arredondados

Pode-se argumentar que no setor de telecomunicações era mais difícil para um novo governo tentar estatizar ou fragilizar as empresas, já que a capacidade técnica estatal no setor havia se dispersado e o setor crescido de forma exponencial. Assim, uma ação de expropriação, mesmo que a longo prazo após um processo de definhamento das empresas, seria mais difícil de se colocar em prática. Mas o mesmo não pode ser dito do setor elétrico.

Como França (2007) mostra, o governo Lula tinha o apoio de uma comunidade epistêmica de especialistas no setor elétrico, que criticavam o modelo construído no governo FHC, especialmente a privatização, e propunham, entre outros aspectos, uma maior participação do Estado no desenvolvimento do setor, tanto pelo planejamento quanto pelo investimento direto. A capacidade técnica e a força das empresas estatais federais ainda presentes no setor tornavas viáveis ações de retomada do setor pelo governo. O BNDES ainda possuía participações acionárias em muitos grupos empresariais.

Assim, uma desapropriação ou uma retomada aos poucos se as empresas definhassem economicamente – e elas estavam fragilizadas devido ao racionamento e à dsvalorização cambial de 2002 – era plenamente factível. Mas isso não ocorreu.

Os analistas econômicos corroboram a nossa hipótese de estabilidade. Segundo matéria do jornal Valor Econômico de 27/08/2008, as ações das empresas de energia elétrica estavam, em meio à crise internacional, sendo consideradas “um porto seguro em momentos de turbulência” pelo fato de possuírem previsibilidade de faturamento e rentabilidade. Em outra matéria de junho de 2007 tanto as empresas de energia como as de telefonia eram indicadas como investimentos seguros devido à constância de pagamento de dividendos aos seus acionistas (FARIELLO, 2007).

O setor de planos de saúde possui algumas características diferenciadas. Diferente dos outros dois setores, este mercado ainda não atingiu a sua maturação em questões como rentabilidade e concentração de mercado.

Segundo o noticiário, o setor passou por dificuldades financeiras até a decisão da ADIN 1931 sobre os contratos de planos de saúde anteriores à 1999. Com essa decisão, a partir de 2004 muitas empresas puderam repassar custos represados pela regulação da ANS e aumentar a sua lucratividade, iniciando também uma nova dinâmica econômica no setor. Segundo dados apresentados pelo jornal Valor Econômico em janeiro de 2007, (SILVA JUNIOR, 2007), a partir de 2006 o setor passa por um grande crescimento econômico, como pode-se verificar na tabela a seguir.

Ano Resultado operacional (Milhões) (2) Rentabilidade Operacional (%) 1998 632,2 6,3 1999 454,2 4,5 2000 491,4 4,8 2001 329,7 3,2 2002 410,7 4,4 2003 94,8 1,2 2004 143,6 1,7 2005 82,8 1,0 2006 (1) 797,0 9,2

Tabela 4 – Resultados operacionais das empresas de planos de saúde

Fonte: Valor Econômico, 08/01/2007, p. C2

Notas: (1) dados até outubro; (2) Valores corrigidos pelo IGP-M de dezembro de 2007

As empresas começaram a partir de 2007 um movimento de concentração de mercados e de verticalização de atividades com a montagem de redes próprias de hospitais e médicos (VALENTI; CAMPASSI, 2007). Neste mesmo ano a SulAmérica, especializada em planos de saúde coletivos, e a Amil, de planos individuais, lançaram ações na bolsa de valores. Empresas de planos individuais como a Amil, Golden Cross e Medial tem se capitalizado e adquirido carteiras de usuários de empresas que migraram para o mercado de planos coletivos ou aproveitando boas oportunidades de empresas menores.

As eventuais críticas das empresas reguladas contra ações governamentais que ofenderiam a credibilidade regulatória brasileira ou contra mudanças de regras que afastariam investimentos devem ser sempre consideradas, mas as evidências mostram que elas não possuem tal nível de gravidade. Além disso, deve-se ter em mente que os alardes das empresas e atores em relação deve ser sempre relativizado, pois pode estar contaminado por dois elementos: uma retórica de reação e uma busca de maximização do risco percebido.

Como retórica de reação entendemos as estratégias de oposição a novas regras que podem se atentar contra a rentabilidade das empresas, tais como aquelas que aumentam a competição ou imponham uma maior divisão dos excedentes monopolistas com os consumidores. Essa estratégia alinha-se com as três teses propostas por Hirschman (1992), perversidade, futilidade e ameaça, especialmente esta última.

Segundo o autor, a tese da perversidade argumenta que ações tomadas para melhorar a ordem econômica, social ou política acabam apenas por agravar a situação que se deseja remediar. A

futilidade, por sua vez, defende que as mudanças são sempre ilusórias, pois as estruturas

profundas do sistema econômico ou social permanecerão intactas. Estas duas teses podem ser usadas na própria discussão das regras regulatórias.

Já a tese da ameaça baseia-se no argumento de que o custo da determinada mudança é muito alto, porque coloca em perigo outra preciosa realização anterior. Esta tese ilustra a lógica da argumentação contra qualquer mudança nas regras ou termos dos contratos, sejam elas legítimas ou oportunistas – colocar-se-ia em risco a credibilidade duramente atingida pelo país para a atração de investimentos de longo prazo.

A maximização do risco percebido refere-se a um componente da própria estrutura de remuneração das empresas. Se por um lado é bom que o risco regulatório seja baixo para atrair investimentos, pois o risco é monetarizado, por outro, depois que as empresas já estão no mercado regulado, é interessante que ele seja considerado alto – desde que não o seja efetivamente. O risco regulatório faz parte da taxa de retorno das empresas.

Por exemplo, a estrutura ótima de capital e o custo de capital a serem utilizados no segundo ciclo de revisão tarifária de energia elétrica (atualmente em andamento), definido pela Resolução Normativa nº 259, de 27/03/2007 prevêem um prêmio de risco do regime regulatório de 1,33% e um prêmio de risco Brasil de 4,91%.

Assim, o alerta sobre a presença do lobo – a interferência “indevida” dos políticos na regulação setorial – possui um caráter instrumental para as empresas reguladas e deve ser ponderado como parte do jogo de pressões por um maior retorno.

As empresas nos setores de energia elétrica e telecomunicações não enfrentam uma situação de instabilidade regulatória. Faturamento, investimentos e lucratividade estão longe de sofrerem pressões que não aquelas do próprio mercado, tampouco as empresas estão sob a ameaça de uma intervenção estatal que não seja solicitada ou desejada por elas mesmas, como com recursos do BNDES. Os dados levantados e as recomendações do mercado dos papéis das empresas de ambos os setores como investimentos seguros mesmo em momentos de turbulência permitem afirmar que a estabilidade regulatória nesses setores tem sido preservada.

No campo da saúde suplementar a estabilidade confunde-se com o próprio processo de amadurecimento setorial. A cada mudança da dinâmica do mercado a regulação no setor ainda deve passar por ajustes e modificações, que por sua vez resultam em novas mudanças até que o processo se estabilize.

Apesar desse contexto de permanente ajustamento da regulação, também nesse setor não há sinais de pressões econômicas contra as empresas que não sejam aquelas decorrentes do próprio mercado. Nos últimos anos as empresas aumentaram a sua capitalização e têm buscado se fortalecer no mercado. Assim, é legítimo considerar que se a situação no setor ainda não é completamente estável, ela não tem sido ameaçado por modificações bruscas que coloquem em risco o funcionamento e o faturamento das empresas reguladas.

Nos três setores estudados não houve intervenção governamental. As empresas têm mantido e fortalecido a boa condição econômica. Não houve mudanças bruscas das regras do jogo sem que os atores tenham tido oportunidade de se manifestar e influenciar, como verificamos nos casos da mudança do marco legal de energia elétrica e da alteração do Plano Geral de outorgas de telefonia. Os contratos foram mantidos. Assim, podemos considerar que, apesar das diferentes trajetórias e características de cada setor, houve uma efetiva estabilidade regulatória nos setores.

CAPÍTULO 4 – O COMPORTAMENTO DOS GOVERNOS FHC E LULA EM

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