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Capítulo 2 – Sistema político, burocracia e agências reguladoras no Brasil

2.1. O sistema político brasileiro e o papel da burocracia

Se o presidencialismo norte-americano é caracterizado pelos checks and balances entre Legislativo e Executivo, o mesmo não pode ser dito em relação ao presidencialismo latino- americano em geral ou ao brasileiro em particular. Na América Latina, como no Brasil, “más allá del peso que puedan tener las iniciativas de institucionalización de mecanismos de control parlamentario, los presidentes de los países estudiados [Argentina, Bolívia, Brasil e Chile] todavía concentran muchos poderes de agenda y de veto” (ANASTASIA, 2000:164).

Como aponta Limongi (2006), enquanto o sistema legislativo norte-americano tem como eixo central o Congresso, no sistema brasileiro o grande protagonista é o Executivo. Tal fato deve- se tanto ao poderes legislativos do Presidente, como iniciativas legais e as Medidas Provisórias, quanto a capacidade de obter coalizões majoritárias no Congresso, com maior ou menor grau de consolidação.

O sistema administrativo possui um papel importante na consolidação da base de apoio no presidencialismo brasileiro, principalmente por conta dos chamados cargos de confiança, que são moedas importantes – diria essenciais – na relação entre o Executivo e o Legislativo, e entre a União e as elites políticas das unidades federadas, no caso nacional. Uma parte significativa da burocracia brasileira fica sujeita à divisão entre as diversas legendas partidárias que apóiam o presidente, bem como a interesses federativos (GEDDES, 1994; NUNES, 1997).

Loureiro e Abrucio (1999) deslindam mais detalhes do papel da burocracia no presidencialismo brasileiro. De acordo com os autores, o presidente, e não o partido, é o protagonista na construção de seu gabinete e a sua capacidade de montar e remontar estruturas administrativas vinculadas ao seu projeto político constitui-se na tônica desse jogo, ou seja, “O spoil system constitui-se, desse modo, em uma das características fundamentais da maioria dos presidencialismos” (LOUREIRO; ABRUCIO, 1999: 72). A montagem do ministério e a decorrente seleção da alta burocracia têm que conjugar aspectos consociativos de montagem de uma base partidária fragmentada e indisciplinada, que por vezes vincula-se a interesses federativos, ou seja, o Presidente tem que responder às lideranças políticas e também às bases locais.

A lógica e as tensões de funcionamento desse sistema são resumidas pelos autores:

“É como se o presidente, por um lado, distribuísse poder para obter apoio político e, por outro, tivesse

também que reconcentrar outra parcela de poder para conseguir de fato reduzir ao máximo a dispersão

causada pela barganha de cargos e, assim, “controlar” os aliados e realizar as suas políticas prioritárias. A

forma mais utilizada para obter apoio parlamentar, nesse caso, é o loteamento dos principais postos governamentais, com seu efeito paradoxal: garante a maioria ao presidente mas pode reduzir sua capacidade de controlar a delegação de funções na montagem de seu gabinete. Este é o dilema da governabilidade do presidencialismo brasileiro. Como veremos, não é um dilema que leva inexoravelmente à ingovernabilidade, como argumenta parte da literatura, mas cuja resolução depende de

uma engenharia política complexa, envolvendo vários elementos.” (LOUREIRO; ABRUCIO, 1999: 73) Como Barbara Geddes (1994) assinala, esse uso da burocracia coloca os políticos, particularmente o Executivo, sob um dilema quando se trata de reformas na máquina administrativa: uma mudança que a torne mais imune ao oportunismo e aumente o seu nível de impessoalidade diminui o espaço de utilizá-la como instrumento de consolidação de sua coalizão.

O uso da burocracia como elemento de troca para obtenção de apoio é fundamental para entender o funcionamento do presidencialismo de coalizão brasileiro, desde que analisado com algum grau de ponderação. O apoio partidário não existe apenas para que o Executivo possa aprovar sua agenda no parlamento ou para que os partidos possam efetuar suas estratégias de rent seeking. As nomeações também servem para ampliar os canais de recrutamento de pessoal para a equipe governamental. Num sistema multipartidário como o brasileiro é razoável imaginar que nenhuma legenda possua toda a capacidade técnica necessária para comandar a estrutura burocrática nacional.

Essa característica do presidencialismo brasileiro – multipartidarismo e busca permanente de construção de coalizões com o uso da burocracia – diminui o incentivo de parlamentares ligados ao governo para fiscalizar a burocracia, apesar dos congressistas de oposição certamente terem interesse em explorar deficiências em programas governamentais em temas onde haja uma maior exposição pública. A carreira dos parlamentares brasileiros relaciona-se mais com a possibilidade de assumir cargos executivos do que em fiscalizá-los e é comum políticos eleitos deixarem seus mandatos representativos por cargos na máquina administrativa, como apontam Abrucio e Samuels (1997) em relação ao comportamento dos parlamentares e a sua migração para os governos estaduais e locais.

Assim, apesar de possuir autoridade formal e ser composto de uma estrutura de comissões especializadas, o Congresso brasileiro é deficiente em termos de incentivos políticos, de conhecimento técnico especializado e de ações sistematizadas para avaliar os atos do Executivo e da burocracia, ainda que algumas ações nesse sentido sejam realizadas (OLIVA, 2006). Nesse aspecto, o funcionamento do parlamento brasileiro se diferencia bastante de seu similar norte-americano, onde o Legislativo desempenha um papel fundamental na fiscalização e na própria definição de regras das agências.

Por outro lado, no Brasil o Poder Executivo possui uma forte motivação para buscar o controle sobre a burocracia. Tal situação, com exceção de uma possível ênfase, não é diferente dos EUA. Dada a preponderância do Executivo sobre o Legislativo, o presidente brasileiro é diretamente responsabilizado pelos resultados das políticas públicas. Com efeito, a Presidência desenvolveu estruturas como as assessorias especiais, a Casa Civil, a Secretaria Federal de Controle Interno, a Controladoria Geral da União e o Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão, que propiciam ao presidente mecanismos de acompanhamento e controle das atividades da burocracia (OLIVIERI, 2008).

Outras ferramentas estão à disposição do Presidente brasileiro para controlar a burocracia e coordenar a sua ação em meio à formação da coalizão. Loureiro e Abrucio (1999) mostram que uma das estratégias de coordenação do governo Fernando Henrique Cardoso era a indicação de membros ligados ao Ministério da Fazenda ou alinhados com seu ideário para postos de comando de outras áreas, como forma de garantir que as ações dos diversos ministérios perseguissem o equilíbrio fiscal.

Uma outra característica relevante da alta burocracia brasileira trata do seu papel como formuladores, com o apoio dos representantes políticos, e articuladores de políticas em determinados setores. As carreiras dos burocratas entre órgãos governamentais e também na iniciativa privada é um importante catalisador de políticas públicas.

Schneider (1994) faz um exaustivo retrato desses burocratas que circulam por diversas áreas das políticas públicas angariando apoio de políticos, técnicos e, inclusive do setor privado. Segundo o autor, os interesses de carreira desses atores constituem-se em fortes motivadores para a sua ação em prol de políticas públicas setoriais. São os que Loureiro e Abrucio (1999) definem como “esplanadeiros”, funcionários com amplos conhecimentos sobre o funcionamento da máquina pública e com acesso a pessoas chave em processos políticos. Isso mostra que a burocracia possui um significativo componente personalista.

Em resumo, para a execução de suas metas políticas o presidencialismo brasileiro de coalizão necessita engendrar uma complexa engenharia institucional, onde a burocracia desempenha um papel fundamental. Faz-se necessário combinar fatores como o loteamento de cargos executivos para a construção de coalizões de apoio parlamentar e federativo, em um ambiente onde muitos congressistas têm sua carreira marcada pelo exercício de cargos executivos. Isso convive lado a lado com critérios técnicos de nomeação, a existência de carreiras fortes de alguns burocratas na máquina pública, tudo permeado pela necessidade de mecanismos de coordenação do Presidente sobre o resultado das políticas.

Essa engenharia político-institucional cria uma situação em que da alta burocracia acaba por ser, necessariamente, politizada e politicamente ativa, em num processo que gera tensões e

acaba sendo diferenciado em cada área da política pública. Todavia, nesse processo foram estabelecidos pouquíssimos mecanismos democráticos de controle e accountability da alta burocracia e de suas agências, em especial nas áreas insuladas – algo que vai se refletir nas agências reguladoras.

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