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A Estrutura dos Mitos

No documento Lacan e o estruturalismo (páginas 62-67)

2.2 A influência de Lévi-Strauss

2.2.3 A Estrutura dos Mitos

Apesar da grande quantidade de mitos fornecidos pelos diversos povos do mundo, podemos notar que estes, embora pareçam arbitrários, se reproduzem com os mesmos caracteres e segundo os mesmos detalhes. “A substância do mito não se encontra nem no estilo, nem no modo de narração, nem na sintaxe, mas na história que é relatada.”74 É por isso que pode ser sempre percebido como um mito por qualquer leitor, no mundo inteiro, independentemente da cultura e da língua da qual foi retirado.

O estudo dos mitos seguiu um percurso semelhante ao da linguagem, que há muito procurava descobrir porque certos grupos de sons correspondiam a sentidos determinados, embora os mesmos sons fossem encontrados em outras línguas, mas com sentido diferente. O problema só foi resolvido quando os filólogos se aperceberam de que a função significativa da língua tem mais a ver com a maneira pela qual os sons se encontram combinados entre si, do que com os próprios sons. Neste sentido, o estudo dos mitos deveria evoluir de forma a encontrar a combinação lógica que liga os elementos dentro de um mito e não nas suas especificidades.

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O mito pode ser aproximado da linguagem, à medida que faz parte integrante da língua e que provém do discurso. Está simultaneamente na linguagem e além dela, já que pode pertencer ao mesmo tempo ao domínio da palavra (e ser analisada como tal) e ao domínio da língua (na qual ele é formulado).

“O mito é linguagem, mas uma linguagem que tem lugar em um nível muito elevado e onde o sentido chega, se é lícito dizer, a decolar do fundamento lingüístico sobre o qual começou rolando.”75

Podemos enumerar as principais características de um mito: a - a maneira pela qual os elementos de um mito se encontram combinados é que dá sentido ao mito, se é que este tem sentido. O mito diz respeito sempre ao passado, tanto que expressões como: antes da criação do mundo, durante os primeiros tempos, sempre aparecem, mas por ser um mito deve se relacionar simultaneamente ao passado, ao presente e ao futuro; b- o mito provém da ordem da linguagem e faz parte integrante dela, mas a linguagem tal como é utilizada no mito, manifesta propriedades específicas de natureza mais complexa do que as que se encontram numa expressão lingüística de qualquer tipo.

Em função dessas características podemos, baseados em Lévi-Strauss76, ainda citar duas conseqüências: o mito, como todo ser lingüístico, é formado por unidades constitutivas e essas unidades constitutivas implicam a presença de fonemas, morfemas e semantemas (unidades que intervêm na estrutura da língua). Como estas unidades apresentam uma escala de complexidade, a unidade precedente é sempre menos complexa que a posterior. Neste sentido, podemos

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Lévi-Strauss, Claude. Op. cit., p. 242

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dizer que os elementos que provêm dos mitos são os mais complexos e por isso recebem o nome de grande unidade constitutiva.

Nesse conjunto (mito – grande unidade constitutiva) o mais importante a ser observado, consiste nos feixes de relação e não nas combinações isoladas, “somente sob a forma de combinações de tais feixes é que as unidades constitutivas adquirem uma função significante”.77 Para a compreensão de um mito é preciso identificar os traços comuns que se apresentam nas relações.

Lévi-Strauss propôs um arranjo dos mitemas em colunas, todas as relações agrupadas nas mesmas colunas apresentam algum traço em comum: 1.ª coluna – relações de parentesco superestimadas; 2.ª coluna – relações de parentesco subestimadas, ou depreciadas; 3.ª coluna – monstros e sua destruição; 4.ª coluna – dos nomes próprios; no caso todos os nomes evocam uma dificuldade em andar corretamente ( claudicação ).

O segundo termo reproduz o primeiro e ambos referem-se à autoctonia do homem, a 3.ª coluna refere-se à negação da autoctonia do homem, já que os dois monstros são vencidos por homens e a 4.ª coluna, à persistência da autoctonia humana, pois na mitologia os homens nascidos da Terra são representados como incapazes de andar, ou claudicantes nos momentos de emergência. Portanto, a coluna 4 mantém com a coluna 3 a mesma relação que a coluna 1 tem com a coluna 2.

No exemplo dado no texto o Mito de Édipo78 é dividido em mitemas (ou unidades constitutivas) que seguem uma disposição:

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Lévi-Strauss, Claude. Op. cit., p. 244

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Cadmo procura sua irmã Europa, raptada por Zeus Cadmo mata o dragão Os Spartoi se exter- minam mutuamente Lábdaco (pai de Laio) = "coxo" (?) Édipo mata seu pai

Laio Laio (pai de Édipo) = "torto" ( ? ) Édipo imola a Esfinge Édipo = " pé inchado" ( ? ) Édipo esposa Jocasta,

sua mãe

Etéocles mata seu irmão Polinice Antígona enterra

Polinice, seu irmão, violando a interdição

O Mito de Édipo tem várias versões que, “oferecem entre si correlações significativas, que permitem submeter seu conjunto às operações lógicas por meio de simplificações sucessivas e de chegar finalmente à lei estrutural do mito considerado.”79

Um mito se compõe do conjunto das suas variantes e não existe uma mais verdadeira que outra. Ao aplicar o método de análise estrutural de um mito, deve- se considerar que todas as suas versões são igualmente importantes. O método consiste em “ordenar todas as variantes conhecidas de um mito em uma série, formando uma espécie de grupo de permutações, onde as variantes situadas em

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ambas as extremidades da série, oferecem, uma em relação à outra, uma estrutura simétrica, mas inversa. Introduz-se, pois, um início de ordem onde não havia senão caos e se ganha a vantagem suplementar de distinguir certas operações lógicas que estão no fundamento do pensamento mítico”80.

Em relação ao mito ainda podemos citar outros pontos importantes: a repetição do enredo e o número de camadas que compõem um mito. Quanto a questão da repetição, uma mesma seqüência pode ser duplicada, triplicada ou ainda quadruplicada. Esta repetição tem a função de tornar manifesta a estrutura do mito. Todo mito possui uma estrutura que transparece na superfície no e pelo processo de repetição.

Se o mito tem como função fornecer um modelo lógico para resolver uma contradição, podemos afirmar que mesmo tendo, teoricamente, um número infinito de camadas, cada qual ligeiramente diferente da que a precedeu, todas preenchem a mesma função em contextos diferentes, ou seja, revelar a estrutura do mito.

Sabemos que este texto serviu de referência para Lacan escrever O mito

individual do neurótico. O esquema de interpretação do Mito de Édipo usado por

Lévi-Strauss, que evidencia a disposição em camadas, a relação dos elementos e a repetição do drama, foi utilizado por Lacan para interpretar o caso do homem dos

ratos.

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