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2.1 Mudanças climáticas: controvérsias e evolução

2.1.2 A evolução dos acordos sobre as mudanças climáticas

Em 1972, em Estocolmo, na Suécia, foi realizada a primeira conferência mundial liderada pela ONU para discutir especificamente questões ambientais, onde se reuniram representantes de 113 países, tendo resultado na criação do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Em 1988, o PNUMA e a Organização Meteorológica Mundial (World Meteorological Organization) estabeleceram o IPCC, dentre cujas atribuições inclui-se o fornecimento de informações científicas para os formadores de políticas públicas, lançando periodicamente relatórios sobre as mudanças climáticas (TILIO Neto, 2009, p.117).

Vinte anos depois da Conferência de Estocolmo, acontece no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida pelos apelidos de ECO-92, RIO-92 e Cúpula da Terra. Com base nas

constatações do primeiro relatório do IPCC publicado em 1990, esse encontro marca o surgimento do acordo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, chamado de Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que entra efetivamente em vigor dois anos depois. Esse acordo não impõe limites obrigatórios de redução de emissões aos países, mas estabelece que esses limites sejam definidos em futuros protocolos.

A partir de 1995, os países envolvidos na Convenção passam a reunir-se em encontros denominados Conferência das Partes. Os primeiros encontros, COP-1 e COP-2, em 1995 e 1996 foram realizados, respectivamente, em Berlim e em Genebra. Considerada um dos encontros mais importantes na história da UNFCCC, a COP-3 foi realizada em Quioto em 1997. Essa importância deve-se ao fato de os países terem chegado a um documento consolidado sobre os princípios e mecanismos a serem adotados para combater o aquecimento global (SISTER, 2007, p.8). Esse documento ficou conhecido como Protocolo de Quioto e, dentre seus artigos mais importantes, o artigo 3 estabelece que os países que assinaram a Convenção da ONU sobre Mudança do Clima devem reduzir, entre 2008 e 2012, suas emissões poluentes na ordem de 5%, em média, em relação aos níveis verificados em 1990 (UN, 1998, p.4).

Jamison (2011, p.4) explica que a distinção entre a Rio-92 e o Protocolo de Quioto, é que, enquanto a primeira encorajou os países a reduzirem suas emissões, o Protocolo fez com que os países industrializados efetivamente se comprometessem com essas reduções. Em 2004, a Rússia torna-se o 126º. país a ratificar o Protocolo de Quioto, que entra em vigor em 2005 (HOFFMAN e WOODY, 2008).

Segundo a posição do IPCC, o grande desafio em relação às mudanças climáticas é fazer com que o aumento de temperatura não ultrapasse 2º C, ponto considerado limítrofe para grandes danos sociais, ambientais e econômicos. O plano britânico de reduções (HM GOVERNMENT, 2009, p.22) refere-se a eles como “sofrimento humano muito difundido, catástrofes ecológicas e instabilidade econômica”. Para conter o aumento da temperatura, as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas. As emissões no ano de 1990 foram adotadas como referência e, ao longo do tempo, as metas vêm sendo estabelecidas tomando-se como base esse parâmetro. O objetivo maior é que se atinja, até 2050, 50% das emissões de 1990. O Protocolo de Quioto é a primeira tentativa nessa direção, ainda que a meta de 5% de redução seja considerada conservadora nesse cenário.

Dentre as soluções propostas por Stern (2006, p.viii) para o atingimento dessas metas, incluem-se o aumento da eficiência energética, as mudanças na demanda e a adoção de

energia limpa e de tecnologias de aquecimento e transporte. Considerando-se o mundo como um todo, a geração de energia deveria ser 60% descarbonizada até 2050 para que os níveis de CO2 na atmosfera se estabilizassem nos níveis tidos como seguros.

Os países industrializados, que deveriam aderir a essa meta de redução de 5% de suas emissões até 2012, são listados no Anexo I do Protocolo de Quioto e, por esta razão, são frequentemente chamados de países do Anexo I. Bebbington e Larrinaga-Gonzalez (2008, p.701) explicam que os países em desenvolvimento não são obrigados a reduzir suas emissões nesse período em função do conceito de contração e convergência. Segundo esse conceito, aqueles que emitiram acima das taxas médias devem reduzir suas emissões enquanto os que estiveram abaixo da média podem aumentar suas emissões, até que as duas trajetórias encontrem-se em um nível de emissões considerado aceitável.

A questão da obrigatoriedade de metas para países em desenvolvimento é um dos pontos mais controversos discutidos no âmbito da Convenção. Desde a COP-10, ocorrida em Buenos Aires em 2004, os países desenvolvidos reivindicam a obrigatoriedade de metas para os países em desenvolvimento a partir de 2012 (TILIO Neto, 2009, p.120). A esse respeito, Stern (2006, p.vii) afirma que mesmo que os países desenvolvidos se responsabilizem por reduções de pelo menos 60%, ainda assim os países em desenvolvimento deverão tomar ações mitigatórias, viabilizadas a partir de investimentos originados nos mercados de carbono.

Novas oportunidades advindas de novas tecnologias de geração de energia limpa, bem como de produtos e serviços oriundos da economia de baixo carbono também se constituem em alternativas de novas formas de desenvolvimento, enfraquecendo a argumentação da não participação dos países em desenvolvimento nas responsabilidades de redução de emissões de gases de efeito estufa. Ao contrário, o crescimento econômico pode ser afetado ao se ignorar a questão das mudanças climáticas.

A posição dos países desenvolvidos baseia-se, principalmente, na relevância das emissões dos países em desenvolvimento. Como enfatizam Hoffman e Woody (2008, p.15),

“em julho de 2007, a China ultrapassou os Estados Unidos como o maior emissor de gases de efeito estufa [...]. Sem a participação chinesa e indiana nas reduções dos gases de efeito estufa, o progresso global será limitado”.

Os países em desenvolvimento, no entanto, argumentam tanto que sua responsabilidade histórica sobre a situação atual é reduzida, como que seu processo de desenvolvimento depende do crescimento econômico embasado nos processos produtivos já conhecidos e que têm como fator adverso a geração de gases de efeito estufa. A África do Sul, por exemplo, propõe que suas emissões atinjam o pico em 2025 e que suas reduções tenham

início em 2035 (BRINKMAN, 2010, p.6).

Ao longo da história das COPs, além da controvérsia sobre o estabelecimento de metas de redução para os países em desenvolvimento, a não adesão dos Estados Unidos ao Protocolo de Quioto também é um tema premente. No entanto, apesar de o governo norte-americano não assinar o Protocolo, várias iniciativas surgiram no país. Em dezembro de 2007, mais de 740 prefeitos assinaram o U.S. Mayors Climate Protection Agreement, com o objetivo de pressionar o Congresso a criar uma lei que estabeleça limites claros de emissões e instituir mercado de comercialização (HOFFMAN e WOODY, 2008, p.13). E em setembro de 2009, a EPA (Environmental Protection Agency) emitiu uma nova regra, requerendo que as grandes fontes de emissão (acima de 25.000 tCO2 ou mais) devem monitorar suas emissões em 2010 e reportá-las ao EPA em 2011, o que representaria cerca de 85% das emissões industriais norte-americanas (JAMISON, 2011, p.6). Além dessas, podem ser citadas as decisões da SEC que exigem a publicação de informações relativas às mudanças climáticas que têm impacto nos negócios (GRIFFIN, LONT e SUN, 2011, p.5).

Além da fixação de metas, o Protocolo de Quioto instituiu três mecanismos para implementação dessas metas, conhecidos como mecanismos de flexibilização, a saber:

Implementação Conjunta, Comércio Internacional de Emissões e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (BARBIERI, 2007, p.42). Bayon, Hawn e Hamilton (2007, p.3) resumem a importância desses mecanismos na medida em que permitem ajudar a reduzir as emissões de maneira mais eficiente em termos de custos, uma vez que podem simultaneamente punir quem emite mais que a cota estabelecida e recompensar quem emite menos.

A Implementação Conjunta (IC) prevê que os países pertencentes ao Anexo I possam transferir ou adquirir entre si unidades de reduções de emissões originadas a partir de novos projetos, ou seja, projetos de redução adicionais aos que existiriam de qualquer maneira (UN, 1998, p.6). Dessa forma, como elucida Sister (2007, p.11), os países do Anexo I podem compensar suas emissões adquirindo unidades de redução de outro país também pertencente ao mesmo grupo.

O Comércio Internacional de Emissões (CIE) permite que os países negociem seus limites de emissão entre si, desde que essa ação seja suplementar às ações de redução com as quais o país se comprometeu ao assinar o Protocolo de Quioto.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), por sua vez, permite que os países do Anexo I adquiram reduções de emissões de projetos executados em países não incluídos no Anexo I (UN, 1998, p.12). Sister (2007, p.13) considera que:

Em apertada síntese, o MDL consiste em uma forma subsidiária de cumprimento das metas de redução de emissão de gases de efeito estufa em que cada tonelada métrica de carbono deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera por um país em desenvolvimento poderá ser negociada com países com meta de redução, criando um novo atrativo para redução das emissões globais.

A implementação efetiva dos mecanismos de flexibilização propostos pelo Protocolo de Quioto dá-se nos mercados que, embora genericamente denominados “mercados de carbono”, têm diferentes enfoques. Em termos gerais, a finalidade desses mercados é transacionar dois tipos principais de títulos: permissões emitidas pelos governos signatários do Protocolo ou reduções efetivas advindas de projetos. Como descrevem Bayon, Hawn e Hamilton (2007, p.4), “o termo mercado de carbono refere-se à compra e venda de permissões de emissões que ou foram distribuídas por um organismo regulatório ou geradas por projetos de reduções de emissões”.

Nas transações baseadas em permissões, os créditos resultam de permissões criadas e alocadas por reguladores (dos países do Anexo I) em um regime de cap-and-trade, segundo o qual esses reguladores distribuem as cotas de emissão total entre os participantes do sistema.

As transações permitem a negociação entre os superavitários e os deficitários em suas respectivas cotas (BAYON, HAWN e HAMILTON, 2007, p.5).

Por sua vez, as transações baseadas em projetos são geradas a partir da Implementação Conjunta ou do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. As transações baseadas em projetos requerem certificações de terceiros, que verificam se as reduções são reais e se estão adequadas aos padrões dos mercados onde são negociadas.

Durante a COP-13, ocorrida em 2007, após a publicação do quarto relatório do IPCC e do relatório Stern Review, houve consenso entre os países participantes sobre a necessidade de redução de emissões para a estabilização do clima no limite de 2ºC acima dos patamares atuais, tendo criado o Roteiro de Bali, que representava a possibilidade de um novo acordo que vigoraria após Quioto em 2012 (TILIO Neto, 2009, p.122). Esse Roteiro estabelece responsabilidades comuns mais diferenciadas entre os países e gerou a expectativa de um tratado legalmente vinculante, que fosse acordado na COP-15, realizada em dezembro de 2009 em Copenhagem. Esse tratado, no entanto, não aconteceu, e os países concordaram em enviar planos nacionais individuais em janeiro de 2010, o que efetivamente ocorreu para muitos países. Brinkman (2010, p.2) resume essa evolução afirmando que os países passam a evoluir independentemente uns dos outros.

O IPCC tem sido a fonte principal de subsídios técnicos e científicos para as negociações dentro da Convenção-Quadro (TILIO Neto, 2009, p.125). No entanto, a partir de

um vazamento de e-mails de um dos líderes do IPCC, a veracidade das informações do IPCC vem sendo questionada, tornando-se alvo de controvérsias envolvendo os cientistas e suas universidades, representantes da indústria do petróleo, jornalistas e representantes dos países nas COPs (MONBIOT, 2010; JHA, 2010; LEITE, 2010; SOUSA, 2010).

Apesar dessas críticas ao IPCC, a COP-16, realizada em dezembro de 2010 em Cancún, os países concordaram em ter como meta a permanência em, no máximo, dois graus Celsius de aquecimento acima da temperatura atual. A Conferência concentrou-se sobre os objetivos práticos de recuperação da intenção de um novo acordo internacional. Dentre os elementos do Acordo de Cancún, incluem-se o compromisso dos países desenvolvidos com o planejamento de estratégias de redução de emissões e o reconhecimento das ações dos países em desenvolvimento para redução de emissões. Novas iniciativas e instituições foram lançadas com os objetivos de proteger os povos mais vulneráveis e de possibilitar a criação de mecanismos que permitam viabilizar econômica e tecnicamente o enfrentamento da questão climática nos países em desenvolvimento (UN, 2010).

Kolk e Pinkse (2004, p.304) atribuem ao Protocolo de Quioto o principal impulso para a mudança na estratégia das empresas em relação às mudanças climáticas. Segundo os autores, antes de Quioto, as empresas inicialmente tinham uma postura de oposição à mensuração e à regulação no setor. No entanto, na medida em que os países foram aderindo ao Protocolo, essa oposição foi sendo substituída por uma atuação de maior precaução e de maior busca por potenciais oportunidades.

Em função dessas discussões a respeito da participação dos países e seus posicionamentos quanto ao Protocolo de Quioto, podem-se estabelecer as hipóteses H1 e H2, descritas a seguir.

H1A: Empresas sediadas em países pertencentes ao Anexo I do Protocolo de Quioto emitem maiores volumes de gases de efeito estufa do que as demais empresas.

H1B: Empresas norte-americanas emitem maiores volumes de gases de efeito estufa do que as demais empresas.

Esse primeiro conjunto de hipóteses busca compreender as diferenças entre as emissões das empresas situadas em países com diferentes posicionamentos relativamente ao Protocolo de Quioto, ou seja, a) nos países industrializados que segundo o Anexo I do Protocolo de Quioto teriam obrigações de reduções, b) nos Estados Unidos que, apesar de pertencer ao Anexo I, não ratificou o Protocolo de Quioto.

H2A: Empresas sediadas em países pertencentes ao Anexo I do Protocolo de Quioto apresentam, em média, maior eficiência de carbono do que as demais empresas.

H2B: Empresas sediadas em países signatários6 do Protocolo de Quioto apresentam, em média, maior eficiência de carbono do que as demais empresas.

O segundo conjunto de hipóteses procura analisar se o Protocolo de Quioto teve efeito de eficiência sobre as empresas, ou seja, se as empresas pertencentes aos países que tinham obrigações de redução tiveram maiores reduções do que as empresas sediadas em países em desenvolvimento. Ao avaliar distintamente as empresas sediadas em países do Anexo I daquelas situadas nos países signatários, procura-se distinguir dois efeitos. No primeiro caso, é possível avaliar se o fato de o país pertencer ao Anexo I, independentemente de o país ser ou não signatário do Protocolo, já se constitui estímulo suficiente para que as empresas reduzam suas emissões. No segundo caso, avalia-se se, mesmo em países em que não existe a obrigatoriedade de redução (não pertencentes ao Anexo I), o fato de o país concordar com as regras do Protocolo constitui-se um incentivo suficiente para que as empresas reduzam suas emissões.