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A evolução do investimento público

3 PÓS-REFORMA E MOMENTO ATUAL

3.3 A evolução do investimento público

Apesar da transferência de diversos ativos ao setor privado durante a reorganização do setor de infra-estrutura, o poder público ainda desempenha papel fundamental. Após liderar o crescimento da economia no Pós Segunda Guerra Mundial, com investimento e controle de ativos em diversos setores, a capacidade de gasto público foi dramaticamente reduzida durante a década de 1980. Somente em meados da década seguinte uma recuperação é ensaiada. Todavia, ela não representou a volta aos níveis significativos de inversões públicas, mas a preparação para a venda dos ativos públicos no processo de privatização. Os investimentos públicos em infra-estrutura chegaram a representar 2,85% do PIB em 1996 contra 1,13% em 2003.

Num período atípico, como o aqui se examina, a decisão de investir nas empresas estatais e nas instituições do governo reúne simultaneamente, por um lado, a tradicional lógica pública, em suas diferentes combinações de noções de rentabilidade, criação de externalidades e mecanismos de financiamento de agências estatais, e, por outro, a regra da preparação para a privatização. Esta última freqüentemente privilegiou a receita fiscal, numa complexa e nem sempre favorável relação com as oportunidades existentes para a modernização e a expansão. Bielschowsky (2002, p. 18).

Dentre vários objetivos, as privatizações tiveram uma motivação fiscal, especialmente na primeira fase do PND. Esperava-se a redução de parcela considerável do déficit público, liberando recursos para investimentos em áreas prioritárias, tais como educação, saúde e setores de infra-estrutura que não despertassem interesses privados. Entretanto, os efeitos das privatizações foram suplantados por diversos fatores, dentre eles o aumento de gastos previdenciários, os ajustes patrimoniais e os elevados dispêndios com juros sobre a dívida pública. Adicionalmente, a estabilização trouxe desafios adicionais pela redução dos elevados ganhos de senhoriagem e pela forma como o sistema tributário estava estruturado. Parcela considerável das receitas era indexada, salva de corrosão inflacionária, possibilitando ao governo o ajuste financeiro através do controle de fluxos de pagamentos nominais. As NFSP Operacionais superaram a marca de 3,47% entre 1995 e 1998, ano que registrou o ápice: 6,87% do PIB, quando o pagamento de juros reais alcançou a marca de 6,88% do PIB. Naquele ano, a maior parte do estoque de dívida estava indexado à taxa Selic e ao câmbio, sofrendo os efeitos do overshooting da taxa de juros e da desvalorização cambial. A dívida líquida do setor público, em relação ao PIB, passou de 13,5% em 1991 a 50,5% em 2008, a despeito dos sucessivos superávits primários obtidos no período. O reconhecimento de dívidas, os famosos esqueletos, e flutuações cambiais desempenharam importante papel no

movimento de ampliação do endividamento, assim como a prática anterior à Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF de rolagem de dívidas de estados e municípios pelo Governo Federal.

Os resultados negativos desembocaram na adoção do Plano de Estabilização Fiscal, em 1998. O governo federal assinou acordo com o FMI e, entre as condicionalidades, estava prevista a geração de superávits primários que tornaram-se símbolos de compromisso com a austeridade fiscal e foram mantidos após a finalização do acordo com o fundo. Tendo o superávit como pilar, a política fiscal foi ajustada. O plano contemplou a renegociação de dívidas, a proposta da LRF (Lei Complementar nº 101) e a intenção da promoção de reformas estruturais (administrativa e da seguridade social) para ajustar os gastos no longo prazo. A grande novidade ficou por conta da LRF, em vigor desde 2000. Ela estabelece limites de gasto e endividamento e regula práticas, impondo sanções aos administradores que descumprirem seus termos. A lei permite coordenar as políticas fiscais nos três níveis do poder executivo, impedindo que o esforço fiscal do governo central seja anulado pelos municípios. Giambiagi (2008, p.6) insere a Lei de Responsabilidade Fiscal no conjunto de medidas que construíram um novo arcabouço institucional para a condução da política fiscal. Segundo o autor, a criação da Secretaria do Tesouro Nacional demarca o início dessa modernização institucional.

Apesar de reduzir consideravelmente a participação estatal no setor de infra-estrutura, a reforma teve alcance setorial diferenciado. Contrastando com o setor de telecomunicações, no qual a participação estatal é residual, grande parte da rede sanitária encontra-se sob gestão pública. Parcialmente influenciado por aspectos institucionais – marco regulatório e sistema financeiro, a configuração atual indica que cabe ao Estado papel-chave no desenvolvimento do setor de infra-estrutura. E, conforme verificado, mesmo com a melhoria dos indicadores fiscais, o Plano de Ação não possibilitou o retorno do investimento público a níveis próximos daqueles observados nas décadas de1960 e 1970, mesmo com a forte elevação da carga tributária. Portanto, qualquer projeto de recuperação do setor de infra-estrutura passa pelo ajuste das contas públicas que viabilize a expansão do investimento dos três níveis de governo.

A rigidez dos gastos é um desafio a ser superado para a obtenção do ajuste das contas públicas:

O problema brasileiro está mais relacionado à rigidez dos gastos que à obtenção de receitas. A própria Constituição Federal condiciona e determina parcela do gasto público, incluindo: 1) garantia de estabilidade de emprego aos servidores civis; 2) pensões, sob o regime geral de seguridade social, ou em condições diferenciadas para os servidores civis, calculadas e corrigidas de acordo com a inflação; 3) fixação de regras para a distribuição das receitas dos tributos entre os diferentes níveis de governo. 40 Afonso et al.(2005, p. 96).

De acordo com Giambiagi (2008, p. 19), “[...] a margem de incidência para a ação discricionária do Poder Executivo se limita a um montante da ordem de 1,0 % do PIB – com o que, é bom lembrar, é necessário fazer o Governo funcionar, uma vez que envolve recursos fragmentados de todos os Ministérios.” A discussão sobre o ajuste fiscal não é objeto deste estudo, mas a melhoria significativa demanda medidas arrojadas, sendo transferências de renda, pensões e previdência e gastos com juros da dívida pública os alvos naturais.

Naturalmente, maior o poder de mobilização de recursos de longo prazo do sistema financeiro, menor é a necessidade de recursos governamentais. Os desenvolvimentos institucionais recentes – PPP – potencializam as ações do setor público ao possibilitar a superação parcial das restrições decorrentes da escassez de recursos. Enquanto algumas parcerias foram firmadas em nível estadual, as PPPs ainda estão em fase incipiente na esfera federal. A falta de vontade política potencializa os riscos advindos da baixa qualidade institucional, em especial, da incerteza regulatória.

O principal obstáculo, porém, são as dúvidas sobre o marco regulatório, não apenas das próprias parcerias, como também das modelagens de setores estratégicos. Da carteira de 23 empreendimentos lançada em 2003, apenas 4 são considerados prioritários e somente 1 tem estudo de viabilidade e a modelagem concluídos. A demora e complexidade dos estudos e dos processos de licitação dificultam ainda mais a realização do projeto. Afonso et al. (2007, p.29).

A criação da EBP, com participação do BNDES e de agentes privados, é uma medida essencial para o funcionamento das PPPs.

Nos últimos anos, as medidas do governo foram antagônicas ao propósito de elevação do investimento público. O corte de investimento, na verdade, foi uma saída para implantar o ajuste fiscal. “[...] a percepção tem sido que há um desbalanceamento no ajuste das contas

40 “The Brazilian problem is more to do with expenditure rigidities than revenue earmarking. The Federal

Constitution itself conditions and determines public spending, including amongst others: 1) a large part of government payrolls, in guaranteeing job stability for the majority of civil servants; 2) all pensions, be they under the general regime of social security, or specific pensions for civil servants, by fixing the formula used to calculate them and correct them for inflation; and 3) setting the division of revenues from the main federal and state taxes amongst lower levels of government.”

públicas. A compressão dos investimentos tem sido a norma [...]” 41 Afonso et al. (2005, p. 80). A exclusão de determinados projetos do cálculo do superávit primário representou um avanço. De caráter pontual, a medida não ensejou debate acerca da contabilização e classificação dos investimentos. Projetos com elevadas taxas de retorno, por exemplo, merecem classificação distinta e, devido à sua viabilidade econômica, prescindem de recursos públicos. A própria Lei de PPPs, mesmo com suas imperfeições, atua nessa direção. Nessa linha, ao exprimir vontade política do Estado em reassumir papel ativo na expansão da infra- estrutura, o PAC indica o setor como alvo de ações estratégicas do governo. Contemplando medidas institucionais, o PAC é, fundamentalmente, um programa de obras públicas de infra- estrutura.