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1 ASPECTOS TEÓRICOS E INSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO

1.1 Aspectos microeconômicos

1.2.4 Finance e funding

O multiplicador keynesiano assegura o equilíbrio entre o investimento e a poupança. Se garantido em termos de fluxo, o mesmo não pode ser dito quanto aos estoques nos mercados de ativos e débitos.

Poupança refere-se a uma decisão intertemporal, abrangendo o montante e a forma na qual a renda será armazenada. Essa forma está intimamente relacionada à liquidez e à rentabilidade que, por sua vez, depende da preferência pela liquidez dos agentes. Em última instância, poupar significa demandar ativos. A fim de descrever a caracterização do processo de investimento e de seu financiamento, resta a introdução do conceito funding, que denota a transformação de obrigações de curto prazo em longo prazo, ajustando os prazos de maturação entre as obrigações e os fluxos de recebimento.

Inicialmente, a partir das proposições enunciadas anteriormente, a decisão de investimento - compra de bens de investimento com moeda - é realizada. Nessa primeira fase aparece o

finance e ocorre a criação de moeda para sustentar o gasto. No ativo dos bancos, há uma obrigação contra firmas tomadoras do empréstimo, enquanto em seu passivo há depósitos. Ainda, nenhum recurso real tal como renda ou poupança está envolvido. Como a produção não foi iniciada, não existe renda e, conseqüentemente, não há poupança. A firma assume uma obrigação de curto prazo com um ativo que se realiza no longo prazo, estando também vulnerável, já que enfrenta o descasamento entre seu ativo e seu passivo. Esse ajustamento, realizado com alongamento do passivo, caracteriza o funding. O finance inicia o processo, mas não sustenta o investimento.

Os candidatos naturais para o provimento de recursos são as poupanças geradas pelo próprio investimento. A questão passa a ser convencer as famílias, influenciar a alocação de poupanças. Novamente, retorna-se à dimensão institucional. Seu papel é acomodar o horizonte de aplicação de investidores produtivos e poupadores, permitindo o funcionamento do circuito financiamento-poupança-renda. A principal forma de alcançar esse objetivo é através da diversificação de ativos colocados à disposição de unidades superavitárias e da administração de estruturas passivas e ativas com diferentes horizontes de maturação. O

funding corresponde à compatibilização das decisões de poupar e de investir. Ao contrário da contraposição entre sistemas financeiros baseados em bancos ou mercados de capitais, o ideal é a presença de ambas as estruturas. Os bancos responderiam pelo finance, enquanto os mercados de capitais atenderiam o funding, formando os dois pilares do sistema financeiro, segundo Studart (1999). Essa natureza dual do sistema financeiro, responsável tanto pela intermediação financeira quanto pela criação de moeda, é mais explícita em sistemas financeiros segmentados, como o norte-americano anteriormente à eliminação do Glass

Steagal Act na década de 1990.

Portanto, o processo de funding é essencial para assegurar estabilidade ao sistema financeiro e a sustentabilidade do crescimento econômico. No entanto, a expansão da concessão de crédito, naturalmente, engendra a vulnerabilidade na economia, de acordo com a Hipótese da Instabilidade Financeira formulada pelo economista Hyman Minsky. Em termos conceituais, a economia migra de um padrão robusto para um padrão frágil de financiamento.

A descrição de um ciclo minskyano estilizado14 é oportuna por retomar os principais conceitos de economia keynesiana discutidos e ilustrar as conseqüências derivadas da fragilização dos balanços financeiros.

A robustez e a fragilidade estão relacionadas às estruturas financeiras das unidades econômicas. Na estrutura hedge finance as receitas esperadas superam as obrigações a cada período. Na especulativa, a unidade precisará em alguns momentos de empréstimos para cobrir juros, enquanto os empréstimos das unidades ponzi, em alguns instantes, serão superiores à necessidade de juros. Uma alta proporção de unidades com arranjos do tipo hedge finance caracteriza um arranjo robusto. Enquanto em um arranjo frágil, há uma baixa proporção de arranjos do tipo hedge e as unidades têm pouca margem de manobra face aos eventos futuros, por conta do alto grau de comprometimento dos seus fluxos financeiros. Suporemos inicialmente uma economia com um padrão de financiamento robusto e em crescimento para a realização de uma descrição estilizada de um ciclo minskyano típico. O bom cenário valida os compromissos e premia as estruturas mais alavancadas. A sensação de confiança leva ao relaxamento das margens de segurança e tanto o sistema financeiro quanto as unidades passam a aceitar uma maior exposição ao risco. A estrutura financeira muda na direção de uma maior alavancagem. Os preços dos ativos e o investimento sobem, o resultado positivo valida as posições financeiras das unidades. A proporção de unidades do tipo hedge cai em favor do aumento das unidades com arranjos financeiros dos tipos especulativo e ponzi, ampliando a vulnerabilidade da economia já que as unidades dependem do refinanciamento contínuo. Um evento que coloque dúvidas acerca da capacidade de pagamento futuro dos compromissos assumidos pelas unidades reverte as expectativas, e o sistema financeiro corta novos empréstimos. A queda na receita efetivamente auferida, inferior à esperada, transforma unidades hedge em especulativa e ponzi, e há forte risco de insolvência. Os condutores da política econômica respondem baixando os juros e injetando liquidez que muitas vezes não chega aos destinatários. Ferreira (2008, p. 168).

Logo, a inexistência de instituições que assegurem o funding redunda na fragilização da estrutura financeira das unidades econômicas, ampliando a vulnerabilidade da economia. Essa vulnerabilidade advém da elevada participação de unidades especulativa e ponzi, dependentes de empréstimos para assegurar a solvência. Na inexistência funding, devido ao descasamento entre o prazo de maturação do investimento e os fluxos de pagamento dos serviços da dívida contratada, os investimentos em infra-estrutura exigem constantes refinanciamentos, estando sujeitos a eventos que revertam as expectativas e interrompam o processo de concessão de novos empréstimos.

Ao controlar a concessão de crédito – volume, taxas e prazos -, os bancos estendem sua influência às avaliações de rentabilidade e, conseqüentemente, ao investimento da economia. Nesse sentido, é essencial compreender anomalias associadas à concessão de crédito. Talvez aquela que mereça maior destaque na literatura, o racionamento de crédito, decorrente da assimetria de informação entre o banco e o empreendedor, será alvo de apresentação na seção subseqüente.