• Nenhum resultado encontrado

4 CRIAÇÃO DA CONAB, MODIFICAÇÕES DA PGPM E OS PROGRAMAS

4.2 Modificações da PGPM no período 1990/2003

4.2.2 Modificação da PGPM: segunda fase 1996/97-2003

4.2.2.1 A execução da PGPM: segunda fase 1996/97-2003

A operacionalização da PGPM com os instrumentos tradicionais (AGF e EGF) conjugados com os novos instrumentos (PEP e COVPA) refletiu a nítida intenção do governo em direcionar a política de preços para um cenário de restrição fiscal e de abertura comercial, fato evidenciado por meio dos estoques públicos. Os estoques públicos, que comumente eram abundantes e sinônimos para regularização da oferta ao longo do ano-safra, começam gradativamente a ter relevância cada vez menor para atingir o objetivo a que foram propostos, acentuando-se com a integração comercial no final da década de 1990.

Diante desse panorama, a posição dos estoques públicos dos principais produtos amparados pela PGPM assume tendência cadente, intensificando-se no início dos anos 2000 (vide Tabela 17). Os casos do arroz e do milho, que comumente apresentaram estoques abundantes durante os trinta anos de vigência da política de preços mínimos, refletiram essa realidade. Entre os anos-safra 1997/98 e 2003/04 os estoques do arroz diminuíram 99,8% e os do milho 99,9%. Junto com a redução dos estoques públicos, o mercado de arroz e milho aumentou as relações comerciais internacionais no período referido, sendo que o mercado do milho aumentou a importação em 180% e o do arroz em 153% (MDIC/SECEX, 2012). Essa situação demonstra, portanto, que, no cenário econômico de liberação comercial, não haveria mais sentido investir na manutenção de estoques públicos, pois esses seriam adquiridos dos países com oferta abundantes de commodities caso houvesse necessidade de abastecimento. Essa evidência torna-se mais expressiva quando se verifica que alguns dos tradicionais produtos amparados pela PGPM no período referido tiveram, em especial, posição de estoques públicos zerados, a exemplo do trigo.

Tabela 17 – Posição dos estoques públicos dos principais produtos da PGPM (em tonelada)

Safra Algodão Arroz Feijão Milho Trigo Soja

1997/98 783 687.688 74.583 3.592.622 54.100 ... 1998/99 70.891 170.253 1.266 2.835.104 22.061 ... 1999/00 85.616 863.070 52 721.298 0 ... 2000/01 11.907 1.052.611 420 186.550 0 ... 2001/02 51.073 833.906 2 1.398.392 0 ... 2002/03 51.554 245.686 0 97.507 0 ... 2003/04 11.130 1.320 0 50.309 0 ...

Fonte: elaborado a partir dos dados da CONAB (2012) Nota: ... Dado numérico não disponível

Tendo em vista a utilização dos instrumentos tradicionais (AGF e EGF), esse segundo período demonstrou seguir a tendência declinante verificada desde meados da década de 1990, fato coerente, portanto, com o novo cenário econômico. Em termos de AGF, verificaram-se dois momentos distintos no período de 1997/98 a 1998/99 (vide Tabela 18). No primeiro momento (1997/98 a 2000/01), a ativação da AGF ainda foi relevante para culturas como algodão, arroz e milho. Para o arroz, por exemplo, a AGF teve importância em todos os anos desse período, atingindo, no ano-safra 1999/00, inclusive, 5,5% da produção total. Por outro lado, a partir do ano-safra 2000/01, a intervenção da AGF na produção nacional tornou-se irrelevante, atingindo a participação máxima de 0,8% e 0,6% para algodão e arroz, respectivamente. Para os demais produtos analisados, feijão, milho, soja e trigo, a AGF sequer foi ativada. Cabe lembrar, como visto, na época de protecionismo econômico, a exemplo da década de 1980, que a AGF comumente era ativada, chegando a abranger 72,6% da produção do arroz no ano-safra 1980/81.

A utilização do EGF na segunda etapa seguiu perdendo relevância, sendo, entretanto, mais utilizado que a AGF. A importância do EGF na produção agrícola dos principais produtos da PGPM centrou-se mais nas culturas do algodão, atingindo 14,9% da produção 2002/03, e do trigo, chegando a 9,6% (1997/98). Convém salientar, que, na fase anterior (1990/91 a 1995/96), os empréstimos governamentais via EGF contemplaram 87,5% da produção total do trigo (1993/94) e 40,4% da produção do milho (1990/91).

Tabela 18 – Participação dos instrumentos AGF e EGF em relação à produção nacional total do produto (em %)

Safra Algodão Arroz Feijão Milho Soja Trigo

AGF EGF AGF EGF AGF EGF AGF EGF AGF EGF AGF EGF 1997/1998 17,0 4,4 1,9 0,9 0,1 0,0 3,7 0,6 0,0 0,7 2,8 9,6 1998/1999 0,1 5,6 3,7 3,4 1,0 0,0 0,5 0,6 0,0 0,3 0,0 6,0 1999/2000 0,0 0,0 5,5 0,0 3,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 2000/2001 1,4 0,0 2,5 0,0 0,0 0,0 4,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 2001/2002 0,8 4,9 0,6 3,9 0,0 0,0 0,0 2,8 0,0 0,2 0,0 7,2 2002/2003 0,0 14,9 0,0 1,0 0,0 0,0 0,0 0,3 0,0 0,1 0,0 0,9

Fonte: Elaborado a partir dos dados da CONAB (2012)

Em termos da importância dos novos instrumentos na produção total das principais culturas contempladas pela PGPM, observou-se nítida concentração, na cultura do algodão, tanto de PEP como de COVPA (vide Tabela 19). No ano-safra de 1997/98, por exemplo, o PEP e o COVPA representaram 44,1% e 25,2%, respectivamente, da produção total de

algodão. A respeito do PEP, com exceção para o caso específico do algodão, sua atuação nos principais produtos contemplados (algodão, milho e trigo), de forma geral, não foi tão intensiva. A utilização máxima do PEP, no caso do milho, por exemplo, representou apenas 2,4% da produção total (2000/01), enquanto, no caso da AGF, no mesmo ano, abrangeu 4,2% da produção. O trigo teve a ativação do PEP em apenas dois anos específicos: 1999/2000 e 2002/03.

Tabela 19 – Participação dos instrumentos PEP e COVPA, nas principais culturas da PGPM, em relação à

xxxxxxxxx produção nacional total do produto (em %)

Fonte: Elaborado a partir dos dados da CONAB (2012).

A baixa utilização do PEP para trigo e milho, contudo, pode ser explicada, em parte, pela concentração da produção em regiões perto de mercados consumidores. O trigo teve comumente 90% da produção nos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, enquanto o milho centrou a produção (70%) comumente nos estados: Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A intensiva utilização do PEP na produção do algodão justificou-se por localizar-se em regiões de fronteira, comumente 70% da produção nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, nos períodos 1996/97 e 2003/047.

Os contratos via COVPA dos principais produtos amparados (algodão, arroz e milho) tiveram maior importância na produção do que via PEP. O milho, por exemplo, teve a execução do COVPA em quase todos os anos e sua intensidade, em relação à produção total da cultura, foi maior do que a da AGF. No ano-safra 2000/01, enquanto a utilização do EGF na produção do milho representou 4,2%, o COVPA expressou 5,5%. Um fato interessante observado, e até contraditório, foi o de que os novos instrumentos (PEP e COVPA) não reduziram, em determinados anos-safra, a importância da utilização dos instrumentos

7 Vide Apêndices A, B, C, D, E, F.

Safra Algodão Arroz Feijão Milho Soja Trigo

PEP COVPA PEP COVPA PEP COVPA PEP COVPA PEP COVPA PEP COVPA

1996/1997 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1,2 1,5 0,0 0,0 0,0 50,2 1997/1998 41,4 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,2 0,0 0,0 0,0 0,0 2,8 1998/1999 44,1 25,2 0,0 4,5 0,0 0,0 0,7 1,1 0,0 0,0 0,0 0,0 1999/2000 35,1 9,6 0,0 7,3 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 17,0 0,0 2000/2001 33,7 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 2,4 5,5 0,0 0,0 0,0 0,0 2001/2002 30,0 0,0 0,0 5,8 0,0 0,0 0,0 5,1 0,0 0,0 0,0 0,0 2002/2003 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 3,6 0,0 0,0 9,8 0,0

tradicionais (AGF e EGF). Houve momentos em que o governo, inclusive, conjugou a intervenção no mercado com os novos e velhos instrumentos, na mesma Unidade da Federação, de forma intensiva, demonstrando, portanto e novamente, a dificuldade em operacionalizar os instrumentos da PGPM, fato constatado também na etapa anterior. O milho, por exemplo, ilustra esse caso. No ano de 1997, a CONAB ativou a AGF e o PEP para retirar o milho no estado de Goiás, sendo que o primeiro instrumento representou 47,08% e o segundo 47,38% do total utilizado pelo governo na operacionalização desses mesmos instrumentos para o milho. É importante ressaltar, contudo, que a lógica da introdução dos novos instrumentos consistia em diminuir os recursos despendidos pelo Governo Federal na comercialização agrícola, ao mesmo tempo em que era incentivada a ação da iniciativa privada na comercialização.

A distribuição do instrumento AGF por estado e sua respectiva participação na produção dos principais produtos amparados pela PGPM, exceto trigo, seguiu o direcionamento da etapa anterior, com a CONAB ativando-o em casos pontuais, sobretudo em regiões de fronteira.8 O arroz e o milho, por exemplo, ilustram essa situação. O estado do Mato Grosso canalizou 100% dos contratos de AGF da produção do arroz em 2002 e o estado de Goiás representou 56,7% de AGF na produção de milho em 2001.

No que concerne aos novos instrumentos, especificadamente o COVPA, este teve atuação mais concentrada nas regiões de grande mercado consumidor, para arroz, e região de fronteira, para algodão e milho. O arroz teve comumente, no período analisado, 80% da utilização do COVPA centrada no estado do Rio Grande do Sul; o algodão teve a concentração do COVPA próxima de 60% nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás; e o milho teve comumente o uso de 60% do COVPA, como o algodão, nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, durante os períodos 1996/97 e 2003/04. O PEP, com exceção do trigo, teve sua atuação em regiões que de fato necessitassem de incentivo para o escoamento da produção, isto é, regiões de fronteiras. O estado de Goiás, por exemplo, deteve 100% da utilização do PEP na produção do milho no ano-safra 1999/00.

Cumpre observar que o uso da AGF, em termos de importância na produção nacional do produto, como se observou na fase anterior (1990/91 a 1995/96), nem sempre era parâmetro para maior intervenção governamental. Esse foi o caso, novamente, do milho, por exemplo, que, no ano-safra 1997/98, no estado do Mato Grosso, representou 3,2% da produção nacional do grão, sendo que a absorção de recursos da PGPM via AGF foi de

56,86% do total utilizado para a cultura no ano-safra. Observou-se também que, nos estados do Nordeste e Norte, a PGPM praticamente foi inoperante via AGF no mesmo período.

Os novos instrumentos (PEP e COVPA), da mesma forma que a utilização da AGF, nem sempre eram ativados conforme a importância na produção nacional da cultura. O estado do Paraná, no ano 2000, por exemplo, representou 40,47% da produção nacional do trigo e a ativação do COVPA foi de apenas 3,76% da absorção desse instrumento para o trigo. Como ocorreu com o instrumento tradicional (AGF), os estados do Norte e do Nordeste foram praticamente marginalizados na operacionalização da PGPM com os novos instrumentos9.

Em face das modificações na operacionalização da PGPM nessa segunda fase, 1996/97 e 2003/04, observou-se, de fato, que o intento da CONAB foi seguir a adequação, iniciada na etapa anterior, 1990/91 e 1995/96, em moldar a política de preços mínimos aos preceitos de austeridade fiscal e liberação econômica. Convém esclarecer, por exemplo, que o PEP, conforme Stefanelo (2005), foi lançado justamente devido à dificuldade enfrentada pela CONAB na comercialização da produção interna do trigo, em função da queda do preço internacional do cereal, que tornava o preço (Cost Insurance Freight – CIF) do produto importado inferior ao preço mínimo vigente para o produtor nacional. Da mesma forma, o COVPA buscava, além de resguardar o produtor das oscilações de preços internacionais, inserir um mecanismo que não representasse dispêndio imediato de recurso por parte do Tesouro Nacional. Como resultado, observaram-se a retração dos instrumentos tradicionais (AGF e EGF) em relação à produção, a diminuição dos estoques públicos e, aos poucos, a presença de uma nova dinâmica na intervenção dos mercados dos principais produtos amparados pela PGPM.

Essas evidências demonstraram que a PGPM atingira, de certa forma, o ápice de sua atuação nos modelos tradicionais, necessitando, portanto, cada vez mais, de atuação em grupos específicos mais desprotegidos, para garantir a renda do produtor em face da restrição fiscal e da liberalização comercial, tal qual iremos verificar. Aliás, cabe enfatizar que, entre os objetivos da CONAB, conforme a Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, já estava explícita essa ideia de “... garantir ao pequeno e médio produtor os preços mínimos e armazenagem para guarda e conservação de seus produtos”.

No final do período 1996/97–2003, fica evidente que a lógica da atuação da política de preços mínimos estava sendo construída, de forma que os produtores, especialmente os

grandes, se direcionassem à competitividade internacional. O excesso de produção seria exportado e a necessidade de abastecimento interno seria atendida pelo aumento das importações. Diante desse panorama, pode-se afirmar que a política de preços mínimos que vigorou no Brasil desde 1951, orientada para antecipar e garantir o preço de equilíbrio entre as estruturas de oferta e demanda para a época da colheita, sem que o produtor pagasse um ônus para ter acesso aos seus instrumentos, conforme Oliveira (1997), estava cada vez mais comprometida.