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A pecuária bovina aportou no Brasil em data incerta, mas certamente não tardia. Os primeiros animais chegados ao Brasil descendiam de bovinos camíticos – raça de chifres compridos, amansada no norte da África há pelo menos 6.000 anos e espalhada pela Europa desde então. Estes primeiros animais permaneceram atrelados à economia colonial como fontes de alimentos, de couro e de força de tração, vinculados ao setor açucareiro, inclusive no que dizia respeito a sua localização (FURTADO, 2002).

Com a necessidade de maximização da produção açucareira nas áreas litorâneas, foi estabelecida no sertão nordestino brasileiro uma pecuária extensiva baseada em grandes estabelecimentos (GIRARDI, 2008). Os primeiros locais de expansão da pecuária ficam nos atuais estados de Pernambuco e Bahia, mas ela se expandia na medida em que evoluía a produção açucareira. Em meados do século XVII, a criação de gado já alcançava o interior da colônia, inclusive o rio São Francisco, logo atingindo regiões do Piauí, Maranhão e Tocantins. Para atender à crescente demanda vinda dos centros de mineração, durante o século XVIII o gado se espraiou também pelos campos de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

Segundo Furtado (2002), no Rio Grande do Sul o gado disperso depois da destruição das reduções jesuíticas pelos bandeirantes teve importante papel na conquista territorial. Dadas as excelentes condições para a sua expansão natural, o gado se bestificou e alcançou extraordinária densidade populacional. No século XVIII, a produção de açúcar

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diminuiu e a mineração foi a alternativa de Portugal para explorar sua colônia. A expansão da mineração de pedras preciosas e ouro estendeuEse pela Bahia, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. A pecuária e a agricultura acompanharam a mineração e também se intensificaram nessas regiões juntamente com a atividade de mineração. No início do século XIX, a pecuária no sertão nordestino decaiu devido às secas e a região Sul passou então a ser importante fornecedora de charque, em substituição ao Nordeste brasileiro. Com o surgimento da indústria do charque, a pecuária sulista se fortaleceu com o aproveitamento integral do gado, o que consolidou a expansão da criação bovina no território brasileiro. Foi também no último quartel do século XIX que a extração de borracha se expandiu na região amazônica, para onde houve um grande fluxo de migração nordestina, que trouxe consigo a cultura da criação de gado, mas de modo extensivo e pouco impactante (FURTADO, 2002; GIRARDI, 2008).

O processo de expansão de fronteiras de ocupação que marcou a história territorial do Brasil colonial e imperial continua ainda hoje. Nas últimas décadas, ela passou a incorporar porções da Amazônia de tal forma que nessa região podemos falar de uma situação de fronteiras perenes (LITTLE, 2002). Para Sawyer (1999), dáEse o contrário, pois para ele o impulso de fronteira de expansão já se esgotou, restando apenas determinadas regiões amazônicas nas quais o impulso de fronteira de expansão encontravaEse latente, como no caso da BRE163.

Assim, a pecuária na Amazônia era praticamente inexpressiva antes da década de 1950 (SMERALDI & MAY, 2008). Até a década de 1960, a pecuária era ali praticada apenas em campos naturais de seis regiões: os “lavrados” de Roraima, Rondônia e Amapá, os campos aluviais do médio e baixo Amazonas e os do Marajó, e os campos seminaturais às margens do rio Acre (VILLELA, 1966). Conforme Pádua (2000), visando estabelecer uma “presença brasileira” local, aumentar o contingente populacional e inibir a “cobiça” internacional sobre a região, a partir da década de 1970, o governo federal priorizou o estabelecimento da atividade pecuária na Amazônia.

A primeira leva de capitalistas que se estabeleceu na Amazônia alcançou resultados pífios em termos de produtividade e fixação humana na região, ao mesmo tempo em que promoveu impactos ambientais severos. Aliado ao fracasso inicial, o “modelo” de colonização aplicado pelo regime militar não equacionou os níveis populacionais amazônicos em relação ao restante do país, fortaleceu um estado de anomia na região (trabalho escravo, prostituição infantil, devastação ambiental, grilagem e outras atividades predatórias e ilegais), exacerbou o discurso internacional sobre a o desprezo brasileiro pelo seu patrimônio natural de importância planetária, e intensificou fortemente a dependência econômica da região ao capital externo, via exportação de (PÁDUA, 2000). Diante dos resultados econômicos, populacionais e ambientais negativos e das expectativas

geopolíticas frustradas, nos idos da década de 1990 o governo federal cortou os subsídios financeiros e incentivos fiscais. Porém, nesse momento as taxas de retorno da pecuária na Amazônia incentivavam os pecuaristas a continuar e até expandir a sua atividade, uma vez que era o meio mais rápido de se obter o controle privado da terra. Além disso, a atividade pecuária já contava com dinâmica própria, não sendo mais tão dependente de subsídios governamentais (MATTOS & UHL, 1994; MARGULIS, 2004).

Entre 1977 e 2007, o rebanho bovino brasileiro aumentou 86,17%, passando de 107 milhões para quase 200 milhões de cabeças, possibilitando que o Brasil se tornasse o maior exportador mundial de carne bovina (USDA, 2006). 35,12% desse crescimento ocorreu na Amazônia Legal, cujo rebanho cresceu 308,20%, saltando de 17 milhões (16,02% do total nacional em 1977) para 70 milhões de cabeças (35,12% do total nacional em 2007).

Segundo Arima, Barreto e Brito (2005), o crescimento do rebanho bovino na Amazônia Legal estimula o crescimento econômico da região, mas também gera preocupações e efeitos ambientais. Nas três últimas décadas, ao mesmo tempo em que cresceu o efetivo do rebanho bovino na Amazônia Legal, ele caiu no restante do Brasil (Gráfico 3). Segundo Smeraldi & May (2008), entre os anos 2003 e 2007, de cada quatro cabeças adicionais de gado no Brasil, três são oriundas da Amazônia.

Gráfico 3: Efetivos do rebanho bovino na Amazônia Legal e no restante do Brasil (1974 – 2007). Fonte: Pesquisa Pecuária Municipal, IBGE. Elaboração do Autor.

Smeraldi & May (2008) demonstram que a tendência de “amazonificação” da pecuária nacional deve continuar. Eles informam sobre iniciativas de grandes grupos financeiros de investir em produção pecuária na AML, inclusive com captação de recursos em fundos internacionais. O incremento do rebanho na Amazônia é resultado principalmente de assimetrias no preço de terras no país, deslocamento de rebanho por atividades agrícolas no Sudeste e parte do CentroEoeste, assim como da implantação de pastagens

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melhoradas em solos férteis, dos ganhos de produtividade da pecuária e do sucesso do controle da febre aftosa e da adoção de tecnologias de intensificação e manejo (NEHMI FILHO, 2005; SMERALDI & MAY, 2008; BARRETO; PEREIRA; ARIMA, 2008). Por sua vez, os efetivos do rebanho bovino situados nas pastagens fora da Amazônia estão caindo basicamente por causa da substituição da pecuária por culturas mais rentáveis, como canaE deEaçúcar, algodão e grãos.

No entanto, apesar de atualmente ter o maior rebanho comercial do planeta, os índices de produtividade da atividade pecuária na maioria das propriedades brasileiras são considerados baixos. Segundo Costa (2008) e Furtado (2002), diversos fatores contribuem para isso: baixa produtividade e qualidade das forragens, inexistência de práticas de manejo, degradação de grandes áreas de pastagens e a criação de animais de baixo potencial produtivo.

O Brasil é atualmente o segundo maior exportador de carne bovina do mundo, embora o consumo nacional seja significativo. A pecuária bovina é predominantemente extensiva e é correntemente utilizada como forma de manter a posse da terra pela justificativa de produtividade. Porém, os pecuaristas que intensificam as suas atividades podem conseguir rendimentos até dez vezes maiores do que os obtidos por pecuaristas extensivos. O rebanho bovino encontraEse atrelado às grandes propriedades rurais e a criação de aves é vinculada principalmente nos pequenos estabelecimentos, onde a criação é feita com uso de mãoEdeEobra familiar (MATTOS & UHL, 1994; GIRARDI, 2008).

Segundo Costa (2008), a pecuária no Brasil é, com raras exceções, considerada uma atividade de segundo plano em relação à agricultura, quer pelo baixo valor econômico das áreas destinadas às pastagens e ao manejo (se comparado às áreas agrícolas), quer pela criação de animais de baixo potencial genético, sem manejo nutricional e sanitário adequado. Entretanto, conforme Girardi (2008), na Amazônia Legal a pecuária bovina tem grande peso na produção agropecuária e mantém sintonia com a agricultura, pois é estrategicamente praticada em áreas recémEdesflorestadas, que em seguida se tornam áreas do agronegócio.