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Vista a partir do cosmos, a PanEAmazônia corresponde a um vinte avos da superfície terrestre do planeta, dois quintos da América do Sul e quase três quintos do Brasil. Contém um quinto da disponibilidade mundial de água doce e um terço das reservas mundiais de florestas latifoliadas, mas somente 3,5 milésimos da população mundial (BECKER, 1990). Ao longo dos séculos, a ocupação humana da Amazônia foi condicionada por fatores de ordem geográfica (fatores naturais) e histórica (dimensão conjuntural) e consolidada ao longo de duzentos anos de exploração de um reduzido conjunto de produtos oriundos da floresta (MENDES, 1971). Pádua (2000) identificou quatro padrões históricos de ocupação populacional na Amazônia, correspondentes a diferentes graus de destrutividade ambiental:

(i) sociedades paleoindígenas e indígenas; (ii) sociedade colonial européia;

(iii) a sociedade voltada para a extração da borracha, o primeiro produto amazônico a fazer parte da moderna acumulação capitalista; e

(iv) a ocupação predatória geopoliticamente orientada, promovida no início dos anos 1970 pelo governo militar.

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mantenham uma relação aparentemente sustentável com a floresta, elas promoveram severas modificações ambientais, como a extinção de algumas espécies da macroEfauna, mudanças na biogeografia de plantas e animais e a construção de novas paisagens (PÁDUA, 2000). Segundo Ballée (1989, PÁDUA, 2000), as paisagens fortemente alteradas por essas sociedades somariam pelo menos 11,8% das florestas de terra firme do bioma Amazônico.

Ao longo de poucos séculos, a colonização européia produziu um novo e radicalmente distinto padrão histórico de ocupação e apropriação dos recursos amazônicos. Em primeiro lugar, ela despovoou radicalmente a Amazônia, por meio de doenças contagiosas, escravidão, guerras, conversão religiosa e agrupamento dos indígenas em aldeias sob controle europeu. Esse padrão, ligado a uma drástica queda da população, foi bastante limitado em termos de impacto destrutivo direto sobre a floresta, principalmente por causa da escassez de colonizadores europeus e de bens naturais de grande valor a serem explorados. Conforme Pádua (2000), basicamente até o final do século XIX, as estruturas sociais de colonização fundamentaramEse em três elementos. O primeiro foi a garantia de um domínio políticoEmilitar centrado na ocupação da rede fluvial; o segundo foi a subjugação dos povos indígenas, baseada no estabelecimento de uma densidade populacional mínima e sob controle do colonizador; o terceiro foi o estabelecimento de uma economia baseada na extração seletiva de alguns componentes da floresta, como madeiras de alto valor comercial e “drogas do sertão” (anil, baunilha, cacau, canelaEdoEmato, castanhaEdoEpará, cravo, guaraná, óleo de copaíba, pauErosa, pimenta, puxuri, salsa, salsaparilha e urucum).

A colonização da Amazônia até o século XIX originou uma população mestiça formada de pescadores, coletores, pequenos plantadores e comerciantes. Foi a extração do látex que, pela primeira e única vez, promoveu uma ocupação hegemônica de boa parte do espaço amazônico, deixando de fora apenas os locais onde não ocorria a seringueira () ! ). A migração nordestina, estimulada pelo empreendimento de extração da seringa, se expandiu da foz do rio Amazonas até os limites do território brasileiro com a Colômbia e o Peru, e até para além deles, no caso da Bolívia, fazendo crescer de forma significativa a população regional pela primeira vez desde meados do século XVI. Com a queda do preço internacional da borracha e a perda dos mercados mundiais consumidores do látex, consequências da crescente produção das no Sudeste Asiático, ocorreu a partir da década de 1910 um ponto de inflexão na ocupação regional, que de novo perdeu drasticamente população, produção e receitas (DEAN, 1989; PÁDUA, 2000; FURTADO, 2002).

Depois de uma efêmera e fraca recuperação populacional e produtiva durante a Segunda Guerra Mundial, disparada pelos bloqueios dos japoneses ao provimento dos seringais asiáticos (DEAN, 1989; NITSCH, 2002), o espectro de “abandono” da fronteira

amazônica nas décadas de 1950E1960 levou o governo a promover uma ocupação predatória da região, levada a cabo de modo radical (PÁDUA, 2000).

Antes de 1960, as principais ocupações humanas na Amazônia concentravamEse exclusivamente nas calhas dos grandes rios da região (Amazonas, Madeira, Negro, Tapajós e Tocantins), realidade modificada a partir de forças exógenas que conduziram à desarticulação regional baseada nos aspectos geográficos e na formação histórica de seu povoamento (GOMES & VERGOLINO, 1997). Estas forças exógenas se materializaram na virada da década de 1960 para 1970, quando a preocupação do regime militar com o “vazio demográfico” amazônico impôs uma ocupação regional voltada à integração nacional, levada a termo pela criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), em 1967, pela implantação de infraEestrutura rodoviária a partir de 1971 e pela disponibilização de créditos para colonização via agricultura e pecuária a partir da década de 1970.

Mesmo depois do fim da ditadura militar, a geopolítica militar continuou prevalecendo na Amazônia. O projeto Calha Norte, no governo de José Sarney, e o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), no governo de Fernando Henrique Cardoso, retratam esta continuidade (OLIVEIRA, 2005). Por sua vez, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), no governo de Luis Inácio Lula da Silva, tem dado continuidade à visão de crescimento da produção e da integração da Amazônia a qualquer custo.

Conforme Drummond (1992), a Amazônia está repleta de fatores desestimulantes para a fixação de sociedades humanas sedentárias (nãoEitinerantes) de outras regiões do país, tais como enchentes periódicas, solos pobres, fauna e flora dispersas. Mesmo assim, a região da Amazônia Legal evoluiu de uma população de 5,4 milhões de habitantes em 1960 para 11,2 milhões em 1980, até atingir 22,5 milhões em 2004. A maioria dessa população (73%) reside nas cidades, refletindo as dificuldades de viver no meio rural. Em 1970, a situação era inversa: apenas 36% dos habitantes da região eram urbanos. Entretanto, o crescimento demográfico amazônico não impediu que a Amazônia brasileira se mantivesse como a área menos povoada do país, com apenas 12,83% da população nacional em seu grande território, conforme dados do censo de 2007 (IBGE, 2008).

3.3.1 Variáveis consideradas na dinâmica populacional

Dados populacionais e as suas variáveis são utilizados como explicativos das taxas do desmatamento, tanto na Amazônia brasileira e internacional quanto nas florestas tropicais nãoEamazônicas (por exemplo, REIS & MARGULIS, 1991; ANGELSEN & KAIMOWITZ, 1999; RODRIGUES, 2004). Seguindo as condicionantes orientadoras da obtenção de variáveis para a agricultura e pecuária (quais sejam: Amazônia Legal, abordagem municipal e período de 2002 a 2007), foi utilizado como variável a população

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realizadas a pedido do Tribunal de Contas da União (TCU). Outras duas variáveis populacionais foram geradas no âmbito deste trabalho: a densidade populacional (razão entre a população municipal e sua área territorial) e o crescimento populacional (diferença percentual da população municipal entre anos subsequentes).