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A EXPANSÃO DAS ATIVIDADES TURÍSTICAS NO SESC-SP

CAPÍTULO 3: A “INVENÇÃO” DO TURISMO SOCIAL E O SESC-SP

3.2. A EXPANSÃO DAS ATIVIDADES TURÍSTICAS NO SESC-SP

O BITS [atual OITS] foi fundado em 1963, como uma dissidência da Organização Mundial do Turismo que era ligado a ONU, uma dissidência e fundada basicamente por europeus; aí eu estava lá, foi o encontro de abertura, foi numa sala na Grand Place, na Bélgica, [...]. Estava lá toda a cúpula da Europa inteirinha e tava da América eu e o Teves Tanbré, que era um rapaz do Vacances Family. E ele começou a falar, o Secretário Geral era um belga e fazia discursos, 25 anos do BITS, não sei o quê e intercalava a música, e aí no meio de todo mundo, todas as autoridades da Europa, ele menciona eu e o Tanbré porque erámos diferentes, era a América lá. Então nós dois fomos os únicos nominados no discurso do secretário porque para eles era um avanço conseguir alguém da América chegando lá, né.

Dionino Colaneri - profissional aposentado do Sesc, durante a década de 1980 foi membro do conselho administrativo da OITS e vice- presidente da OITS-Américas - lembrando do discurso do secretário geral da OITS em 1988, ressalvando o Sesc e um outro programa de turismo social do Canadá.

Em 1979 o Sesc-SP adere aos princípios estabelecidos na famosa Carta de Viena, também conhecida como Carta do Turismo Social, adotada pela OITS (na época Bureau) em 1972. Dois princípios fundamentais estão enunciados na declaração, considerada o principal documento referente à política de turismo social no mundo, servindo de guia de ação para todas as entidades que desenvolvem esta modalidade de turismo: 1) o turismo é parte integrante da vida social contemporânea e 2) o acesso ao turismo deve ser visto como um direito inalienável do indivíduo. Em 1980 o Sesc paulista filia-se à OITS91, sendo representado pela figura de Dionino Colaneri, um dos principais entrevistados da tese, passando a participar ativamente dos encontros internacionais promovidos pela organização.

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De acordo com alguns profissionais entrevistados, é neste momento que a instituição traz o termo ‘turismo social’ para o país, ou pelo menos o coloca em voga, implementando um programa com excursões e viagens para todo o estado de São Paulo e outras regiões do Brasil. Na opinião de alguns profissionais como Pina, a instituição já fazia turismo social antes de 1979, entretanto sem uma aproximação ideológica e um entendimento do que efetivamente estava sendo feito, e, especialmente, sem um termo significativo que o diferenciasse de outras instituições e ações. O entrevistado – que escolheu não ter a identidade revelada na tese - afirma que as conversas dele com o diretor do regional da época, Renato Requixa, acerca da teorização e estruturação da ideia, iniciaram-se em 1978, o que leva inclusive à assinatura da Carta de Viena, um ano depois.

Paralelamente à aproximação a OITS, o Sesc-SP aumentava consideravelmente o volume de movimentação de turistas92. Conforme Luiz Wilson Pina, este fato é ilustrado quando se percebe que, em São Paulo, a Colônia de Férias de Bertioga se tornara pequena para o tamanho da demanda, fruto do crescimento considerável da população paulista e, por conseguinte, dos comerciários. Na figura 5, verifica-se a justificativa e os objetivos do projeto “incentivo ao turismo social”, de junho/julho de 1980:

92 Alguns profissionais entrevistados afirmam que este aumento acontece anos antes da

aproximação do Sesc-SP a OITS. Em documento de 1977 da assessoria jurídica do Sesc-SP endereçado ao seu diretor regional (anexo 21)mostra o intento do departamento em ampliar o seu volume de operações, vislumbrando um prédio próprio para as operações turísticas e enxergando a necessidade de estar regulamentado para evitar possíveis problemas. A parte final de um documento assinado por José Alberg Dias do Sesc-Roosevelt, de 1980 (anexo 22) chama atenção: “[...] a necessidade premente de incrementar nossas atividades, a fim de que sejam atendidas as expectativas da nossa clientela específica”.

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Figura 5: Projeto “Incentivo ao turismo social” – Excursões – Junho-Julho/80.

Fonte: Arquivos do Sesc-Memórias. Mat. gráfico e textual–Sesc-Roosevelt.1980.Cx. 28.

Como alternativa, o Sesc-SP - com a criação de uma unidade especializada em turismo (Sesc-Roosevelt, sobre a qual falarei adiante) -

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expande o número de excursões para determinados locais turísticos, realizando passeios de fins-de-semana e viagens orientadas para camadas sociais com renda de moderada a baixa, estimulando o uso intensivo dos seus equipamentos de hospedagem e lazer (Falcão, 2006) e de alternativos, como pousadas, colégios e mosteiros93, firmando convênios também com diversos hotéis (Almeida, 2001).

O Sesc-Roosevelt (fundado em 1978, na praça Roosevelt, município de São Paulo) unificou todas as operações turísticas do departamento regional. Dentre as atribuições da unidade de operações e reservas do turismo social estavam a centralização da venda de pacotes, a constituição de roteiros e a articulação entre as unidades do regional (emissoras, meios de hospedagem, etc.). Em 1993, esta unidade se muda para a rua Abílio Soares, se transformando no Sesc-Paraíso (figura 6) – de acordo com a entrevistada Denise Kieling (Gepse), neste momento há um aumento no número total de funcionários da unidade, que passa de 23 para aproximadamente 50.

93 A ideia de incluir os mosteiros foi de um entrevistado, após um estudo realizado na época

sobre a quantidade de ordens religiosas e mosteiros espalhados pelo Brasil, em sua maioria “ociosos”. O projeto “incentivo ao turismo social” de 1978, mostra o acordo e o levantamento das ordens religiosas (anexos 23 e 24)

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Figura 6: Documento que apresenta as características do Sesc Paraíso - 1994.

Fonte: Arquivos do Sesc-Memórias – Mat. gráfico e textual – Sesc-Paraíso. 1994-2000 Cx. 32.

De acordo com o plano de turismo social da instituição, o Sesc propõem a efetivação dos guias, chamados de animadores culturais na entidade (anexo 25). Anteriormente os guias eram terceirizados, o que na opinião de Barbosa causava alguns problemas em termos de compromisso e responsabilidades profissionais. Já Flávia Costa, gerente adjunta da Gepse (que, a partir da

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década passada, voltara a trabalhar com guias terceirizados) traz uma opinião diferente da exposta por Barbosa:

A gente tinha guias funcionários do Sesc, a gente não contratava guias de fora, não terceirizava isso, só que era um enrosco né, você imagina um guia que é contratado pela CLT, o cara viajava, tinha milhares de horas extras, aí voltava, tinha que compensar essas horas, porque também não dava pra receber sempre, também a pessoa tinha que folgar um dia né. Até que a gente resolveu aqui numa discussão interna que era melhor essas pessoas serem aproveitadas em outras funções né, ainda muito deles no turismo (na parte de planejamento da programação), e contratar guias de fora que era mais... inclusive porque tinha uma hora que acabava os guias porque a pessoa tinha que folgar; no [Sesc] Paraíso era muito comum, a gente tinha uma programação só de turismo, então você tinha os guias, às vezes eles emendavam né, então era, aí tinha uma hora que você falava: não, esse tem que folgar, não, mas e aí? A excursão tal não vai ter guia? Era uma loucura.

Em 2005, os serviços do Sesc-Paraíso passaram a ser realizados pelo Sesc da Avenida Paulista, que unificou a unidade especializada e toda a parte administrativa do Sesc-SP. Já na Avenida Paulista o regional resolveu criar a gerência de programas socioeducativos (Gepse), tendo como um de seus programas o Turismo Social 94. No período de 2004 a 2009, Kieling explica que houve uma coordenação de turismo social bipartite: nas palavras dela, a Gepse com as questões mais “teóricas” (criando as programações) e a referida unidade continuando a ditar as normas operacionais do turismo do Sesc-SP. Em 2009 a administração central - incluindo a Gepse e a coordenação de

94 Além de responder pelas áreas de Diversidade Cultural, Educação Infanto-juvenil e

Educação para a Sustentabilidade. Sobre a mudança comentada a partir de 2005, ver encarte deste ano no anexo 26.

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turismo social – se muda para o Belenzinho, enquanto que a unidade da “Paulista” fecha suas portas para uma reforma ainda não finalizada, se encerrando assim as operações especializadas em turismo. Passa então a ser a incumbência da Gepse a formulação de diretrizes para as práticas turísticas do departamento regional, coordenando soberanamente o turismo da entidade, instituindo os roteiros e guiando os “caminhos” para suas unidades e os respectivos setores de turismo social 95.

Retornando as questões referentes à época da unidade especializada, nos documentos que tive acesso no Sesc-Memórias, chama a atenção os questionários de satisfação de turistas/passageiros/hóspedes nas décadas de 1980 e 1990, em que a reclamação mais reincidente era sobre a dificuldade de se conseguir uma viagem (congestionamento de ligações e listas de espera “intermináveis”), em outras palavras, muita procura e pouca oferta; a propaganda em um dos folders sentenciava: “Corra, pois temos poucas vagas”96.

A gama de serviços e equipamentos do Sesc passou a ser oferecida a um preço ocasionalmente diferenciado em relação a outros arranjos do mercado turístico. Este é um tema que gerou explicações distintas dos entrevistados. Uma justificativa para esta contenda diz respeito ao fato de terem sido entrevistadas pessoas que trabalharam em diferentes épocas.

95 Desenvolverei mais questões sobre esta mudança estrutural e filosófica, ocorrida, sobretudo

a partir de 2009, no subcapítulo 3.4.

96As reclamações dos turistas a respeito da dificuldade em conseguir uma viagem persistem

até os dias mais coevos, conforme verificado nos comentários presentes nos questionários de satisfação de 2009 (anexos 27 e 28).

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Segundo um dos componentes da equipe técnica do Sesc-DN, um dos responsáveis pelas diretrizes nacionais do turismo social na instituição, o “ocasionalmente” varia bastante de regional para regional; dependendo do estado, experiências turísticas concretamente acessíveis para indivíduos ou famílias de baixa renda são raras ou inexistentes.

O entrevistado que não quis se identificar na tese, considerado o “inventor” do turismo social no Sesc-SP, antes de intensificar as excursões para além do Sesc-Bertioga, fez um estudo em 1972 – período anterior a intensificação das excursões - demonstrando que as famílias com renda menor que 20 salários mínimos não apresentavam condições financeiras para viajar regularmente:

[...] eu pedi pra um amigo meu fazer uma pesquisa no próprio Sesc e peguei pesquisas da Globo Tour, que era do Governo do estado de São Paulo, em 1972, e a Globo Tour provava o seguinte: com menos de 20 salários mínimos o cara só pode ir pra casa de parente, 20 salários mínimos na época, mais nada. Acima de 20 salários mínimos ele se torna cliente de uma agência de viagem. E dentro dessa pesquisa diz o seguinte: a família nas férias ela pretende, ela se dispõe a gastar o salário inteiro dela nas férias pra passear, então é essa estrutura: de 3 a 10, o pobre para nós não ia... (risos) 97.

97 Sem precisar trazer dados estatísticos e números que comparem o poder de compra das

distintas épocas e a inflação do período, percebo uma diferença considerável entre 20 salários mínimos de 1972 e de hoje. De acordo com a tabela dos valores nominais do guia trabalhista (2014), em 1972 o salário mínimo equivaleria hoje a 268,80 reais, enquanto que o valor do salário mínimo atual vale 724,00 reais (Decreto 8.166/2013, vigente em 01/01/2014). Além disso, nota-se que o barateamento dos serviços turísticos principais, sobretudo as passagens aéreas, facilitaram o acesso de muitas pessoas, proporcionando outros contornos para a questão; concluo que, na conjuntura atual, com 20 salários mínimos (14.480,00 reais), o sujeito pode sim viajar regularmente, se assim desejar.

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Ainda segundo este entrevistado, por meio do subsídio proporcionado pelo Sesc98, tentou-se incluir pessoas/famílias de comerciários que estavam abaixo desta faixa salarial:

Nas colônias do Sesc, turismo, tinham cinco faixas salariais: quem ganha menos pagava menos e tinha uma certa prioridade mesmo... O democratizar o turismo pra nós é nesse sentido, gente que não podia viajar, que não tinha condições de viajar por excursões rodoviárias no turismo tecnicamente legal [turismo comercial].

Ponho em paralelo esta informação com os dados de 1976 apresentados no penúltimo parágrafo do projeto “incentivo ao turismo social”, de 1978 (Figura 8):

98 Especificidade de uma instituição que não tem fins lucrativos. Acerca da já enfatizada

“facilidade” de recursos financeiros, o que leva a uma relativa desburocratização da entidade, o entrevistado que preferiu não ter a identidade revelada comenta: “Aí tem outra coisa que eu

acho que é importante, você pega qualquer governo municipal, estadual ou federal, quer desenvolver um projeto, você tem que fazer o projeto agora, esperar ser aprovado, demora sair a verba, aí tem uma papelada danada... No Sesc como é desburocratizado, ele não tem esse esquema todo, você pode fazer um projeto hoje e implantar semana que vem”. A não

preocupação com o lucro é literalmente ilustrada em propaganda de 1994, em forma de quadrinhos (anexo 29).

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Figura 7: Projeto “incentivo ao turismo social” de 1978 – diretrizes norteadoras. Grifo meu. Fonte: Arquivos do Sesc-Memórias. Material gráfico e textual – Sesc-Roosevelt. 1992. Cx. 28.

Ainda segundo o mesmo entrevistado, o trabalho com idosos que começara na década de 1970 – em sua maior parte com atividades físicas – gerou público para o turismo99. Isto é confirmado por Luiz Wilson Pina:

99 De acordo com os historiadores Lamarão e Araújo, no Sesc-administração regional do Rio -

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[...] quando a ideia do turismo social começou a ser trabalhada no Sesc, já existiam grupos de terceira idade em todas as unidades. No caso do Sesc-SP então não foi difícil chegar para esse grupo e oferecer esses programas e eles aderiram ao programa porque justamente era aquilo que eles queriam. Como a aposentadoria no Brasil era, é baixa, num valor baixo, de repente essa alternativa era a única viagem que eles tinham pra passear, com a vantagem, no caso para o Sesc que organizava os programas, que eles podiam obter um custo mais baixo nos locais turísticos, justamente porque iam fora de temporada e eram até bem vindos porque traziam uma demanda com a qual esses locais ainda não estavam habituados. Então era ótimo pra eles e também para os hotéis.

Ao articular esse depoimento com outros comentários e com os dados de faixa etária a que tive acesso nos anuários estatísticos encontrados no Sesc-Memórias, pode-se realçar que a entidade contribuiu para o aumento da demanda da 3ª idade, efetivamente dando mais oportunidades de turismo para os idosos, o que, pelo notório tempo livre deles, contribuiu para a equalização da sazonalidade. O depoimento de Pina reforça este aspecto positivo dos projetos de turismo da instituição: a tentativa de adequação de meios de hospedagens já existentes “[…] a uma demanda crescente das classes menos favorecidas por alternativas de turismo viáveis” (Menezes et al, 2010: 22). De acordo com Menezes et al (2010: 22): “Isso reduz a ociosidade do trade turístico, inclusive durante a baixa temporada, e possibilita o seu acesso a novas camadas consumidoras, democratizando o consumo de turismo e lazer”. Deve-se destacar que a mencionada tentativa de “equalização” da

quantidade de trabalhos com idosos, tendo como objetivos a prevenção ao isolamento e à marginalização, criando grupos de convivência e uma movimentada programação recreativa e cultural, incluindo diversos passeios e viagens (1994).

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sazonalidade (esta considerada uma das maiores “vilãs” da atividade turística, especialmente da rede hoteleira) realizada pelo Sesc foi endossada por todos os entrevistados.

Toda esta expansão do turismo no Sesc exposta neste subcapítulo precisa ser contextualizada pelo crescimento/democratização do turismo no país a partir da década de 1970, oriundo do aumento vertiginoso na malha rodoviária e na produção de automóveis, cada vez mais acessíveis à classe média da época, culminando com a construção de infraestruturas turísticas de acesso e hospedagem, e de certa forma, trazendo significativas alterações na indústria do entretenimento. Isto é reforçado na pesquisa de Dalila Müller et al, ao explicar a expansão da rede hoteleira no país:

A década de 1970 também contou com financiamento de longo prazo, através da EMBRATUR, FINAME [Agência especial de financiamento industrial], etc. e incentivos fiscais (SUDENE, SUDAM) para a construção de hotéis. [...] Em função desses financiamentos e incentivos, as empresas hoteleiras nacionais praticamente dobraram sua capacidade e empresas internacionais se instalaram no Brasil (2011: 697).

De acordo com as autoras, neste momento de ditadura militar, a atividade turística foi compreendida enquanto um setor econômico relevante para o desenvolvimento do país, começando uma efetiva ordenação da mesma, “[...] inicialmente com a criação da EMBRATUR, órgão federal e logo

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com a implantação de órgãos estaduais e municipais”100 (2011: 699). Como se pôde observar, o Sesc-SP insere-se neste cenário, gerando consequências a partir da expansão de suas atividades turísticas, conforme serão vistas no próximo subcapítulo.