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A expansão do MAC como catequese renovada

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CAPÍTULO III – A CATEQUESE RENOVADA COMO EDUCAÇÃO

3.2 A expansão do MAC como catequese renovada

Foi assim que o MAC teve a sua primeira expansão para além da Arquidiocese de Olinda e Recife, graças a Ordem dos Frades Menores. Frei Afonso, natural do sertão pernambucano, trabalhava na diocese de Caetité, centro-oeste da Bahia, quando foi chamado para morar na capital da Paraíba, a fim de articular a catequese das paróquias sob a responsabilidade da sua província franciscana. Conforme ele mesmo:

147 Zezo Oliveira - Nasceu em Recife (PE), aos 25 de maio de 1963, onde reside e concedeu seu depoimento, no dia 17 de abril de 2017. No MAC foi adolescente, acompanhante e membro da equipe de elaboração de subsídios para os grupos de base, entre 1975 e 1980.

148 Nestes depoimentos foi possível perceber que o velho modelo de catequese não estava totalmente extinto, ele continuou resistindo apesar do desacordo do seu pároco.

Trazia dentro de mim uma inquietação: como fazer uma catequese libertadora que tenha como ponto de referência a criança e a realidade concreta em que ela vive? Tinha ouvido falar de um trabalho na paróquia de Macaxeira, em Recife, realizado pelo padre Reginaldo Veloso, nos moldes de ‘Encontros de Irmãos'. Passei a frequentar a casa de Reginaldo e a inteirar-me do seu jeito de trabalhar com as crianças nos ‘Encontros de Amigos’. Como resultado dessa convivência e do estudo do material que era utilizado, iniciei com a irmã Cristina um trabalho com crianças, ela no Varjão onde morava; e eu, no Baixo Roger, pois residia no Convento de São Pedro Gonçalves. A partir desses dois bairros o Movimento das Crianças começou a se desenvolver (LEITE, 2017, p. 71).

O Varjão e o Baixo Roger eram considerados bairros periféricos de João Pessoa; deste modo, assim como em Olinda e Recife, o MAC na Paraíba, desde o seu primeiro ano de existência, seguiu a opção preferencial pelas crianças pobres. E igualmente como Reginaldo Veloso, Afonso Horácio também participava de estruturas eclesiásticas que possibilitaram o Movimento ficar conhecido e se expandir para outros estados nordestinos com certa rapidez. Além da atividade mencionada acima, ele também participava da “Comissão de Catequese do Regional Nordeste II da CNBB e na Pastoral Arquidiocesana da Paraíba” (LEITE, 2017, p. 71).

Em julho de 1974, enquanto Reginaldo e Alcino participavam do IV Encontro Internacional do MIDADE, em Yaundé, na República dos Camarões, Carmelita Mariano, uma das primeiras catequistas da paróquia de Santa Maria, na Macaxeira, Recife (PE), que fez o processo de mudança do antigo modelo de catequese tradicionalista para a proposta dos Encontros de Amigos/Comunidades de Crianças, foi à João Pessoa, para, em um encontro articulado por Afonso, partilhar a experiência daquela nova maneira de se fazer catequese.

Quase um ano após, em junho de 1975, um novo encontro foi realizado no Convento São Pedro Gonçalves, para troca de experiências entre os grupos da “catequese renovada” de João Pessoa, Salvador e Recife. Sobre esse encontro Reginaldo Veloso fez a seguinte memória:

Eu me lembro que no nosso primeiro encontro, 1975, em João Pessoa, foi o primeiro encontro onde o MAC recebeu o nome, naquele tempo, o Movimento Amigos das Crianças. O olhar estava mais sobre os educadores do que mesmo sobre o protagonismo das crianças. Ainda não tínhamos... não estávamos tão fortemente conscientes disso. Mas já pra esse encontro a gente fez uma pesquisa em João pessoa, no Recife e em Salvador, caprichada, sobre os vários ambientes de vida das crianças, conversando com elas. Eram uns sete pontos, assim, família, vizinhança, escola, igreja... Eu sei que eram uns sete pontos e todo mundo chegou com essas pesquisas já sistematizadas pra apresentar. A gente levou seis crianças do Recife, convidou seis crianças de João Pessoa; da Bahia não chegou a ter crianças. Mas essas doze crianças... Nós nos reuníamos de tal maneira que na

apresentação, o encontro começou justamente na apresentação das pesquisas, juntaram o pessoal de Recife e de João Pessoa que pesquisou determinado ponto da vida das crianças e eles organizavam, faziam a última sistematização, procuravam de maneira criativa, primeiro, um jeito de poder comunicar os dados da pesquisa, o resultado da pesquisa, para a plenária, né? Agora... Então, estavam os animadores, o grupo que ia se apresentar e aqui no meio as doze crianças. Então, a gente apresentava pra todo mundo o que tinha sido pesquisado sobre tal ponto da vida das crianças. Isso levava a uma reflexão sobre aqueles aspectos das vivências. E aí, alguma coisa de análise de conjuntura também acontecia, porque se procuravam as consequências e as causas dos problemas, né? Mas os primeiros entrevistados eram as crianças. Os animadores e animadoras ficavam escutando as crianças a reagirem diante do que tinha sido pesquisado. Só depois é que conversavam, na plenária, abria-se para os animadores. Então, havia, acontecia muita coisa nisso aí, em termo de conteúdo era um refletir sobre a vida de maneira mais profunda possível; o escutar as crianças, já tinham escutado lá e aqui escutavam ao vivo de novo; elas reagirem sobre o que estavam dizendo sobre elas; o colocar-se à escuta desde o começo... essa sempre foi a atitude pedagógica, vamos dizer... primária, elementar: escutar. O MAC, sempre primou por não ser uma catequese doutrinária, de ensinamento, mas, ser muito mais, uma construção coletiva e uma consciência nova sobre a vida, sobre o mundo, sobre si mesmo, certo? Mas, onde as pessoas davam seus pontos de vista e os demais escutam. Sobretudo os adultos e os jovens, os animadores, depois acompanhantes, colocavam-se à escuta. Perguntavam mais do que diziam (José Reginaldo Veloso de Araújo, entrevista concedida a Albuquerque, 2018).

Tal encontro produziu um relatório bastante minucioso do conteúdo ali discutido. Das trinta e cinco (35) páginas, quase a sua totalidade foi dedicada à vida cotidiana das crianças e das reflexões que ela ali suscitou. Como parte das conclusões registraram o seguinte:

TAMANHO NÃO É DOCUMENTO: PARTICIPAÇÃO!

A criança, mesmo pequena, tem capacidade de pensar, falar e agir; tem opinião sobre o mundo que a cerca e tem condições de participar e decidir, de acordo com a sua fase de desenvolvimento. Ela é capaz de criar, viver e representar, sem preocupação com crítica ou censura, se encontrar um clima de liberdade.

Infelizmente na família não existe um clima de participação. Ainda há pais que impedem as crianças de falarem nas refeições.

A CRIANÇA É IMPORTANTE E MERECE ATENÇÃO!

É preciso saber acolher e valorizar as mínimas coisas que a criança diz, pensa e faz, mesmo em suas falhas. Isso, inclusive, nos ajuda a sermos mais simples e contribuirá para uma sociedade melhor.

Criar um ambiente de confiança e amizade, um ambiente que nos permita entrar na vida da criança, procurando entender o que acontece e perceber os valores que estão escondidos, criando condições para que se desenvolvam. Afinal de contas, afirmamos que JESUS CRISTO ESTÁ NA VIDA DELAS (MAC, 1975, p. 27-28, grifos do autor).

A consciência de que há uma relação de dominação adulta que impede as crianças de serem respeitadas como “gente”, e, por isso mesmo, deveria ser combatida, continuou sendo a mais importante bandeira de luta do MAC. Nesse

sentido, o MAC produziu documentos, desenhos, filmes, textos e músicas. Uma destas, Sou Pequeno, foi composta na primeira metade da década de 1980 por Frei Afonso e faz parte do disco Sonho de Menino, produzido pelo Movimento de Adolescentes e Crianças e lançado pelas Edições Paulinas (MAC, 2002):

Sou pequeno, tão pequeno Dizem que não sei pensar Quando penso, logo dizem: Mente adulta! Não vai dar! Mas eu penso nesta vida: Oh! Que peso! Que penar! Que penar! Que penar! Oh! Que peso! Que penar! Sou pequeno, tão pequeno Dizem que não sei falar Quando falo, logo dizem: Cale a boca, vá pra lá. Mas eu falo na esperança De o povo me escutar. Me escutar, me escutar De o povo me escutar.

Ao mesmo tempo em que a música denuncia a dominação das crianças na sociedade brasileira, ela anuncia sua teimosia, resistência e “antidiciplinarização” diante do poder adultocêntrico; apresenta um aspecto da educação popular que se realizou, contraditoriamente, dentro da própria instituição católica; demonstra uma criança não essencializada, mas entendida em suas constantes contradições, como “deus e demônio”, como sugere outra música, Direito de Menino, do mesmo disco: “O menino dormiu em sonho, Deus e demônio, ele era o tal... Queria ser!” (MAC, 2002).

Conforme deixou claro Reginaldo Veloso no depoimento citado acima, naquele período, também contraditoriamente, o papel do educador e da educadora se sobressaía no Movimento, e não as crianças. Inclusive, é nesse mesmo encontro de 1975 que o nome Movimento de Amigos das Crianças passa a se tornar predominante, enquanto Comunidades de Crianças, Encontros de Amigos e Movimento de Evangelização da Infância passaram a desuso, demonstrando realmente o papel preponderante dos adultos, dos amigos das crianças.

O termo “fase de desenvolvimento” presente no documento Escutem a Gente (MAC, 1975) vai ao encontro dessa percepção de Reginaldo Veloso, pois, como visto anteriormente, a ideia de infância e criança como uma mera fase de formação e desenvolvimento para se chegar ao adulto ideal é, portanto, adultocêntrica. Isso

mostra que o Movimento não nasceu imune ao adultocentrismo e nem estava totalmente blindado contra ele. As pessoas vão, em processo, tomando consciência da complexa realidade da criança e do adolescente e, ao mesmo tempo, sendo chamadas a uma “mudança de vida” nas relações com tal público. Mesmo que em 1975 alguns já tivessem uma clareza a esse respeito, mudanças de práticas/hábitos são muito mais demoradas do que as de mentalidade. Ainda mais, sendo uma organização social aberta a acolher novos membros, provavelmente sempre houve/haverá diferentes níveis de consciência a respeito da infância, cabendo aos mais antigos manterem os princípios do Movimento e ajudar os novos educadores a se reeducarem no que tange à concepção e ao tratamento para com a criança e o adolescente.

Apesar do termo fase de desenvolvimento aparecer no documento e a constatação de um maior protagonismo das educadoras e educadores no depoimento de Reginaldo, também é possível afirmar que já havia naquele período (1975) uma nítida concepção de criança como um ser capaz de pensar, falar, agir, opinar, participar e decidir (pressupostos imprescindíveis para se realizar a educação popular), um claro combate ao adultocentrismo.

Quanto ao apostolado da amizade, dos adultos para com as crianças, também tratado no depoimento de Reginaldo e no documento Escutem a Gente, continuou um crescente, um princípio inegociável para o Movimento. Pois, acreditava-se ser ele o meio de proporcionar o ambiente e o clima de confiança e liberdade, no qual a criança seria ouvida sem repressão: a porta da frente para que os adultos entrassem na vida infantil e assim pudessem realizar uma educação libertadora. Portanto, passar a ser chamado de Movimento Amigos das Crianças de certa forma é uma consagração desse princípio.

Ouvir as crianças, como já refletido no capítulo anterior, não se tratava somente de ser “bonzinho” e “gentil” para com os pequenos, mas, antes de tudo, de uma atitude de amizade, de reconhecimento de que nem o adulto sabe tudo e nem a criança sabe nada; de que a criança é importante e a educação popular deve sempre partir dos interesses dos envolvidos. Pois, ao participar da brincadeira preconceituosa ou violenta, proposta pela meninada, por exemplo, é oportunizado ao educador o clima para questionar a própria brincadeira. Pois, assim o faz como um de dentro e não um de fora; como um amigo que só quer ajudar e não como um “estranho” descompromissado, ávido para criticar apenas.

Enfim, ouvir, além de ser uma atitude própria das relações de amizade, é também um elemento sem o qual não pode haver educação popular com crianças e adolescentes ou com qualquer pessoa.

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