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Sr. Antônio (58 anos),formado em Agronomia pela Universidade Federal do Pará. Trabalha como voluntário na CPT, acompanhando as famílias nas disputas pela terra, nos acampamentos, assentamentos e ocupações, discutindo com as famílias sobre agricultura familiar, a produção tendo como base os princípios agroecológicos e a permanência na terra. Além disso, acompanha as lideranças de um município próximo de Marabá, que são ameaçados de morte em conflitos fundiários, nas lutas por direitos. Afirma que desde 2008 a CPT acompanha mais de perto as lideranças que são ameaçadas de morte.

Seu Antônio também é uma das lideranças ameaçadas de morte, preferiu não falar do seu caso especifico para evitar se expor, mas concordou em falar sobre a situação das lideranças ameaçadas no sudeste do Pará, pois acompanha esses casos.

Seu Antônio afirma que as ameaças não são feitas por acaso, existe sempre um motivo. Na maioria das vezes as lideranças são ameaçadas por que estão lutando por direitos, direito à terra, reforma agrária. Para ele, o governo não tem projetos de reforma agrária. O que normalmente se consegue conquistar é a criação de assentamentos, através de muita luta, que passa pelo processo de organização e ocupação da terra e

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depois armação de barracas de lona preta, onde as famílias permanecem por cinco, dez, quinze ou vinte anos disputando, em uma “quebra de braço” com o pretenso proprietário da terra ocupada. Primeiro a luta começa na Vara Agrária da Justiça, até chegar a uma sentença que seja favorável ou desfavorável as famílias. Quando a sentença é desfavorável, a liminar é de despejo e quando é favorável, a área é passada para o INCRA para tomar as providencias de desapropriação e criação do assentamento. Quando sai da Justiça Agrária e vai para o INCRA, é outra batalha, devido à demora e durante esse processo os fazendeiros contratam pistoleiros ou policiais para manter todo tipo de ameaça as famílias e as lideranças.

Para osr. Antônio, as ameaças aparecem em decorrência da luta pela terra, outras vezes aparecem por que as famílias defendem a questão ambiental, mantendo uma postura contrária às formas de exploração dos proprietários. Elas não querem vender madeira do assentamento e o madeireiro exerce ameaça para extrair a madeira ali existente. Outras vezes, é em função dos grandes projetos de mineração, onde as lideranças são ameaçadas devido o enfrentamento dos grandes projetos de desenvolvimento promovido pelo grande capital, sem considerar a presença das comunidades locais. Tudo isso é motivo de ameaça, mesmo que seja de forma indireta. Quando a ameaça é feita diretamente para as lideranças, é possível ir nas delegacias de polícia e registrar o boletim de ocorrência ou ir na Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (DECA).

De acordo com sr. Antônio, muitas vezes o delegado se recusa a autorizar o registro do boletim de ocorrência, quando se sabe que são fatos decorrentes de ameaças de morte a trabalhadores rurais ou qualquer problema que aconteça no acampamento ou assentamento. Existe uma legitimação da injustiça pela própria polícia nas delegacias na medida em que as ameaças exercidas por fazendeiros e latifundiários não são registradas no ato de denúncia das famílias. Seu Antônio afirma que já aconteceu muitas vezes caso em que as famílias ao procurarem uma delegacia para registrar boletim de ocorrência contra pistoleiros ou fazendeiros, tornam-se responsáveis, pois a polícia vai até as áreas de acampamento ou assentamento após a denúncia, para prender os trabalhadores que fizeram a queixa na delegacia, muitas vezes, acompanhados dos pistoleiros acusados. Dessa forma, os trabalhadores rurais que vivem acampados ou assentados, não tem nenhuma segurança. Estão totalmente vulneráveis e por isso, o medo de a qualquer momento serem assassinados.

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Sr. Antônio reconhece que o boletim de ocorrência se torna uma arma contra as vítimas devido à tendência de a polícia criminalizar quem faz o registro das ocorrências. Isso já teria acontecido no município de Goianésia do Pará, cidade próxima de Marabá e na região de Tucuruí. Quando a polícia vai ao acampamento ou assentamento, ela vai para prender as lideranças. Dificilmente existe a apuração dos casos de ameaças. Afirma que, no geral, quando as famílias estão acampadas na fazenda de um suposto proprietário, fica evidente que quando surge uma ameaça, ela deve vir do fazendeiro, mas nada é, de fato, investigado.

Para sr. Antônio apenas algumas pessoas participam do programa de proteção à testemunha, outros não participam por diversos motivos ou mesmo pela dificuldade de se ter acesso a esse tipo de programa do governo. A maioria dos entrevistados não participavam de programas de proteção. O significado de participar de um programa de proteção é algo muito sério para os entrevistados, pois ter uma proteção ostensiva ou ter um policial vinte e quatro horas por dia dentro de sua casa, muda a vida das lideranças. Ter sempre uma pessoa estranha vigiando não é fácil para quem é trabalhador rural.

Para sr. Antônio, depende muito do ameaçado querer ter uma proteção com policial em sua casa ou não. Algumas lideranças não estão no programa de proteção porque eles acham que não resolve a situação e preferem estar no meio das famílias acampadas, protegidas pelas mesmas. É melhor do que ficar sob a proteção de policiais, pois essa forma de proteção gera inibição, controle e não garante a proteção dos ameaçados pela polícia. Algumas lideranças ameaçadas são retiradas do meio do conflito, do lar, da família e são levados para um hotel, em outro local, onde permanecem isolados e sozinhos, dependendo apenas de uma visita de um responsável pelo programa, que os procura pela manhã, ao meio dia ou à noite para saber se está tudo bem. O ameaçado permanece longe da área de atuação dela e psicologicamente eles não estão preparados para enfrentar essas situações. É como um peixe fora da água, pois quebra todo o vínculo com a família, os amigos e conhecidos. Um exemplo dado desse tipo de situação foi de uma liderança que acabou pedindo para ir visitar a família e não voltou mais para o domínio do programa de proteção, pois se queixava de estar isolado e se sentindo deprimido.

O entrevistado afirma que quando a CPT solicita que uma liderança seja incluída no programa de proteção, eles solicitam também que o caso seja investigado pela polícia para saberem as origens das ameaças, mas na maioria das vezes não há investigação.

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Então, a CPT do sudeste do Pará se preocupa em elaborar relatórios, em casos de suspeita de ameaças, sobre os casos vividos pelas lideranças e encaminha para o programa de proteção do governo federal, em Brasília. Quando a liderança é acompanhada apenas pela CPT e pelo programa que funciona a distância, os responsáveis pelo programa de proteção ligam uma vez por mês para o ameaçado, querendo saber se está tudo bem e se teve mais alguma suspeita de ameaça, depois elaboram relatórios e encaminham para registro. Na capital do Pará, em Belém o programa está desativado, mas atualmente a CPT, através de um projeto para os ameaçados5 tenta, junto com outras entidades, como o programa Terra de Direitos, reorganizar um programa estadual de proteção dos ameaçados.

Durante a entrevista sr. Antônio demonstra sentir medo da vingança ou da retaliação e diz “por parte das pessoas que não gostam de mim e da minha atuação”, ou que “a vingança pode aparecer de um jeito que a gente não espera”. Sr. Antônio conhece muito bem a vingança e a retaliação, visto que muitos companheiros de luta já foram mortos pela sua atuação. Para Moreira et al. (2008), essas retaliações são organizadas pelos agressores, como um meio de retirar as lideranças da atuação, de evitar que suas ações tenham efetividade, ou mesmo com uma simples forma de punição. Essas retaliações muitas vezes ultrapassam as figuras das lideranças, atingindo os familiares, amigos e entidades.

Sr. Antônio afirma não ter medo de viajar para longe de casa, não tem medo da multidão e nem teme estar em lugares públicos e relata que “sinto-me protegido durante o dia, no meio do povo. O meu pessoal cuida de mim”. O fato de se sentir seguro estando perto da companheira, dos amigos, demonstra que a maioria deles são solidários entre si quando acolhem uma liderança ameaçado de morte. Afirma que tem medo de lugares isolados pois “penso que estou vulnerável aos pistoleiros e a perseguição” e ainda “penso que pode acontecer alguma coisa comigo, eu não posso avisar. Não gosto de ficar sozinho, me sinto isolado e deprimido”.