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Parte I Enquadramento Teórico

1. A arte e a criança

1.2. A expressão livre, a criatividade e a imaginação da criança

Desde que nasce, a criança começa a exprimir-se, isto é, tenta comunicar as suas necessidades através das suas reações instintivas. “A expressão é também comunicação” (Read, 2010, p. 199). Independentemente do seu nível de desenvolvimento, aquilo que a criança expressa é um reflexo daquilo que ela é como indivíduo na sua globalidade. Por outras palavras, poder-se-á dizer que a expressão é uma linguagem não-verbal das emoções, quer estas sejam conscientes ou inconscientes. Esta é fundamental uma vez que tem dupla função, pois oferece tanto uma comunicação interpessoal como uma comunicação intrapessoal (Lowenfeld & Brittain, 1970; Ferraz, 2009).

Segundo Sousa (2003), o termo “expressão” começou por ser abordado por Aristóteles que a designou como katharsis (catarse). Este era usado no contexto teatral e, designava as emoções que as figuras que nele representavam provocavam nos espectadores, ao serem confrontados com determinados estímulos. Seguindo esta mesma linha de pensamento e, alguns séculos mais tarde, esta perspetiva foi

recuperada na medida em que a expressão deve ser usada a fim de manter uma vida saudável, não devendo haver restrições que possam dar azo a que ocorram frustrações e, consequentemente, perturbações psíquicas. Deve portanto existir, ao nível do aparelho psíquico, um equilíbrio de energias propulsoras que a expressão provoca. Seguindo esta abordagem, e segundo uma perspetiva psiconeurológica, Sousa (2003a) refere que:

− A expressão será, portanto, a descarga de energias que se localizam nas regiões do bolbo, do sistema límbico e do córtex.

− Não será muito errado considerar a existência de uma expressão pulsional, outra emocional e outra sentimental, pois que é constatável a sua diferencialidade comportamental, demonstrável as suas diferentes localizações no sistema nervoso central e verificável a sua evolução antropológica.

− (…) As actividades que mais facilitam estas expressões são as artísticas (p. 182).

A expressão é “a exteriorização de toda a vida interior” (Sousa, 2003a, p. 183). Atendendo a este fator, a expressão é um meio para libertar as tensões acumuladas, num exteriorizar de sentimentos, o que permite atingir uma vida saudável, através dos seus diferentes meios. Na educação, as atividades expressivas têm um papel bastante relevante, uma vez que compõem bases importantes para a educação sendo que se destaca como mais-valia “a sua acção homeostática e a influência preventiva em relação a problemas psicológicos” (Sousa, 2003a, p. 183). A expressão é uma forma de projetar no exterior aquilo que se passa no interior de cada um, comunicando com os outros e com o meio que o rodeia, mas fundamentalmente, comunicando consigo próprio, de forma a fazer uma autorreflexão do seu ser. A expressão permite também que existam interações e relações com o exterior, com o outro e consigo próprio o que origina a que cada um evolua e se desenvolva enquanto indivíduo (Ferraz & Dalmann, 2012).

“A expressão livre ou espontânea é a exteriorização sem constrangimento das actividades mentais de pensamento, sentimento, sensação e intuição” (Read, 2010, p. 139). Pretende-se assim, que a criança nas suas experiências seja livre e espontânea, em que o educador/professor deverá aceitar e valorizar as suas opções, tendo este uma atitude compreensiva, para que a criança sinta que tem total liberdade e se sinta num ambiente propício para se poder expressar sem qualquer constrangimento. Sousa (2003a) refere que é “a liberdade vivida, proporcionada e estimulada, que permite à criança ser como é, assumir-se com naturalidade, expressar-se com espontaneidade” (p. 123). O mesmo autor diz, ainda, que a “imposição não educa (…), pois que toda a imposição gera sentimentos de oposição por parte de quem a ela tem de se submeter” (Sousa 2003a, p.123). Todos estes fatores contribuem para que a personalidade da criança se desenvolva de uma forma equilibrada. Permite-se, assim, que a criança conheça e enfrente as suas dificuldades, o que a leva a criar alicerces

para a construção de uma autoestima bem definida e uma apropriação de valores. Quando se fala de educação pela arte, Arquimedes Santos (1977, referenciado por Sousa, 2003a), salienta que nenhuma atividade artística deve ser imposta à criança, sendo que o professor/educador apenas deve estar atento às necessidades da criança dando apenas conselhos ou ajudas para a criança realizar a atividade e nunca deve tecer qualquer julgamento aos trabalhos por ela realizados. Contudo, deve-se proporcionar à criança uma vasta oportunidade de experiências livres e espontâneas. Neste sentido, o papel do professor/educador que tem por base a educação através da arte, não é o de transmitir ensinamentos acerca das artes em si, mas sim, como atrás referido, de lhe facultar vivências práticas e dinâmicas em que a criança atue por si, adquirindo novas aprendizagens e fazendo novas descobertas, desenvolvendo os seus conhecimentos, levando-a a aprender por ela própria, estimulando-a para atingir esses fins pela sua ação (Sousa,2003a).

No mesmo sentido, as atividades de expressão da criança “integram e decorrem do seu desenvolvimento biopsicossocial” (Santos, 1999, p. 43). Segundo este autor, a expressão espontânea irá proporcionar um desenvolvimento da psicomotricidade, do plano afetivo e cognitivo de uma forma equilibrada.

A expressão livre1 deve ser usada desde muito cedo na criança pois, desta forma,

conseguirá desenvolver-se de um modo equilibrado. Constitui, assim, um aspeto fulcral no desenvolvimento de qualquer pessoa e permite que esta aja criativamente perante as mais variadas situações da sua vida (Gonçalves, 1991). Fernando Namora (1949, citado por Sousa 2003a) exaltava isto mesmo, na medida em que referia que “o artista precisa de ser livre para colher estímulos e precisa de continuar a ser livre para dar voz ao que o solicitou e impressionou. Uma liberdade que se sinta por dentro e que tenha expressão exterior” (p. 124).

Na sequência disto, à criança é permitido o prazer lúdico nas atividades de expressão livre onde esta o faz pela sua significação pessoal, sendo, contudo, importante a aprovação de quem a rodeia. Desta forma, é possível também, desenvolver a sua autoconfiança e a sua interação com os outros (Rodrigues, 2002; Sousa, 2003a).

A expressão é fundamental. Todo o indivíduo deve conseguir exprimir-se de modo a que consiga comunicar e não fique isolado do mundo. “A expressão revela o ser” (Rodrigues, 2002, p. 210). Deve permitir-se à criança que construa um modo de pensar divergente, intuitivo, subjetivo e inovador, o que a leva a estimular a imaginação e criatividade, fazendo-a atuar, sentir e realizar de diferentes formas as diversas tarefas (Rodrigues, 2002).

A criança deve ter acesso, regular e naturalmente, à prática de expressões, uma vez que estas são fundamentais para o seu desenvolvimento global e equilibrado, favorecendo assim a sua aprendizagem e interiorização. É necessário ter em atenção

1 Adotar-se-á sempre este termo “expressão livre” apesar de o seu uso não poder estar totalmente correto por se

que cada criança é diferente e tem diferentes potencialidades, pelo que tem de se procurar estratégias para facilitar a sua inclusão, permitindo que estas estejam em constante progressão e procurem novos desafios. O uso das várias técnicas e materiais, isto é, de mediadores expressivos facilita o desenvolvimento pessoal, e das várias capacidades de cada indivíduo (Martins, 2002; Ferraz & Dalmann, 2012).

Perante estes factos, poder-se-á considerar a existência de uma educação

expressiva que traça alguns objetivos, aqui citados por Ferraz & Dalmann (2012):

Usar metodologias expressivas integradas como facilitadoras do ensino e da aprendizagem; proporcionar aprendizagens, experiências e vivências orientadas de forma integrada; contribuir para o desenvolvimento biopsicossocial; valorizar as expressões enquanto mediadores de aprendizagem; promover práticas expressivas em contexto de sala de aula como forma de envolver os alunos nas suas aprendizagens e na partilha de conhecimentos; contribuir para a autenticidade expressiva; valorizar as expressões enquanto mediadores de exteriorização das emoções; valorizar o papel da emoção na educação; promover a exploração e o desenvolvimento da criatividade (p. 30).

Assim, é papel da educação expressiva que a criança aja, sinta, pense, reflita, procure conhecimentos e se expresse tendo por base a criatividade e os seus sentimentos, levando-a à manifestação da sua expressão. Ao colocar-se a criança em ação ir-se-ão descobrir os sentimentos que a movem, permitindo-lhe ter consciência de si e dos que a rodeia, reforçando o seu desenvolvimento pessoal. Devem, portanto, ser valorizadas as capacidades de cada indivíduo e não apenas a intelectual (Ferraz & Dalmann, 2012).

A criança criativa expressa-se de maneira diferente nos seus desenhos. A criatividade surge de uma forma natural e espontânea e, para tal, apenas é necessário que esta se expresse livremente. A criatividade é uma habilidade cognitiva que procura encontrar soluções diferentes e ainda não utilizadas, face a um problema encontrado (Wechsler & Nakano, 2012; Ferraz & Dalmann, 2012; Sousa, 2003a; Sousa, 2003b). Taylor (1955, referenciado por Sousa, 2003a) identificou cinco tipos de criatividade. Apenas se irá destacar a criatividade expressiva, uma vez que será a base deste trabalho. Assim, a criatividade expressiva, é caracterizada por ser aquela em que cada indivíduo tem total liberdade em expressar as suas emoções, criativamente. A produção final não tem aqui um papel fundamental uma vez que se dá mais relevo à “catarse emocional do acto” (p. 190). No mesmo sentido, numa análise de Carvalho (2009), considera-se que “de um ponto vista dinâmico a actividade artística pode ser encarada como uma forma de expressão espontânea dando acesso a material inconsciente” (p. 14) sendo “atribuída à criatividade artística a característica de pensamento divergente” (p. 14) que vai ao encontro do pensamento inconsciente e que se opõe ao pensamento convergente, que por sua vez

se aproxima do pensamento consciente e socializado. Através da arte a capacidade criadora está em constante desenvolvimento assim como o pensamento divergente (Lowenfeld & Brittain, 1970).

Como já foi visto até aqui, deve proporcionar-se à criança (e a cada indivíduo) um conjunto dinâmico de experiências. Quanto mais vasta for a experiência humana maior será a capacidade da atividade criadora da imaginação. Assim, a criança necessita ver, escutar e experimentar, sentir, aprender e assimilar tornando-se assim mais produtiva, criativa e imaginativa. A ação criadora surge da necessidade que cada indivíduo tem em se adaptar ao meio e se manter em constante equilíbrio. Estes fatores e a interação entre eles são também responsáveis pelo desenvolvimento da imaginação. Em cada estádio de desenvolvimento da criança (e de cada pessoa) a imaginação e a capacidade criadora vão revelar-se de diferentes modos. Além disto, há ainda que ter em conta o princípio de liberdade, pois é peça vital para o desenvolvimento da atividade criativa (Vygotsky, 2009).

Dito isto, importa confirmar a relevância de desenvolver a capacidade criadora, uma vez que esta é fundamental, em conjunto com a imaginação, para o desenvolvimento de cada indivíduo, bem como, para a preparação para a vida futura (Vygotsky, 2009).

É necessário salientar que o conceito de criatividade é muito complexo. No entanto, poder-se-á afirmar que «a criatividade é de facto o poder criador, a capacidade de invenção, de imaginação e de criação e o adjetivo “criativo” aplica-se ao comportamento capaz de criatividade» (Roux, 2009, p. 28). Pressupõe um impulso físico que, posteriormente, levará à criação e que, em determinadas condições psicológicas, permitirão que este impulso criativo tenha lugar. Para Donald Wood Winnicott (referenciado por Roux, 2009) “a criatividade é universal, inerente ao facto de se viver, é uma tendência natural, indispensável a todo o artista, mas presente em todo o homem” (p. 33). É necessário, deste modo, encontrar formas e métodos de desenvolver e incentivar a criatividade, uma vez que esta é fonte de autorrealização de cada indivíduo, sendo possível fazê-lo recorrendo à prática da imaginação, do conhecimento e da motivação. “A criatividade estimula-se não se ensina” (Ferraz & Dalmann, 2012, p. 52).

1.3. Educação pela expressão através das atividades/artes