• Nenhum resultado encontrado

A fé no processo da justificação

Capítulo II Justiça de Deus, princípio da história de salvação

2.3. Consequências práticas da manifestação da , e função de  em

2.3.2. A fé no processo da justificação

Segundo Rm 10,17, a fé pressupõe dois elementos prévios: a) a revelação

que vem de Deus; b) e o único anúncio do evangelho. “A fé vem pela pregação

(escuta:

)

e

a

pregação

pela

palavra

de

Cristo

”

331

. Para Paulo, a fé é a resposta ao kerigma, ao “bom

anúncio” (), que faz presente no mundo a revelação de Deus em Jesus

Cristo. Por isso, em primeiro lugar, é escuta, obediência (), acolhida do evento

em que se manifesta no plano salvador de Deus

332

.

À luz de alguns verbos correspondentes do Antigo Testamento, o termo

 adquire outros matizes, cujo sentido fica mais inteligível ainda:

O verbo !ymia/h,, que significa “crer”, “aderir”, “ficar firme”, conota a atitude

daquele que baseia sua vida em quem não o pode desiludir e que merece plena

6,8-11; 2Cor 4,13s; Ef 1,19s; Cl 2,12; 1Ts 4,14). A fé no nome de Jesus (Rm 3,26; 10,13; cf. Jo 1,12; At 3,16; 1Jo 3,23), Cristo (Gl 2,16; cf. At 24,24; 1Jo 5,1), Senhor (Rm 10,9; 1Cor 12,3; Fl 2,11; cf. At 16,31) e Filho de Deus (Gl 2,20; cf. Jo 20,31; 1Jo 5,5; At 8,37; 9,20), é a condição indispensável da salvação (Rm 10,9-13; 1Cor 1,21; Gl 3,22; cf. Is 7,9; At 4,12; 16,31; Hb 11,6; Jo 3,15-18). A fé não é mera adesão intelectual, mas confiança, obediência (Rm 1,5; 6,17; 10,16; cf. At 6,7) a uma verdade de vida (2Ts 2,12s) que engaja todo o ser na união com Cristo (2Cor 13,5; Gl 2,16.20; Ef 3,17) e lhe dá o Espírito (Gl 3,2.5.14; cf. Jo 7,28s; At 11,16-17) de filhos de Deus (Gl 3,26; cf. Jo 1,12). Sendo que a fé conta só com Deus, ela exclui toda autossuficiência (Rm 3,7; Ef 2,9) e se opõe ao regime da Lei (Rm 7,7s) e à sua busca vã (Rm 10,3; Fl 3,9) de uma justiça merecida pelas obras (Rm 3,20.28; 9,31s; Gl 2,16; 3,11s): a verdadeira justiça, que só ela obtém, é a justiça salvífica de Deus (Rm 3,21- 26), recebida como um dom gratuito (Rm 3,24; 4,16; 5,17; Ef 2,8; cf. At 15,11). Assim ela corresponde à todos, também aos gentios (Rm 1,5.16; 3,29s; 9,30; 10,11s; 16,26; Gl 3,8). Ela vai acompanhada pelo batismo (Rm 6,4), se exprime por uma profissão aberta (Rm 10,10; 1Tm 6,12) e frutifica pelo amor (Gl 5,6; Tg 2,14). Ainda obscura (2Cor 5,2), ela deve crescer (2Cor 10,15; 1Ts 3,10; 2Ts 1,3) na luta e nos sofrimentos (Fl 1,29; Ef 6,16; 1Ts 3,2-8; 2Ts 1,4; Hb 12,2; 1Pd 5,9), com firmeza (1Cor 16,13; Cl 1,23; 2,5.7) e na fidelidade (2Tm 4,7; 1,14; 1Tm 6,20) até o dia da visão e da posse (1Cor 13,12; cf. 1Jo 3,2).

331

Os códices Sinaítico (corrigido), Alexandrino, Claromontano (corrigido), de Moscou, de Leningrado e do monte Atos consigna “de Deus”. O códice Boerneriano omite o genitivo.

332 Juan MATEOS. “ y terminos afines en el Nuevo Testamento”, in Filología Neotestamentaria, VIII (1995), p. 209-226.

87

confiança (cf. Gn 15,6)

333

. Com efeito, o Deus da tm<a/ é o “Deus da fidelidade”

334

(cf.

Dt 7,9; Is 49,7). A própria palavra , usada durante a liturgia ao final das orações,

reconhece esse atributo de Deus.

O verbo

xj;b"

335

que significa “confiar”, “estabelecer a própria segurança

sobre”, “estar despreocupado”, elucida a segurança íntima que se coloca naquele no

qual se confia, junto com uma atitude de entusiasmo para seguir suas orientações

(Sl 12,2; 56,5.12). Evidencia, pois, um comportamento prenhe de esperança, que

elimina as incertezas e instabilidades (Sl 25,2; 27,3; 21,8; 26,1; cf. Jz 18,7.27; Is

32,9s)

336

.

Também o verbo hs"x

337

que tem o sentido de “procurar refúgio em alguém”,

permite-nos entender a dinâmica da fé. Esta consiste em encontrar abrigo no

Altíssimo, invocando-o como a garantia da justiça perante os adversários (cf. Sl 61,4;

Jr 17,5; Sl 44,7; 55,24; 4,6)

338

.

Os termos , fé, e , crer, nas epístolas paulinas indicam a

relação interpessoal do cristão com Deus, considerando-o como a “rocha

inabalável”, a “pedra angular”, aquele que dá sustentabilidade e abrigo seguro ao

fiel, que anima sua vida de fé, dando-lhe alegria.

333 Alfred JEPSEN. “!m;a"”, in G.J. BOTTERWECK; H. RINGGREN (eds.). Theological Dictionary of the Old Testament, vol. I. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 1997, p. 292-323. O segundo fundamental do

hebraicohe´ěm£n(“crer”), da raiz ´mn (“ser firme”, “ser estável”, “leal”), de onde se derivou a palavra

“Amém”. Cf. Xavier LEON-DUFOUR. Leitura do Evangelho segundo João, III. São Paulo: Loyola, 1996, p. 66, nota 48. Cf. H. WILDBERGER. “!ma”, in E. JENNI; C. WESTERMANN (eds.). Diccionario

Teológico Manual del Antiguo Testamento, tomo I. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, p. 276-319. 334

Essa palavra para o judeu “piedoso” é algo existencial: sua vida, sua existência toda está enraizada na fidelidade ao SENHOR. Para o ocidental “veritas” (tradução corrente de `emeth) trata-se

de uma noção intelectual, significando que as minhas concepções e palavras correspondem à realidade. Como se vê, isso esvazia o sentido imediato da palavra `emeth.

335

Nelson KIRST et alli. Dicionário hebraico-português & aramaico-português. São Leopoldo/ Petrópolis: Ed. Sinodal/ Vozes, 1988, p. 25.

336

Erhard GERSTENBERGER. “htb”, in E. JENNI; C. WESTERMANN (eds.). Diccionario Teológico.

Manual del Antiguo Testamento, I. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, p. 441-445. Cf. Santa Ângela

CABRERA. Identificação e análise dos/as “pobres” como categoria social: uma pesquisa bíblica a

partir de contextos histórico-sociais na subunidade dos Salmos 3-14. Tese de Doutorado apresentada

à Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo-SP, 2011, p. 242-243. Cf. ainda JEPSEN. “ht;B"”, in G. J. BOTTERWECK; H. RINGGREN. Theological Dictionary of the Old Testament, II. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 1999, p. 88-94.

337

Cf. KIRST, Nelson et alli. Dicionário hebraico-português & aramaico-português. São Leopoldo/ Petrópolis: Ed. Sinodal/ Vozes, 1988, p. 73; Johann GAMBERONI, “hs"x"”, in G. J. BOTTERWECK; H. RINGGREN (eds.). Theological Dictionary of the Old Testament, vol. V. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 1986, p. 64-74.

338

E. GERSTENBERGER. “hs"x"”, in E. JENNI; C. WESTERMANN (eds). Dicionnario Teológico.

Manual del Antiguo Testamento, I. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, p. 442-443; cf. J.

GAMBERONI. “hs"x"”, in G. J. BOTTERWECK; H. RINGGREN (eds.). Theological Dictionary of the Old

88

A fé pode ser considerada a partir de seu objeto (cf. Rm 1,17b: -),

colocando em segundo plano os elementos mais pessoais da experiência daí

advinda. Como tal, a aceitação do evento pascal, torna-se compreendido como

momento básico da história da salvação e alicerce da existência cristã. Em Rm 4,24-

25, como em outros textos paulinos, elucida-se o conteúdo objetivo da fé:

“Acreditamos naquele que ressuscitou dos mortos, Jesus nosso Senhor, o qual foi

entregue por nossos pecados e ressuscitado para a nossa justificação”. Portanto, é

à luz dessa perspectiva que Paulo pode falar de “obediência que consiste na fé”

(, Rm 1,5; 16,26)

339

, isto é, da fé como adesão à verdade

manifestada em Cristo.

As duas perspectivas, nas quais Paulo apresenta a realidade da fé – uma

mais horizontal, que atinge a esfera afetiva do homem –, a outra mais objetiva,

integram-se reciprocamente. A fé torna-se, assim, para o cristão, abandono à ação

de Deus, experiência de segurança e de firmeza inabalável, cujo fundamento é

Cristo morto e ressuscitado (Rm 4,25; 1Cor 15,17)

340

.