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3. A GRAMÁTICA GERATIVA E A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA

3.1 A GRAMÁTICA GERATIVA

3.1.1 A faculdade da linguagem

Ao olhar para espécie humana, se observa que todo ser humano possui a capacidade inata para adquirir uma língua. Isso leva à hipótese de que todo o ser humano possui a faculdade da linguagem, que opõe esta espécie a todas as outras do planeta. A capacidade da linguagem estaria inscrita no DNA do ser humano e parte do conceito de que a mente do indivíduo não se compara a um recipiente para ser preenchido com coisas, como uma tabula rasa, sem nenhuma programação prévia para a cognição ou comportamento. A mente humana é tomada com uma dotação genética que permite a aquisição e uso de, pelo menos, uma língua natural. Ou seja, é uma hipótese inatista, que considera a capacidade de aquisição da língua do ambiente ao qual o indivíduo estiver exposto, seja ele qual for, bastando, para tal, receber os estímulos linguísticos produzidos pelos falantes do ambiente em questão. Exceto pelos casos patológicos, a faculdade da linguagem é um sistema

distinto na mente/cérebro, possuindo um estado inicial E0 comum e, aparentemente,

exclusivo à espécie humana no que tange os aspectos essenciais. Com a

experiência apropriada, o estado inicial E0 passa a um estado relativamente estável

EE, quando sofrerá modificações periféricas, como a aquisição de um novo

conhece uma Língua-I particular. A Gramática Universal, doravante GU, é a teoria

do E0; as gramáticas particulares são teorias das várias Línguas-I. Assim, as

Línguas-I que podem ser atingidas com o E0 fixo e a experiência linguística variável

são as línguas humanas atingíveis, nessa perspectiva gerativista, língua significa Língua-I.

A base empírica para o estudo da Língua-I trata-se, em sua maioria, dos juízos dos falantes nativos, que são resultados de experiências ricas em evidências. De maneira geral, tais juízos não refletem diretamente a estrutura da língua. Por exemplo, os juízos de aceitabilidade podem falhar em relação à evidência de gramaticalidade devido à intervenção de outros fatores. De igual maneira, não podemos saber se os vários tipos de evidência serão pouco ou muito informativos no que se refere à faculdade da linguagem e às suas manifestações. Chomsky (1957) relaciona aceitabilidade com o estudo do desempenho e agramaticalidade ao estudo da competência. As orações são consideradas aceitáveis se forem convenientes, apropriadas, adequadas ao propósito do momento e outros fatores que implicam na determinação deste conceito, além da gramática de competência. As orações geradas pela gramática diretamente são as orações gramaticais da língua. Em meio a elas algumas orações verdadeiras, falsas, divertidas, ininteligíveis, triviais, orações sem sentido, etc. Ou seja, as escalas de aceitabilidade e agramaticalidade não são as mesmas, e uma coisa pouco aceitável pode ser perfeitamente gramatical (porém o contrário não se verifica). Através do julgamento de gramaticalidade é possível identificar as diferenças e semelhanças na sintaxe de diferentes línguas. Entretanto, a evidência da natureza da Língua-I e do estado inicial também pode vir de outras fontes, como as relacionadas à forma e ao significado das expressões: estudo de línguas parcialmente inventadas, estudo do uso literário ou da mudança linguística, estudo da aquisição, da neurologia, etc.

Sobre o falante nativo, Chomsky (1965) problematiza que seu conhecimento é intuitivo, não é um conhecimento explícito, que muitas vezes o falante nativo não sabe o conhecimento que ele tem da língua, e quando supostamente sabe, ele pode não ter consciência realmente do que ele realmente sabe. Assim, consultar um falante nativo pode vir a ser um problema, uma vez que ele pode dizer algo que não faz parte da sua língua real. Nas palavras de Chomsky (1965, p. 89):

Obviamente, cada falante de uma língua dominou e interiorizou uma gramática generativa que exprime o seu conhecimento da sua língua. Isto não quer dizer que ele tenha consciência das regras da gramática ou sequer possa vir a ter consciência delas, ou que as suas afirmações acerca do seu conhecimento intuitivo da língua sejam necessariamente correctas. Qualquer gramática generativa interessante terá como objecto, na sua maior parte, processos mentais que estão muito para além do nível de consciência efectiva ou mesmo potencial; além disso, é por demais óbvio que as informações e os pontos de vista de um falante acerca do seu comportamento e da sua competência poderão ser errados. Portanto, a gramática generativa tenta especificar aquilo que o falante sabe efetivamente, e não aquilo que ele possa informar acerca do seu conhecimento. Do mesmo modo, uma teoria da percepção visual tentaria explicar aquilo que uma pessoa vê realmente e os mecanismos que determinam essa visão, e não as suas afirmações acerca do que ele vê e porquê; embora essas afirmações possam fornecer informações úteis ou até mesmo decisivas para uma tal teoria.

Além do caráter universal da linguagem humana, Chomsky (1986) destaca um aspecto importante na linguagem humana: a criatividade. Independente de nível de escolaridade, todo indivíduo apresenta uma capacidade de criar infinitamente frases novas, das mais simples às mais complexas. As gramáticas tradicionais eram listas de exceções, todavia o aspecto criativo da língua esteja naquilo que é universal entre as línguas. Para alcançar a competência linguística do falante deve-se não apenas olhar para as particularidades de uma determinada língua, mas também para a gramática universal.

Ainda que em outras épocas filósofos e cientistas tenham direcionado seus estudos para o uso e o funcionamento da mente e da linguagem, Chomsky foi o pioneiro a fazê-lo julgando ambas como um só conjunto. Assim, pela primeira vez, ponderou-se a conexão entre mente e linguagem como instâncias de natureza biológica, intrínsecas e possíveis de serem concebidas, juntamente, como um objeto de estudo. Considerando a faculdade mental da linguagem como objeto de estudo da Linguística, o linguista assume uma perspectiva naturalista e internalista no âmbito das discussões dessa ciência, o que culmina em implicações substanciais para o estudo do par mente-linguagem.