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2 ESCLARECIMENTOS PRELIMINARES DE ORDEM METODO-

2.1 Problematização e relevância do tema

2.1.3 A (falsa) questão da revogação do artigo 791 da Consolida-

Tão logo veio a lume a Carta Magna de 5.10.1988, e, com ela, o

art. 133 reafirmando, categoricamente, a essencialidade do advogado na

administração da jurisdição e da justiça, desencadeou-se, entre os

operadores do direito, novo dissenso em torno da ocorrência, ou não, da

revogação (derrogação) do art. 791 da CLT.

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A tese de que ocorrera a revogação (derrogação) do dispositivo

legal em apreço chegou, com efeito, a ser contemplada em várias

manifestações da jurisprudência

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, como o atestam as referências

apontadas por Luiz Carlos Gomes de Godoi no artigo retromencionado.

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Muitos outros, todavia, posicionaram-se em sentido contrário,

pugnando pela continuidade da vigência do mencionado dispositivo

consolidado mesmo já depois de promulgada a “Lex Mater” de 1988.

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Mais adiante, tão logo entrou em vigor a Lei n.º 8.906/94 (novo e

atual Estatuto da OAB), cujo art. 1º previa (e aqui estamos levando em

conta que liminar proferida na ADIN 1127-8 suspendeu a eficácia do

dispositivo legal em apreço, e que, no mérito, essa suspensão de eficácia

se cristalizou quando da conclusão do julgamento da mencionada ADIN) que

“são atividades privativas de (da) advocacia I – a postulação a qualquer

órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”, a mesma questão da

revogação do art. 791 da CLT voltou à cena, com partidários de logo se

alinhando pró e contra a referida tese, assim como ocorrera quando da

edição da Lei n.º 4.215, de 27.4.63 (Antigo Estatuto da OAB).

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De fato, como também historia Arion Sayão Romita (1994, p. 8-9),

a promulgação da Lei n.º 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da Advocacia) reacendeu a velha controvérsia a respeito da revogação do art. 791 da CLT : ao considerar atividade privativa de advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais (art. 1º, I), teria o novel Estatuto da Advocacia atribuído ao advogado o monopólio do ius postulandi perante a Justiça do Trabalho? Teria ele suprimido o ius postulandi que o art. 791 da CLT assegurava ao empregados e aos empregadores? A resposta a estas indagações divide as opiniões: uma corrente sustenta que a postulação em juízo não é ato exclusivo da advocacia mesmo após a edição da Lei n. 8.906, porquanto em situações peculiares, pode ser exercida pelo próprio interessado; outra corrente, no pólo oposto, afirma que o art. 1º da Lei 8.906 revogou o art. 791 consolidado, de sorte que, a partir da vigência do Estatuto da Advocacia, somente advogados podem exercer o

ius postulandi perante a Justiça do Trabalho.56

Parte da doutrina também andou defendendo a tese de que o art.

133 da CF/88 era uma norma meramente programática

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, argumento que,

respeitosamente, não vemos como prosperar, tendo em conta que o

disposto no art. 133 da CF/88 se destina, apenas, a viabilizar (a dar

densidade normativa aos) os direitos fundamentais insculpidos nos incisos

LV e LXXIV (para não falar no que está previsto no inciso LXXVIII, que só

foi acrescentado ao texto magno por obra da EC n.º 45, de 8.12.2004) do

art. 5º da Lei Fundamental da República de 1988. Sob esse ponto de vista,

tendo o referido art. 133, nesse aspecto, natureza de preceito fundamental,

parece que sua aplicação e vigência também se submete ao princípio

grafado no parágrafo 1º do art. 5º do Texto Magno, que estabelece que “as

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata.”

A jurisprudência, tanto em nível dos TRTs do País, quanto em

nível do TST (que findou por sumular a matéria nas Súmulas 219 e 329),

chegou a se manifestar sobre a questão da revogação, ou não, do art. 791

da CLT, depois de promulgada a Carta Política de 1988 e de vigente o novo

Estatuto da OAB (Lei n.º 8.906/94).

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É certo que o art. 133 da CF/88 firma a indispensabilidade do

advogado, mas o faz nos limites da lei. Nada obstante, e para além de

opiniões em sentido contrário

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, impõe-se considerar que a interpretação

constitucional conforme

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, leva à conclusão de que a expressão, “nos

termos da lei”, não pode ser interpretada de modo restritivo, exatamente

porque, nessa hipótese, estaria limitando ou condicionando a eficácia dos

princípios fundamentais, aos quais confere densidade normativa e aos quais

se reporta, ou seja, de forma mais direta, aos referidos nos incisos LV e

LXXIV da Carta Política de 5.10.1988.

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Ora, como o recomenda a doutrina mais abalizada, em toda

ocasião na qual o intérprete depare com dúvida razoável a respeito da

compatibilidade de uma determinada lei com a Constituição, deve ele

optar pela chamada interpretação conforme, ou seja, preferir uma

compreensão (intelecção) da norma (em questão) que se processe sob o

influxo mais evidente (perceptível) do sentimento (ou espírito) da Lei

Maior.

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Ademais, como assentou Carlos Maximiliano (1980, p. 128),

não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar. Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso, do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço.

A despeito de todas essas questões, as evidências que emergem

da realidade cotidiana, na qual o “jus postulandi” (art. 791, da CLT) continua

a ser admitido e praticado nos foros da Justiça do Trabalho do Brasil inteiro,

impele-nos a concluir que o art. 791 da CLT ainda não foi revogado, até

porque se deve também considerar que o princípio “lex posterior derogat

priori” pressupõe, fundamentalmente, a existência de densidade normativa

idêntica ou semelhante” entre as normas postas em colisão (MENDES,

2003, on line) (no caso, aqui, o art. 133 da CF/88 e o art. 791 da CLT), e

que, de acordo com o previsto no parágrafo 2º, art. 2º da Lei de Introdução

ao Código Civil Brasileiro (DL – n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942),

também é certo que a derrogação do direito antigo não se consuma, se a

nova lei contiver apenas disposições gerais ou especiais sobre o assunto,

como é típico das normas de índole constitucional (no caso, a norma

formalizada no art. 133 da CF/88, em confronto com a constante do art. 791

da CLT).

A dedução se reforça quando se atenta para o fato de que o TST

editou Súmulas (as de n.º 219 e 329) que mantêm o “jus postulandi” tratado

pelo art. 791 da CLT, e que o advento do novo estatuto da OAB (Lei n.º

8.906/94) também não logrou implementar esse processo revogatório,

simplesmente porque a ADIN n.º 1.127-8 (DF) ensejou a decretação da

inconstitucionalidade do dispositivo da nova Lei n.º 8.906/94 que,

reflexamente, revogava o “jus postulandi” em matéria trabalhista (Inciso I,

do art. 1º, da Lei n.º 8.906, de 4.7.1994).

Com efeito, a edição das Súmulas 219 e 329 do TST

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, puseram

fim, na prática, à controvérsia que grassava em torno da revogação, ou não,

do art. 791 da CLT pelo art. 133 da CF/88, ao menos no que concerne ao

raio de incidência da jurisdição de natureza trabalhista.

É óbvio que a nenhuma Súmula de Tribunal Superior é atribuído o

poder

jurídico

de

exercer

qualquer

controle

concentrado

de

constitucionalidade, e que também não se confere a essas mesmas

Súmulas o efeito vinculante que só com a Emenda Constitucional n.º 45, de

8.12.2004, passou-se a atribuir àquelas Súmulas que, com amparo no art.

103-A da CF/88, vierem a ser editadas pelo STF.

Mesmo assim, entretanto, no campo da jurisdição laboral, o

entendimento condensado nas referidas Súmulas (219 e 329 do TST)

subsistiu como válido, provavelmente porque ainda não havia, na

época em que as referidas Súmulas (219 e 329 do TST) foram

editadas, disponibilizado na ordem jurídica, mecanismo habilitado a

promover o controle abstrato de constitucionalidade do direito pré-

constitucional

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com base no qual as referidas Súmulas vieram a lume

(destaque-se que a existência do art. 791 da CLT data de 1º.5.1943).

De fato, se as súmulas em questão (219 e 329 do TST) tratam das

situações excepcionais, nas quais os honorários advocatícios são devidos,

por extensão e decorrência lógica, igualmente se referem ao “jus postulandi”

de que cuida o art. 791 da CLT. Nesse contexto, a solução baixada pelo

TST, condensada nas Súmulas em apreço, prevaleceu incólume no âmbito

da jurisdição de índole trabalhista, porque arrefeceu a controvérsia e

permitiu, no particular, a continuidade e a conservação do “stato quo ante”,

preservando, em última análise, a eficácia e a vigência do indigitado art.

791 do Estatuto Consolidado.

Do mesmo modo, o inciso I, do art. 1º, da Lei n.º 8.906/94 não

chegou a exercer qualquer efeito revogatório em relação ao art. 791 da CLT,

simplesmente porque sua vigência foi suspensa por decisão proferida pelo

STF nos autos da ADIN 1.127-8-DF. De mais a mais, a edição, observância

e aplicação, até hoje, na prática judicial trabalhista, dos comandos insertos

nas Súmulas 219 e 329 do TST, cristalizam, por estranho que possa

parecer, a vigência do “jus postulandi” mesmo depois de promulgada a Lei

Fundamental de 5.10.1988, e de vigente a Lei n.º 8.906/94.

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Conclui-se, portanto, que nem o advento do texto originário da

CF/88 (art. 133), nem a entrada em vigor do novo estatuto da OAB (Lei n.º

8.906/94) foram potentes, na prática, para extirpar, do ordenamento jurídico

brasileiro, o art. 791 da CLT, muito embora, depois de vigentes os Incisos

LV e LXXIV do art. 5º, e o art. 133 da CF/88, os argumentos de que o “jus

postulandi” (art. 791 da CLT) deveria ser mantido porque o laborista ou o

pequeno empregador geralmente não têm condições de contratar

advogados, ou porque não há, ainda, defensoria pública devidamente

estruturada, afigurem-se inaceitáveis, porque o decisivo e inafastável é que,

a partir daí, passou a ser dever do Estado brasileiro, para dar concreção à

vontade da Lei Fundamental, providenciar a criação e implantação material

das estruturas funcionais necessárias à transformação da Defensoria

Pública (CF/88, art. 134) em uma realidade palpável e acessível aos muitos

que dela ainda dependem para finalmente efetivar os seus mais

elementares direitos, inclusive aqueles decorrentes da atividade laboral.

dos cidadãos e operários e empregadores que não contem com suficiência

de recursos para financiar a tramitação de demandas das quais sejam

partes, venha o art. 791 da CLT a, progressivamente, perder eficácia,

decorrendo daí o conseqüente desuso do manejo do “jus postulandi” de que

cuida o aludido dispositivo legal, o que, por certo, só concorrerá, de forma

amplamente positiva, para o integral respeito e efetividade dos preceitos

fundamentais encartados nos incisos LV e LXXIV da Lei Fundamental da

República (SAAD, 1994, p. 924).

Outro aspecto que ainda merece exame mais detido é o relativo a

saber se o art. 133 da CF/88 enfeixa (veicula) uma simples norma, ou se, de

modo mais radical (com maior radicalidade), positiva um princípio.

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A despeito de respeitáveis posições em contrário, posicionamo-

nos no sentido de entender que, mesmo sendo certo que todas as normas

as quais conformam a Constituição estão em um mesmo patamar em nível

meramente normativo, e que, por isso, não haveria, entre elas, ordenação

hierárquica, há, entre princípios e normas, diferenciações essenciais, que

se manifestam, de modo mais explícito, no campo dos valores. Com efeito,

como registrado por Celso Antônio Bandeira de Melo (1986, p. 230 apud

BARROSO, 2004, p. 153),

princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.” [...] “Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais [...].

Pode-se concluir, portanto, que o preceito materializado pelo art.

133 da CF/88 tem muito mais natureza de princípio, do que de norma, visto

que sua inserção na Lei Fundamental se compatibiliza, integralmente, com o

sistema instaurado pela Carta Política de 1988, que estrutura amplo

espectro de garantias de acesso qualificado à justiça.

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Com efeito, as

disposições do art. 133 da CF/88 guardam perfeita sintonia com os Direitos

Fundamentais que asseguram o acesso (qualificado) à jurisdição (ou seja,

com o contraditório, a ampla defesa e os meios e recursos a ela inerentes,

nos termos do previsto no inciso LV do art. 5º da Carta Política de 1988),

podendo ser entendidas, portanto, como detentoras da mesma natureza dos

princípios anunciados pelos incisos LV e LXXIV da mesma Lei Fundamental,

já que visam, em última análise, garantir, tornar concreta (concretizar), em

favor dos litigantes, a assistência técnica (jurídica) precipuamente prestada

por advogados, assistência essa que é, sem dúvida, um dos fatores

basilares (essenciais) à obtenção de um qualificado acesso à justiça.

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