• Nenhum resultado encontrado

A Farmacogenómica na terapêutica com vincristina

Secção II A Influência da farmacogenómica na terapêutica

IDA-FLAG Dose total de ara-C

1.4. A Farmacogenómica na terapêutica com vincristina

Na última década diversos estudos têm possibilitado um maior conhecimento acerca da farmacocinética, farmacodinâmica e farmacogenética da vincristina no entanto, a variabilidade interindividual farmacocinética mostrada por este fármaco e a ocorrência de neurotoxicidade relacionada com a dose permanece pouco estudada, principalmente em doentes com leucemias agudas.

A toxicidade limitante da dose consiste em neuropatia motora periférica progressiva, o que pode conduzir a perda da força muscular periférica das extremidades dos membros superiores e inferiores (Hartman, A. et al., 2010), resultado da degeneração axonal, ainda que reversível, provocada por este fármaco (Moore, A. et al., 2009). Alguns autores assumem que existe uma relação entre doses cumulativas de

vincristina e a severidade de problemas motores, no entanto um estudo recente mostrou que estes não se encontram relacionados com a frequência, dose ou doses cumulativas. Além disso, crianças tratadas com protocolos de quimioterapia idênticos apresentaram uma variabilidade na resposta ao fármaco. Assim, a causa da variabilidade na ocorrência de neurotoxicidade permanece, ainda, desconhecida (Hartman, A. et al., 2010).

Estudos in vitro e in vivo demonstraram o papel fulcral das enzimas CYP3A no metabolismo e eliminação sistémica da vincristina. O CYP3A5 parece ser mais eficiente a catalisar a formação do principal metabolito da vincristina comparado com o CYP3A4 (a depuração plasmática é 9 a 14 vezes maior pelo CYP3A5), contribuindo 55 a 95% no metabolismo deste fármaco. Assim, polimorfismos neste gene poderão contribuir para a variabilidade interindividual observada na eliminação sistémica da vincristina, (Dennison, J. et al., 2006) tornando-o no principal gene candidato a estudos farmacogenéticos (Gervasini, G. et al., 2012).

As principais variantes alélicas neste gene incluem CYP3A5*3, CYP3A5*6 e CYP3A5*7, todas elas resultam na expressão de uma enzima não funcional. Alguns estudos têm revelado que existe uma variabilidade interindividual de até dez vezes na farmacocinética da vincristina, assim como na variabilidade intradoentes após administração de doses repetidas.

Mais de 70% dos africanos apresenta no mínimo um alelo CYP3A5*1, o que permite a expressão de quantidades significativas de enzima ativa, no entanto este alelo encontra-se presente em apenas 10 a 20% de caucasianos. A expressão polimórfica do CYP3A5 pode, em parte, explicar a discrepância étnica observada em relação à sobrevida e ocorrência de toxicidade em doentes tratados com este grupo de fármacos (Renbarger, J. et al., 2008).

Em um estudo realizado em crianças com LLA de etnia africana foi observado que estas apresentavam um aumento de 42% na taxa de mortalidade comparativamente com crianças caucasianas. A EFS foi de apenas 54% para crianças de etnia africana comparativamente com uma EFS de 82% em caucasianos. Os investigadores sugerem que a alta expressão de CYP3A5 em africanos resulte em um aumento da eliminação da vincristina e contribua para esta disparidade na EFS (Moore, A. et al., 2009) Por outro lado, poderá supor-se que os africanos metabolizam a vincristina mais eficientemente que caucasianos resultando em uma diminuição da biodisponibilidade do fármaco e consequentemente em uma menor toxicidade (Renbarger, J. et al., 2008).

Renbarger et al., desenvolveram um estudo retrospetivo envolvendo uma cohort de 113 doentes pediátricos com LLA pré-B, 92 doentes caucasianos e 21 doentes africanos, nos quais foi avaliada a relação entre a etnia e a neurotoxicidade associada com a vincristina. Estes investigadores observaram que 34,8% dos caucasianos apresentaram sintomas relacionados com neurotoxicidade comparativamente com 4,8% dos africanos (P=0,007). Além disso, caucasianos apresentaram formas mais severas de toxicidade do que africanos (P <0,0001). O grau médio de neurotoxicidade para caucasianos foi de 2,72, enquanto que africanos apresentaram grau 1 (P <0,0001). Cerca de 4% do total de doses administradas a doentes caucasianos foram reduzidas devido a neurotoxicidade em comparação com 0,1% dos africanos (P <0,0001). Em média, africanos apresentam uma diminuição de exposição a vincristina comparativamente a caucasianos, potencialmente devido à expressão do CYP3A5. Segundo estes investigadores, a ocorrência de toxicidade está muitas vezes relacionada com o grau de exposição ao fármaco, e portanto indivíduos africanos que expressam um CYP3A5 funcional apresentam uma ocorrência de neurotoxicidade significativamente menor do que caucasianos, os quais normalmente não expressam um CYP3A5 funcional. Tais resultados suportaram esta hipótese. Não obstante, outras possibilidades poderão explicar estes resultados, uma vez que diferenças na neurotoxicidade poderão estar relacionadas com a variabilidade na sensibilidade à vincristina mais do que na exposição ao fármaco, além de que esta variabilidade poderá dever-se a factores étnicos não genéticos, nomeadamente diferenças ambientais (Renbarger, J. et al., 2008).

Em um estudo mais recente, Hartmann et al. avaliaram a variação no desempenho motor de 34 doentes com LLA, tratados com 2,0mg/m2 de vincristina, e a sua relação com polimorfismos no gene CYP3A5, nomeadamente com a variante alélica CYP3A5*3. Os resultados não forneceram evidências de que CYP3A5*3 afetasse o desempenho motor nesta cohort de doentes. Estes investigadores testaram a hipótese de que a presença do genótipo CYP 3A5*3/*3 faria aumentar a toxicidade da vincristina, o que consequentemente resultaria em uma alteração no desempenho motor, contudo os resultados obtidos não suportaram esta hipótese e os investigadores não observaram qualquer associação estatística significativa entre a variante CYP3A5*3 e o desempenho motor. Segundo os investigadores, nesta cohort de doentes apenas foram observados portadores dos genótipos CYP3A5*1/*3 e CYP3A5*3/*3, portanto nada pode ser concluído sobre o efeito do CYP3A5*1/*1 (Hartman, A. et al., 2010).

Os alcaloides da vinca são também um substrato para o transportador ABCB1,tendo este um papel importante na excreção biliar e renal deste grupo de fármacos. Foi identificado um diverso número de polimorfismos no gene MDR1 levantando a possibilidade de que variações genéticas neste poderiam contribuir para a variabilidade interindividual observada na farmacocinética, eficácia e toxicidade relacionada com a vincristina. Sendo este transportador expresso na barreira hematoencefálica, apresenta a capacidade de limitar a exposição neuronal à vincristina. No entanto, uma menor atividade ou menor expressão de ABCB1 poderão aumentar essa exposição e consequentemente a incidência de neuropatia (Moore, A. et al., 2009).

Plasschaert et al. conduziram um estudo realizado em 52 crianças com LLA tratadas com vincristina, no entanto estes investigadores não encontraram qualquer associação estatística significativa entre os polimorfismos 3435C> T ou 2677G> T neste gene e a variabilidade na farmacocinética e toxicidade. Quando estes investigadores avaliaram a associação entre os haplótipos e a variabilidade farmacocinética, observaram que os portadores do haplótipo 3435C/2677G apresentavam um maior tempo de meia-vida do que os não portadores (1156 vs 805 minutos, P = 0,038). Em contraste, o haplótipo 3435T/2677G tinha um tempo de meia-vida mais curto do que aqueles que não eram portadores deste haplótipo (805min vs 1.180 min, P = 0,044). No entanto, este significado já não foi observado após a correção de Bonferroni para testes múltiplos. Os haplótipos não afetaram outros parâmetros farmacocinéticos, tais como a depuração plasmática de fármaco, o que segundo estes investigadores, sugere que os resultados observados são de importância muito limitada. Além disso, estes polimorfismos não foram relacionados com um risco aumentado para a obstipação induzida pela vincristina (Plasschaert, S.L. et al.,2004)

Hartman et al., também avaliaram a influência destes polimorfismos no gene MDR1 na neurotoxicidade no entanto, e de acordo com os estudos anteriores, também estes investigadores não encontraram qualquer associação estatística entre o genótipo e o desempenho motor destes doentes. Estes autores colocaram a hipótese de que estes haplótipos poderiam afetar a capacidade motora mas os resultados obtidos não suportaram este pressuposto. O tamanho das cohorts nestes estudos eram relativamente pequenas limitando assim a avaliação do efeito destes polimorfismos nos diferentes genes (Hartman, A. et al., 2010).

Pesquisas acerca da farmacocinética e farmacogenética da vincristina continuam em curso, no entanto dada a escassez de evidências sobre o impacto clínico destas variantes genéticas em doentes tratados com este fármaco, tem havido a necessidade de estabelecer estratégias preventivas. Atualmente, estão a decorrer ensaios clínicos que investigam a utilização de agentes neuroprotetores, tal como ácido glutâmico, e de formulações lipossomais, os quais poderão aumentar a janela terapêutica de vincristina (Moore, A. et al., 2009).

1.5. A Farmacogenómica na terapêutica com antibióticos