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5. O CIPS COMO MOTOR DE UMA URBANIZAÇÃO DESIGUAL

5.1 A FAVELA: CONCEITOS E EMBATES NA PERSPECTIVA DO TERRITÓRIO

O termo favela, no Brasil, remonta ao fato histórico ocorrido neste país na passagem do século XIX para o século XX. A primeira utilização deste termo faz referência à Guerra dos Canudos10. Nos arredores de Canudos ficava o Morro da Favela, cujo o nome favela era o de uma planta espinhenta e resistente, comum na Caatinga nordestina. Depois do massacre ocorrido em Canudos, os soldados ao retornarem da guerra, voltando ao Rio de Janeiro, deixaram de receber seus soldos, desta forma, foram instalar-se em barracos nos morros da cidade, sem as mínimas

10 A Guerra dos Canudos foi um conflito no sertão baiano ocorrido em 1896 e 1897, de crítica a República e a situação de miserabilidade em que viviam o povo nordestino, que terminou com a destruição do povoado de Canudos – daí o nome da Guerra. Houve várias batalhas entre tropas do governo federal e um grupo de sertanejos liderados por um líder religioso, Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro (1828 – 1897). Na época, a população miserável da região agregou-se em torno do beato Conselheiro, que havia passado anos pelo sertão pregando uma mistura de doutrina cristã e religiosidade popular. Em 1893, os sertanejos fundam o arraial de Canudos, um povoado muito pobre que chegou a ter 5 mil casas e de 20 mil a 25 mil habitantes. “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens-feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam ruidosamente cinco mil soldados” (CUNHA, 2003. p. 756)

condições de moradias dignas. Os soldados ao relembrarem os dias vividos em Canudos, passaram a chamar estes espaços de favela. O termo, então ficou associado aqueles espaços de ocupação irregulares e sem infraestruturas básicas.

A Organização das Nações Unidas (ONU), através de sua agência United Nations Human Settlements Programme (UN-HABITAT), responsável pela elaboração e publicação de relatórios sobre os assentamentos humanos, buscou padronizar internacionalmente a definição de favela. Esta argência internacional, adotou em 2002 uma definição operacional que estabelece que uma favela/slum são ‘Assentamentos Informais’ identificadas como áreas que combinam as seguintes características: acesso inadequado à água potável; acesso inadequado à infraestrutura de saneamento básico e outras instalações; baixa qualidade das unidades residenciais; alta densidade e insegurança quanto ao status da propriedade. Portanto, o termo slum é utilizado na literatura internacional para caracterizar os assentamentos com baixas condições de moradia. Sendo assim, slum descreve, para a UN-Habitat uma ampla gama de assentamentos de baixa renda e de condições precárias de vida.

Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão oficial do Estado brasileiro, o conceito usado para definir estes grupamentos é o de ‘Aglomerado Subnormal’,ou seja, “assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros. Constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade.” (IBGE, 2010). Tal definição deve atende aos seguintes critérios:

a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há dez anos ou menos); b) Possuírem urbanização fora dos padrões vigentes (refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos) ou precariedade na oferta de serviços públicos essenciais (abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica). (IBGE, 2010)

A Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco – CONDEPE/FIDEM (1998). Órgão oficial do estado para planejar o complexo urbano, conceitua estes agregados por sua proximidade física como ‘Assentamentos de Baixa Renda’:

“Caracterizados por acentuada desordenação espacial, elevada densidade habitacional, deficientes dimensões de habitações, reduzida frequência de acessos e inexistência ou precariedade dos serviços de infraestrutura básica e social. Devido a essas condições, são também denominados de assentamentos subnormais, que, no meio urbano, representam a imagem peculiar da pobreza” (CONDEPE/FIDEM, 1998, p. 17).

Portanto, para este órgão ‘Assentamentos de Baixa Renda’:

São áreas que estão à margem do processo de urbanização, nas quais reside população cuja renda familiar se situa entre 0 e 3,5 salários-mínimos (SM) mensais. Localizam-se nas proximidades do núcleo central. Estes locais, em geral, concentram alguma possibilidade de absorção da força de trabalho não especializada. Os assentamentos também se encontram em localidades com pouca disponibilidade de área livre individual ou coletiva, em regiões alagáveis e morros. A área construída das habitações variava entre 9 m e 50 m.(CONDEPE/FIDEM, 1998, p. 17)

A despeito da definição de ‘favela/slum’ feita por uma agência internacional como é a UN-HABITAT/ONU ou feita por um órgão oficial, de caráter nacional, como IBGE, que propõe o conceito de ‘Aglomerado Subnormal’ ou ainda, a CONDEPE/FIDEM órgão oficial do estado de Pernambuco, que os classificam de ‘Assentamentos de Baixa Renda’. Podemos verificar tais definições dos conceitos a partir da verticalidade, pois nunca são consultados os moradores que vivem nesses espaços, os espaços das horizontalidades.

O Centro de Estudos da Metrópole CEM/CEBRAP11 conceitua estes grupamentos humanos como Setores Precário: Favelas, Mocambos, Loteamentos irregulares de moradores de baixa renda, Cortiços e Conjuntos Habitacionais

11 CEM/CEBRAP é uma […] instituição de pesquisa em ciências sociais, que investiga temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas. Sediado na Universidade de São Paulo (USP).

degradados. “Importante destacar que a definição de assentamentos precários do CEM é mais ampla que a de aglomerados subnormais do IBGE. Além de contabilizar domicílios dispersos e localizados em núcleos com menos de 51 unidades habitacionais, incorpora situações de ocupações mais ordenadas, tais como de loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais degradados, características de inadequação habitacional. (CEM/CEBRAP, 2011).

Dependendo da metodologia aplicada e do conceito de favela definido por diferentes instituições teremos números diferentes relacionados a esta parte da população. Como observado no quadro 16.

Fonte: Elaboração CEM/CEBRAP a partir do Censo Demográfico IBGE (2000) * Inclui setores em área rural de extensão urbana.

Como nos mostra o quadro 16, se optarmos pela definição ‘Domicílios Subnormais’ como propõe o IBGE, teremos apenas 137 domicílios, em Ipojuca, com estas características específicas. No entanto, se classificarmos estes domicílios de ‘Setores Precários’, como pretende que seja, o CEM/CEBRAP, o número sobe para 1.674, ou seja, há uma diferença de 1.537 no número desses domicílios, dependendo de qual metodologia seja aplicada. Destacamos, primordialmente, as favelas e palafitas que surgiram em Ipojuca a partir da construção do CIPS, e fazendo agora partes integrantes do cenário urbano deste município.

O Observatório de Favelas12 em seu encontro no ano de 2009 buscou sintetizar uma definição de favela capaz de oferecer uma perspectiva mais abrangente e “positiva” da sua representação social, ao mesmo tempo conceitual, operacional e política. Ao término do encontro, com os resultados dos debates e posicionamentos algumas abordagens puderam ser sistematizadas, aqui destacamos algumas delas, apontadas no texto: ReFavela (notas sobre a definição de favela), escrito por Geraldo Silva:

a) A primeira reconhece que a favela é um território constituinte da cidade. Sem a favela, não entenderíamos a cidade, e, por sua vez, sem a cidade não compreenderíamos a favela. b) A segunda abordagem diz respeito à dimensão étnica da composição social das favelas. Trata-se, portanto, de um território capaz de configurar identidades plurais, tanto no plano da existência material quanto simbólica; c) A terceira abordagem se refere às problemáticas dos direitos, “A favela é um espaço marcado por iniciativas e estratégias de sujeitos concretos na cidade que buscam exercer sua cidadania. (SILVA, 2011. p. 83)

O fenômeno da favelização não é algo circunscrito ao Brasil, muito menos ao município de Ipojuca. Desta forma, longe de ser algo localizado, a favelização é um problema global que encontra-se ligada diretamente ao processo de crescimento e empobrecimento das cidades. Todavia, nossa análise está cincunscrita ao município de Ipojuca, porém, sem perder a noção de totalidade13.

12 O Observatório de Favelas é uma organização da sociedade civil de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. Criado em 2001, o Observatório é desde 2003 uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP). (OBSERVATÓRIO DAS FAVELAS, 2009. p. 21)

13 Segundo essa ideia [totalidade], todas as coisas presentes no Universo formam uma unidade. Cada coisa nada mais é que parte da unidade, do todo, mas a totalidade não é uma simples soma das partes. As partes que formam a Totalidade não bastam para explicá-la. Ao contrário, é a Totalidade que explica as partes. Eis por que se diz que o Todo é maior que a soma de suas partes O aumento da população total, da população urbana e da (SANTOS, 2006. p. 74)