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A feminilidade que eu não quero: travestilidades estereotipadas

5 ANALISANDO OS DISCURSOS SOBRE CONSUMO ESTÉTICO

5.1 DAS MOTIVAÇÕES PARA O CONSUMO ESTÉTICO E O

5.1.3 Quando mostra aqui, tampa aqui! ”: performances de consumo e modos

5.1.3.2 A feminilidade que eu não quero: travestilidades estereotipadas

Outra questão que surge nas escolhas de consumo das participantes é a necessidade de afastar-se de uma certa feminilidade travesti que implica em um modo específico, e de certo modo estereotipado, de ser mulher. Em suas falas, descrevem um modo de ser ético e estético próprio das travestis, que embora se justificável do ponto de vista delas, pois “muitas trabalham na rua”, não é desejável; ou é desejável em alguns momentos pontuais nos quais é necessária uma postura mais exagerada e colérica. Conforme revelam as falas abaixo quando se levantou a discussão sobre as travestis:

Bárbara- Para mim tem um recorte. Acho que a vulgaridade expressa na aparência tem a ver com fazer programa.

Jennifer - Essa amiga minha [travesti] quando a conheci ela andava sempre com o seio “na bandeja”. E se ela fosse no shopping com essa roupa ela seria esculhambada. Eu percebi que ela usava para fazer e também durante o dia ela tinha costume de usar. Acho que essa questão de feminilidade trans e travesti tem o recorte da prostituição. A própria travesti, tende até no jeito de andar que são mais travestis, dão mais “close”, quebram mais, batem mais palma, os gestos mais acentuados e expansivos.

Laila- Travesti tem mais gíria

Pesquisadora - Isso repercute em vocês?

Laila- O povo aqui no brasil é hipócrita. Não quer diferenciar transexual e travesti. Pra o povo é tudo igual. Se a travesti faz coisa errada na rua é que a trans também é errada, travesti, gay e tudo é raça podre!

Jennifer – É que as pessoas na rua fazem muito a “cara de rica e santa e bonitinha” e as travestis é logo “meu cu, caralho, tô nem aí” tem essa postura de transgressão mesmo.

Laila - olhou pra elas, elas perguntam: “o que é?!”

Jennifer- ou lhe devo o quanto?! Tem essa postura de quebrar! (...) tem situação na rua que vejo alguém me recriminando... ai já baixa a trava. Mas seu tiver de boa já faço a mulher trans... Se eu tô de madrugada na rua eu faço a trava já me impondo, se vier me roubar eu vou roubar também.

Aquela linha assim de se colocar e dizer: “não vem não”. A maioria se prostitui então tem essa postura de rua.

Laila - Quem se prostitui tem que ser assim mesmo, eu andava com spray de pimenta, e apanhei duas vezes. A primeira vez fizeram o programa e queriam o dinheiro de volta. A terceira foi por travestis. Eu não denunciava porque eu tava ilegal na Itália.

Jennifer- Tem recalque também.

Laila- Pra elas é assim, só é travesti quem tem silicone. Quem não tem, é gay montado.

Pesquisadora: Vocês têm medo de ser violentadas por serem confundida? Laila- A gente se comporta ao máximo já pra não passar por isso. Se você se comporta, mas as mulheres cis também passam por isso.

Jennifer - Já cheguei comportada e saber me expressar e as pessoas se incomodarem por não chegar comum travesti. Incomoda!

Pesquisadora – Seria porque você não deu espaço pra eles serem invasivos? Jennifer – Isso!

A feminilidade travesti desagrada porque é considerada exagerada, impertinente; como lembra Jennifer é uma postura que transgride à cisnorma, não apenas por se mostrar como um “corpo que pesa” (BUTLER, 2000), mas por um comportamento que conforme as participantes, reage a confrontações, mas, ao mesmo tempo, torna-se ainda mais vulnerável à violência. A vulgaridade e o desejo de se afastar de uma possível feminilidade travesti motivam a um certo consumo não só de produtos e serviços, mas de uma postura que se afasta dessa aproximação. Falar alto, usar gírias, ter gestos expansivos e postura agressiva que transgridem as regras de comedimento e contenção, historicamente construídas para regularem os corpos femininos, são alguns exemplos de posturas que devem ser evitadas.

O respeito do outro surge a partir de uma imagem do feminino “não-vulgar”. Todo consumo e produção estética é pensado sobre esse aspecto do “não-vulgar”, e além do consumo de objetos físicos existe a exigência de uma postura que corrobore com a produção da imagem: gestos contidos, o falar baixo. O que pode ser pontuado como problemático nas assertivas sobre saber produzir-se para evitar violências é o fato de elas tomarem para si a responsabilidade da agressão e do mesmo modo culpabilizarem umas às outras por serem alvos disso, tornando a questão individual. Em um dos grupos preparatórios essa fala surge das mulheres trans dirigidas ao que concebem como sendo um modo de ser travesti, denotando uma certa rivalidade, ao serem questionadas a respeito da importância do olhar do outro sobre suas estéticas:

Gercina- o olhar do outro depende da forma como estamos vestidas. Somos mais respeitadas se nos vestimos adequadamente. Uma travesti de vestido

curto levou “corra”14 no ônibus e quando desceu levantou a saia e saiu

desfilando. Mas não foi preconceitos dos caras que mexeram com ela, é que a roupa não caiu bem. Tem gente que falta senso crítico. Eu sou uma mulher bem feminina. Se eu andar com travesti mais masculino é uma gritaria na rua.

Helena- A menina (uma travesti) se despeitou com Liza, numa festa porque ela tem rosto bonito. Eu defendi ela. A menina quis bater nela porque eu fiz elogios a ela. Ela disse: “travesti sou eu que tenho silicone, ela é um viadinho!”

Liza- Sim, somos observadas pelas “outras” (travestis)

De acordo com as mulheres trans participantes, há uma afirmação recorrente entre as travestis da necessidade de possuir silicone nos seios para que a travestilidade seja considerada legítima pelos pares, do contrário as mulheres trans e travestis não poderiam reivindicar esse statussendo tidas como um “homem afeminado” o que é um tratamento pejorativo, de status inferior que abre espaço para a marginalização dentro do próprio meio (a marginalização radicalizada, porque praticada entre um grupo já marginalizado, ou seja, reproduzida entre pares) com possibilidade, inclusive, de culminar em agressões físicas entre elas.