• Nenhum resultado encontrado

5 ANALISANDO OS DISCURSOS SOBRE CONSUMO ESTÉTICO

5.1 DAS MOTIVAÇÕES PARA O CONSUMO ESTÉTICO E O

5.1.3 Quando mostra aqui, tampa aqui! ”: performances de consumo e modos

5.1.3.1 Notas sobre a indesejada vulgaridade estética

Nas falas das participantes surge um modo de consumir que reitera, reconstrói certos modos de pensar/agir sobre mulheres. A questão moral da expressão de vulgaridade foi tema recorrente que traz implicações sobre o que se escolhe consumir:

Alana - ... Antigamente eu era tão “jegue” eu usava umas coisas como saia curtinha. Minha irmã usava e eu achava bonito, mas fui mudando fui vendo as pessoas aceitando críticas construtivas.

Laila- eu não gosto de roupa vulgar. Vestido eu gosto, mas não muito curto (..) eu gosto de scarpin fechado. Não uso plataforma, essas coisas assim, não uso plataforma não!

Pesquisadora: Mas tu achas que tem algum sinal de vulgaridade na plataforma?

Laila – ah, eu acho que sim, é meu tipo! Tem mulher quer combina e tem mulher que não. Eu não acho que fico bonita, o povo diz que sim, mas eu não acho. Quando eu ponho scarpin o povo me elogia, me sinto charmosa Pesquisadora – [para Alana]. Quando tu dizes que usava roupa jegue, em outras palavras significa o quê?

Alana - Roupa vulgar, saia curta jeans.

Laila- chama muito atenção, o povo começa a olhar, os cara olham: “fiu fiu” Alana - Chama atenção e não é bonito, eu vejo como vulgar

Laila- Você andando comportada, você não chama muito atenção. Não atrai muito. Atrai olhares, mas não atrai tipo “fiu fiu”, “ei gostosa”, isso você comportada na sociedade, agora se você botar shortinho mostrando a popa da bunda aí pronto! Os carros começa buzinar e povo começa a olhar você. E você não sabe se você é olhada por sua sexualidade [identidade de gênero] ou por causa da roupa. Ai quando a pessoa se veste bem-comportada, você recebe paquera olhares, mas não é vulgaridade, é normal, paquera normal aí você vê que não é sua sexualidade [identidade de gênero].

Pesquisadora – Vocês me disseram que existe um chamar atenção pra vulgaridade e tem o outro lado de ser bonita, elegante, de uma forma que vocês consideram mais desejável?! É isso?

Laila- Isso. E que não machuque a gente também, porque machuca, você ser olhada de uma forma... porque pra população uma trans é o que? Alienígena! É uma pessoa de outro mundo. Infelizmente é assim, em pleno século XXI. A vulgaridade é expressa por roupas curtas, ou seja, que revelam demasiado o corpo. Não que o corpo não possa ser revelado, ele pode e deve ser revelado na sociedade contemporânea e especialmente na cultura brasileira, conforme versa Goldenberg (2002). Ocorre que isto deve ser feito apenas em certa medida, e sobre as condições corretas e com a finalidade de atender ao quesito sensualidade que se solicita das mulheres.

A vulgaridade pode ser revelada também até nos sapatos, na maquiagem muito rebuscada que deve ser rechaçada porque além de não ser considerado bonito, pode implicar em violência e desrespeito. Retomando a ideia de Balestrin (2007) do consumo como performance; vê-se que a forma como se escolhe os produtos e serviços estéticos, como os utilizamos, como optamos por nos vestir e nos expressar, de acordo com a autora, também podem ser entendidos como enunciados performativos construídos e partilhados socialmente. Tais atos são (como afirma Butler (2003) sobre o gênero e aqui estende-se ao consumo) citacionais; ou seja, não falam da vontade original da pessoa, mas do poder reiterativo do discurso, do quanto ele é capaz de perpetuar e (re)produzir os fenômenos que regula. O outro

está presente com seu olhar vigilante e inquisidor, mas também no discurso que cria e produz essas subjetividades.

Por outro lado, seguir regras sobre o que não se pode consumir, a aparência que não se deve mostrar especialmente no que concerne à vulgaridade também pode ser vista como uma forma de defender-se da erotização pela qual passa o corpo da mulher, e de modo ainda mais acentuado da mulher trans dado que a associação entre o corpo da mulher trans e travesti e a prostituição sempre foi evidente. Na técnica de construção, em que houve a exibição de imagens para que as participantes colocassem suas posições sobre as estéticas das mulheres da imagem, a problematização do vulgar e de uma medida considerada ótima de sensualidade, ressurge:

Quadro 2 - Estética dos vestuários

Imagens apresentadas Discursos das participantes

Figura 1: vestido vermelho com decote Fonte:

<http://marcelaferreira.blogspot.com.br/2012/04/sexy-ou- vulgar.html>

Alana- “Quase todos os homens gostam pra comer”

Jennifer- “Exagerado os seios, não a roupa, os seios”

Laila- “Dá pra ver que é uma coroa bem apresentada pra idade dela”

Alana- “Eu não sei a idade dela” Jennifer- “Ela tá lacrando com a cara da sociedade, ela tá dando ‘close’”

Alana – “Ela tá aberta em cima e em baixo” Laila- “Eu acho que ela tá sem calcinha”

Figura 2: Vestido vermelho curto e sem decote Fonte:

http://www.garotasmodernas.com/2010/01/valentino.html

Alana – “Esse aí tá melhor”

Jennifer – “Ta parecendo uma morta”

Laila- “No lugar dela eu cortava mais as mangas, tá muito evangélico isso!

Pesquisadora – “vocês acham feia a moda evangélica? ”

Laila- “Não acho feio. Depois que minha mãe virou evangélica só usa saia longa e ela ficou velha, mostrou a idade dela mesmo.

Alana – Acho feio saia jeans, acho feio demais. Nem toda roupa longa deixa velha. Pra mim quando você mostra aqui [aponta para as pernas], tampa aqui! [aponta para o busto]. Aparecer demais não é legal.

“Quando você mostra aqui, tampa aqui” nos fala do uso pensado dos signos para o que se quer e se pode passar ao outro. A medida precisa de sensualidade para que não se transforme em vulgaridade faz parte de um processo de pedagogização que se aprende ao longo do tempo pela mídia, pelos pares, por ensaio e erro ao receber punição ou recompensas e elogios. Vale lembrar que, como discutimos, no capítulo anterior, as tecnologias de beleza e seus usos regulamentados contribuem para a reprodução das desigualdades de gênero porque se escondem sob a égide da necessidade constante e aprimoramento pessoal, mais incidem de forma muita mais intensa sobre as mulheres