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A fenomenologia como ferramenta metodológica da pesquisa

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CAPÍTULO III PERCURSOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DOS DADOS DA

3.1 A fenomenologia como ferramenta metodológica da pesquisa

Triviños (1987, p. 42) destaca que a fenomenologia de Husserl baseia-se em algumas concepções, dentre as quais encontram-se aquelas que estão ligadas a Platão, a Leibniz, a Descartes e a Franz Brentano, sendo este último autor um idealista austríaco que estruturou um dos principais conceitos da fenomenologia, o da intencionalidade. Essa intencionalidade que é aplicada na fenomenologia tem sua origem na consciência, psique, que sempre se reporta especificamente a um objeto, o que permite inferir que não existe objeto sem sujeito (TRIVIÑOS, 1987).

Assim, Husserl (1979, p. 12) descreve que é na consciência que os “objetos se constituem”, o que converge na afirmação de Siqueira (2017) de que Husserl propõe a análise compreensiva da consciência, uma vez que todas as vivências (erlebnis) do mundo se dão na e pela consciência. Daí segue a célebre definição husserliana: “toda consciência é consciência de alguma coisa, que ela é só consciência estando dirigida a um objeto”.

Dentro dessa mesma preceptiva, Silva, Lopes e Diniz (2008) declaram que a expressão “fenomenologia”:

[...] significa estudo dos fenômenos, daquilo que aparece à consciência, daquilo que é dado, buscando explorá-lo. A própria coisa que se percebe, em que se pensa, de que se fala, tanto sobre o laço que une o fenômeno com o ser de que é fenômeno, como sobre o laço que o une com o Eu para quem é fenômeno (SILVA; LOPES; DINIZ, 2008, p. 255).

Nessa lógica, o pesquisador pondera sobre sua “vivência em seu mundo” de acordo com sua experiência, o que lhe permite examinar e questionar o fenômeno que deseja compreender (SILVA; LOPES; DINIZ, 2008).

Husserl (1979, p. 22) destaca, ainda, que a fenomenologia é o “método da crítica do conhecimento [...] é uma doutrina universal das essências, em que se integra a ciência da essência do conhecimento”. Ela pode ser considerada como a ciência dos fenômenos cognoscitivos, objeto do pensamento e de suas significações. Por isso, busca entendê-los em sua essência (aidética), além de buscar compreender como se apresentam a nós por meio dos sentidos e como são retidos no pensamento. Trata-se de uma ação reflexiva sobre a forma como o fenômeno se manifesta conforme as relações que estabelecemos com os outros no mundo.

Ou seja, a fenomenologia — que Husserl chama de “pura” ou “transcendental” — é uma ciência de essências, e não de dados de fato, possibilitada pela “redução eidética”, cuja tarefa é apurar os fenômenos psicológicos, de modo a isolar suas características reais ou empíricas e levá-los para o plano da generalidade essencial (eidos) (SIQUEIRA, 2017).

A possibilidade do conhecimento não se encontra no conhecimento transcendente das ciências. Estas são sistemas de verdades, se não apenas, fenômenos da ciência. Para determinar a possibilidade do conhecimento, precisa-se da redução fenomenológica. Este é o segundo passo do método fenomenológico, o primeiro é o questionamento do conhecimento, o que significa a suspensão, a colocação entre parênteses das crenças e proposições sobre o mundo natural. É a denominada epoché que permite ao fenomenólogos uma descrição do dado em toda sua pureza. Não existem dados empíricos e tampouco material que se organiza através de categorias estabelecidas em forma apriorística e intuitivamente. Para Husserl não existem conteúdos da consciência, mas exclusivamente fenômenos. O dado é a consciência intencional perante o objeto. Na redução fenomenológica, além da redução eidética que conclui com as essências, têm-se a redução transcendental. (TRIVIÑOS, 1987, p. 14).

Nessa analogia, questiona-se a existência própria da consciência que extingue o que a ela é dado e se encaminha para sustentar sua pureza intencional. Dessa forma, surge, segundo Husserl, a consciência pura. É na consciência que, segundo Husserl, há a probabilidade de construção de todo o conhecimento (ALVES, 2013).

Desse modo, escolhemos trabalhar com a fenomenologia como postura epistemológica porque a questão central da nossa demanda é sempre a existência do próprio “ser no mundo”. Isso tem relação com a forma de raciocinar do homem em seu cotidiano, que se preocupa “concretamente com o seu modo de habitar o mundo, partilhando e convivendo com os outros homens, que no pensamento de Husserl seria o real interpretado como ‘fenômeno’” (SANTIAGO, 2010, p. 2). Por isso, como postura, uma maneira de compreender o mundo tenta explicá-lo de forma clara e objetiva.

Nesse sentido, dentro de uma percepção fenomenológica, este trabalho procura realizar questionamentos sobre determinado fenômeno (i.e., as representações e práticas sociais do jovem universitário em relação a sexualidade e gênero), sem procurar obter uma resposta já conhecida sobre ele, mas buscando perquirir o que queremos saber do próprio fenômeno sob análise. Isso se dá dessa maneira porque a fenomenologia busca descrever uma “experiência vivida da consciência”, intencionalmente, em que o sujeito procura interpretar sua realidade por meio de suas experiências proporcionadas pelos sentidos (GIL, 2010, p. 39).

Essas experiências e vivências vão dando contornos às representações e às práticas sociais estruturadas — na consciência, na mente — e “psicologicamente representadas”,

mediante as interações sociais estabelecidas e as percepções estruturadas em relação a fenômenos, objetos, coisas e pessoas, dando significados aos acontecimentos que são comuns (familiares) aos sujeitos e moldando, convencionando e prescrevendo os comportamentos e as formas de agir (SÊGA, 2000; MOSCOVICI, 2015). Uma vez que é na consciência enquanto psique que os conteúdos e vivências dos sujeitos são representados, em que os conteúdos do eu fenomenológico se difere do eu empírico (HUSSERL, 2015, p. 295).

Dessa forma, procuramos interpretar como esses jovens universitários se posicionam frente a tudo que lhes é colocado por meio dos processos comunicativos, crenças e hábitos instituídos desde sua infância e ao longo do seu desenvolvimento, no que diz respeito a gênero e sexualidade, sem tomar como base, apenas, as formas que se manifestam nos comportamentos, mas também as ações encobertas, nas quais se localizam o modo de “sentir e pensar do grupo e todo seu estilo de vida” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2015). Verificamos as percepções em sua própria existência, considerando as dimensões corpo, sexualidade e gênero como instâncias que se convergem não apenas como fenômeno biológico, físico ou reprodutivo, mas a partir de uma dimensão psicológica, histórica e social, uma vez que o impulso de investigação é o mesmo da análise de pesquisa e deve vir das próprias coisas, dos problemas, da vida cotidiana, isto é, do fenômeno (SIQUEIRA, 2017).

À vista disso, optamos por adotar a abordagem fenomenológica das representações, pois os fenômenos ao serem analisados e interpretados pelos sujeitos ou grupos sociais adquirem novos significados de acordo com; as vivências, conhecimentos, contexto sociocultural, códigos e símbolos, que se estruturam por meio das relações sociais, produzindo diferentes representações sobre um mesmo objeto, neste contexto – gênero e sexualidade – que se manifestam nas atitudes e práticas sociais que partilham entre si e condicionam o comportamento e as condutas sobre determinado fenômeno.

Desse modo, quando o sujeito apreende e interpreta determinado fenômeno utilizando seus; conceitos, valores, crenças, posiciona-se e age mediante suas convicções, o que determina suas atitudes em relação a este fenômeno. Esta atitude segundo Santiago (2010, p. 7) “pode ser uma relação positiva ou negativa direcionada a um objeto, estabelecida pelos membros de um grupo que produz uma visão de mundo organizada de acordo com os sentidos atribuídos” pelo eu empírico, que converge com a opção realizada pelo sujeito sobre seu modo de viver e experienciar.

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