• Nenhum resultado encontrado

A FILOSOFIA ECOFEMINISTA E SUA RELAÇÃO COM A

Warren faz a conexão entre a teoria feminista e a ecologia158 a partir de duas questões.159 A primeira é a teoria da

156 ADAMS, Carol J. Neither Man nor Beast, p. 139. 157 ADAMS, Carol J. Neither Man nor Beast, p. 140.

158 Warren diferencia os termos: “preocupações ’ecológicas’ tendem a focar em inter-relações entre seres naturais não-humanos, espécies e comunidades, enquanto preocupações ‘ambientais’ tendem a focar em inter-relações entre humanos e seres e substâncias naturais não- humanos. Estabelecer a fundamentação ecológica da filosofia ecofeminista envolve demonstrar que a filosofia ecofeminista é informada e compatível com a visão científica, ecológica da natureza não-humana.” WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 147. 159 Uma versão preliminar da conexão entre o ecofeminismo e a

ecologia foi publicada originalmente em 1991, no artigo Ecological

Feminism and Ecosystem Ecology, escrito por Warren e Jim Cheney.

Nesse artigo, os autores demonstram as conexões entre o ecofeminismo e a teoria da hierarquia. KAREN, Warren. CHENEY, Jim. Ecological Feminism and Ecosystem Ecology. In: WARREN, Karen (Ed). Ecological Feminist Philosophies. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, p. 244-262.

hierarquia, que ela entende ser a principal teoria sobre a ecologia dos ecossistemas. “A teoria das hierarquias centraliza a importância de conjuntos de observações e escala espaço temporal nos estudos dos ecossistemas.”160 Tal visão contraria a visão tradicional opositora, exclusivista dos ecossistemas, dividindo-os em objetos e processos. Leva, ainda, em consideração duas questões: o que está sendo observado e o observador.

A segunda é a ética da terra, de Aldo Leopold, a qual Warren julga ser o texto mais popular da ética ambiental, dentre os ecologistas de campo. A autora propõe uma atualização da ética da terra, que torne as questões básicas ecológicas, compatíveis com a perspectiva da ecologia dos ecossistemas provida pela teoria da hierarquia. A ética da terra apresenta três características: 1) humanos são comembros da comunidade ecológica; 2) humanos devem amar e respeitar a terra; e 3) é errado destruir a integridade, estabilidade e beleza da comunidade biótica. Warren defende que qualquer posição que negue as sensibilidades expressas nessas três premissas não constitui uma ética ambiental genuína.161

Warren conjuga essas duas teorias e afirma que, juntas, elas fornecem a base para considerar a filosofia ecofeminista uma posição ecológica. Por outro lado, ela argumenta que a filosofia ecofeminista pode contribuir tanto para a ecologia quanto para a ética da terra. O elo entre as três perspectivas (teoria da hierarquia, ética da terra e filosofia ecofeminista) é a orientação ecológica para o mundo, sobre a qual cada um contribui à sua maneira.162

Warren identifica seis pontos de convergência entre a teoria da hierarquia e a filosofia ecofeminista: 1) elas oferecem considerações altamente contextuais da teoria e das observações; 2) a premissa de que uma coisa (pessoa, comunidade, população, espécie, animal, rio) é a função de “onde” ela é; 3) ambas entendem o discurso ecológico como sempre contextualizado;163 4) epistemológica, sobre o conhecimento, conhecedor e objetos do conhecimento; 5) elas

160 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 150. 161 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 159-160. 162 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 147-148. 163

são estruturas inclusivistas (inclusivists), integrativas, para mediar abordagens dualísticas historicamente opostas; e 6) ambas ocupam um lugar central para a diversidade (ou diferença) e similaridade.164

Da mesma forma que a autora assinala as convergências entre a teoria da hierarquia e a filosofia ecofeminista, ela o faz entre ambas e a ética da terra. Ao considerar o primeiro ponto de convergência, Warren identifica três pontos em comum com a ética de Leopold: 1) o impacto duradouro dos escritos de Leopold deve-se, em parte, à sua capacidade de mostrar como a ecologia contribui para a contextualização do pensamento moral; 2) a interpretação ecológica da história é central para o desenvolvimento do conceito da Terra como uma comunidade, e a extensão da ética à terra; 3) Leopold contextualiza as questões ecológicas e éticas utilizando explicitamente escalas espaço temporais, como uma norma para avaliar o impacto humano direto na natureza não-humana.165

A segunda e a terceira áreas em comum entre a teoria da hierarquia e a filosofia ecofeminista referem-se à sua insistência de que não há somente um modo correto de estudar os ecossistemas (uma postura metodológica), tampouco uma visão ontologicamente privilegiada dos ecossistemas. Transpor isso para a ética de Leopold pode ser complicado, pois sua teoria antecede em algumas décadas a formação da teoria da hierarquia. Nesse sentido, Warren afirma que há uma preocupação em considerar que Leopold assumiu uma visão ontologicamente privilegiada dos ecossistemas, ou se assumiu que indivíduos fossem redutíveis a fluxos de energia.166 Warren alega que Leopold escreve tanto sobre indivíduos quanto sobre organismos (a terra, coletivamente). Portanto, a leitura mais fiel de Leopold é a que considera ambos, indivíduos e fluxos de energia, reais. Assim, Warren rejeita a crítica que usualmente é feita a Leopold de que o holismo da ética da terra não considere moralmente os indivíduos, argumento usualmente apresentado por Baird Callicott, por exemplo.167

O quarto ponto em comum entre a teoria da hierarquia e

164 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 156-157. 165 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 160-161. 166 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 161.

a filosofia ecofeminista é epistemológico. “Não há conhecimento independente de contexto”, afirma Warren. Essa posição epistemológica ressalta a importância das relações particulares, dependentes do contexto entre nós e os objetos com os quais nos preocupamos. Segundo Warren, essa visão também é encontrada em Leopold.168

A quinta área em comum se refere às estruturas inclusivistas e integrativas para mediar abordagens dualistas, historicamente opostas, sobre as relações entre natureza e humanos. Leopold, assim como a teoria da hierarquia e a filosofia ecofeminista, reconhece tais dualismos, mas, diferentemente das ecofeministas, o autor defende um dos membros envolvidos no dualismo. No entanto, Warren afirma que essa não é uma razão suficiente para separar o ecofeminismo da ética da terra, pois a ética da terra foi a primeira proposta ética ocidental a incluir e considerar sistematicamente os não- humanos, sendo, portanto, uma ética inclusivista.169

O último ponto de convergência, a centralização da diversidade e similaridade em contextos ecológicos e humanos, está também presente na proposta de Leopold: 1) o autor vincula diversidade cultural e biodiversidade; 2) formas embrionárias de justiça social e questões de gênero podem ser encontradas em seus escritos; e, 3) ele se preocupa com questões relacionadas à ecologia urbana e com a preservação do valor de conhecimento daqueles que trabalham com a terra e a conhecem.170

Sobre a ética da terra, Warren conclui que ela não é uma proposta suficientemente sensível às questões de gênero e de justiça ambiental. Por conseguinte, ela não defende uma ética feminista baseada na ética leopoldiana. Ela argumenta que existem pontos de convergência entre as tais teorias, mas é a filosofia ecofeminista que pode fornecer boas contribuições à teoria de Leopold, não o contrário.171