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Carol Adams defende que existe uma conexão empírica entre a exploração sexual e a violência contra animais. A partir de um modelo proposto por Warren, Adams afirma que pode demonstrar a importância de o feminismo e o movimento de defesa dos animais observarem as implicações dessa conexão.308

Após apresentar o argumento de Warren, de que as conexões empíricas entre mulheres e natureza auxiliam a compreensão da subordinação das mulheres e o estabelecimento do significado prático da filosofia ecofeminista, Adams defende que as conexões empíricas revelam também a ligação entre abusar de animais e abusar de mulheres. Segundo Adams, é recorrente a ameaça ou morte de animais de estimação a fim de estabelecer ou manter o controle das vítimas da violência sexual, assim como o próprio uso de animais na violência sexual contra mulheres e crianças. Além disso, a exploração sexual pode influenciar o comportamento da vítima

306 GOFF-YATES, Amy L. Karen Warren and the Logic of Domination, p. 176.

307 GOFF-YATES, Amy L. Karen Warren and the Logic of Domination, p. 177.

em relação aos animais, causando-lhes mal.309

Adams defende que essas conexões empíricas têm implicações filosóficas. No que tange a análise conceitual, Adams busca o conceito de somatofobia (a hostilidade ao corpo), de Elizabeth Spelman, e afirma que a conexão entre abusar de mulheres e abusar de animais claramente demonstra que a somatofobia se aplica tanto à espécie, quanto ao gênero, à raça e à classe. É necessário, portanto, repensar as noções antropocêntricas sobre a objetificação sexual.310

Sônia T. Felipe conceitua a somatofobia como “a forma de violência que resulta no ataque ao corpo de um indivíduo vulnerável”311, em virtude da hostilidade do agressor em face de uma diferença que considera inferior naquele que sofre a agressão. Para Felipe, dessa mesma epistemologia derivam os binômios que desmembram e hierarquizam a natureza: “corpo e alma, razão e sensibilidade, virilidade e fragilidade, força e fraqueza, feio e bonito, útil e inútil”312, de modo que essa dicotomia conceitual passa a não mais admitir a igualdade.

Negando-se a concepção holista da natureza viva, adotando-se a respeito da natureza humana, por causa da capacidade racional, a dicotomia dos conceitos metafísicos construídos a partir do dualismo cartesiano, que a cortou em duas partes (corpo e alma), as relações entre humanos, regidas por essas dicotomias, passam a constituir-se na forma hierárquica sujeito-objeto, porta de entrada de todas as manifestações da violência, da física à simbólica.313 (grifo da

309 ADAMS, Carol J. Neither Man nor Beast, p. 146. 310 ADAMS, Carol J. Neither Man nor Beast, p. 152.

311 FELIPE, Sônia T. Somatofobia I: violência contra animais humanos e não-humanos. As vozes dissidentes na ética antiga. Pensata Animal. V.

1, n. 2, jun. 2007. Disponível em:

<http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=ar ticle&id=118:somatofobiai&catid=38:soniatfelipe&Itemid=1> Acesso em: 20 ago 2012.

312 FELIPE, Sônia T. Somatofobia I: violência contra animais humanos e não-humanos. As vozes dissidentes na ética antiga.

autora)

Para Felipe, a violência institucionalizada contra animais pode ser considerada da mesma ordem da violência praticada contra mulheres, eis que ambos compartilham tanto o confinamento quanto a condição de vulnerabilidade. No mesmo sentido da afirmação de Adams, Felipe assevera que o racismo, o sexismo e o especismo têm a mesma matriz moral e cognitiva.314

Adams afirma, em relação à epistemologia, que a invisibilidade de algo impede o seu conhecimento. Assim, a maior parte da violência sexual contra as mulheres, as crianças e os animais é invisível para a maioria das pessoas. Ademais, existe a invisibilidade do abuso cometido contra animais, culturalmente aceito, como o uso para alimentação, caça e experimentação. Adams aponta a epistemologia relacional como uma solução para diminuir tal invisibilidade. Adams cita o exemplo de uma mulher que ao perceber que seu marido lhe agredia, ainda que alegasse amá-la, deu-se conta de que ela alegava amar os animais e ainda assim os comia.315

Ao abordar a filosofia política, Adams afirma que a dicotomia público/privado é prejudicial para as mulheres, que são associadas ao privado, espaço no qual tanto a violência contra as mulheres quanto as conexões empíricas entre a violência contra as mulheres, as crianças e os animais são mantidas invisíveis. Adams defende que as características das estruturas conceituais opressoras, propostas por Warren, deixam clara a forma pela qual a dicotomia público/privado opera em relação ao abuso de mulheres e de animais. O pensamento de valor hierárquico concede mais valor aos “de cima” do que aos “de baixo” e, assim, as mulheres, as crianças, os homens não- dominantes e os animais, por exemplo, que são os “de baixo” em

contemporâneas. Pensata Animal. V. 1, n. 3, jul. 2007. Disponível em: < http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=arti cle&id=127:somatofobia-ii&catid=38:soniatfelipe&Itemid=1> Acesso em: 20 ago 2012.

314 FELIPE, Sônia T. Somatofobia I: violência contra animais humanos e não-humanos. As vozes dissidentes na ética antiga.

315 ADAMS, Carol J. Neither Man nor Beast: Feminism and the Defense of Animals, p. 154.

termos de status (público), são mais vitimizados.316

Da mesma forma opera o dualismo de valor, outra característica das estruturas conceituais opressoras. Até pouco tempo, a violência nos espaços privados não era questionada na esfera pública. Adams cita Sara Ruddick, que afirma que não há uma divisão clara entre a violência doméstica, civil e militar, então não há também uma divisão clara entre as práticas e os pensamentos para alcançar a paz privada e pública.317 Nesse mesmo sentido, afirma Felipe:

A dicotomização das esferas relacionais humanas em esfera política (pública) e esfera pessoal (privada), a separação entre o homem público e o homem privado, a reclusão das crianças, mulheres e animais ao âmbito do espaço privado, o âmbito do confinamento, sustentam relações de terror na esfera doméstica: bater, estuprar, ameaçar de morte, privar da liberdade física e da liberdade de expressão são formas da violência sofridas por seres confinados. Na esfera política são praticados os ataques terroristas, as invasões, os bombardeios, a devastação ambiental, o extermínio das espécies vivas, a poluição e contaminação do ambiente físico natural. Alguns homens exercem domínio tirânico apenas na esfera doméstica; outros, alçados ao poder, o fazem em escala planetária, no âmbito político e econômico internacional.318

Adams defende, ainda, que a dicotomia público/privado funciona como parte da outra característica das estruturas conceituais opressoras, a lógica da dominação. A violência que

316 ADAMS, Carol J. Neither Man nor Beast, p. 156. 317 ADAMS, Carol J. Neither Man nor Beast, p. 156.

318 FELIPE, Sônia T. Somatofobia III: violência contra humanos e não- humanos. As vozes dissidentes na filosofia feminista contemporânea.

Pensata Animal. V. 1, n. 4, ago. 2007. Disponível em: <

http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=arti cle&id=128:somatofobia-iii&catid=38:soniatfelipe&Itemid=1> Acesso em

ocorre na esfera privada não recebe intervenção, justamente por que a esfera privada não é foco de preocupações filosóficas, como o é a justiça, relacionada normalmente à esfera pública.319

Em relação à ética ambiental, Adams argumenta que se o abuso ambiental é uma forma de somatofobia, então a filosofia ambiental deve prestar atenção nas questões conceituais decorrentes da conexão entre abusar de mulheres e abusar de animais. Igualmente, as conexões empíricas influenciam também outras áreas da filosofia aplicada, como as políticas públicas, a ética biomédica e a psicologia filosófica.320

Embora Warren construa seus argumentos a partir de uma conexão conceitual, e não prática, parece que ela reconhece também sua importância ao mencionar a conexão empírica como uma das formas de interconexão entre mulheres e natureza. Ademais, Warren reconhece a conexão prática como uma estratégia política de coalizão entre os movimentos de defesa dos animais e o das mulheres. É nesse sentido que a autora trata do vegetarianismo moral e, inclusive, cita Adams, que se baseia na conexão prática.

Entretanto, Warren silencia sobre a conexão prática entre a violência contra os animais e a violência contra as mulheres. Além disso, Warren tem uma abordagem política em sua proposta, mas não chega a problematizar a dicotomia público/privado.