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A formação de grupos na adolescência

Capítulo 3 – Violência nas escolas

3.3 Adolescência e violência

3.3.1 A formação de grupos na adolescência

O grupo de referencia, no caso a turma da escola, serve como um modelo de identificação, no qual o adolescente se baseia para ajudar a configurar a sua identidade, utilizando das influências, experiências e do suporte oferecidos pelo coletivo neste processo. Em busca de desenvolver, assegurar e estabelecer uma identidade própria, o adolescente passa por um processo de identificação maciça, onde cada indivíduo busca identificar-se com seus semelhantes partilhando de características em comum, ao mesmo tempo em que procura distinguir-se particularmente de cada um deles.

Este grupo exerce um papel fundamental nesta condição, ao servir como modelo de comparação, estabelecer um critério de aprovação e ao validar a identidade do jovem como sendo normal e, portanto aceitável. Para ser aceito pelo grupo, o jovem procura identificar-se a partir dos padrões determinados pelos líderes (normalmente os mais populares, carismáticos ou fortes), que orientam e corroboram as tendências a ser seguidas. Sejam estes líderes os alunos populares do colégio, os astros do cinema, da música e da televisão ou qualquer outro indivíduo que exerça influência suficientemente importante sobre os jovens, os valores e as tendências exibidas por eles exercerão um caráter fundamental no estabelecimento da identidade do adolescente.

Neste processo, o jovem dificilmente estabelece uma relação de identificação com os pais; não sendo incomum que entrem em conflito com seus valores, autoridade, buscando determinar uma clara distinção de sua própria identidade com a de seus pais,

contestando a sua autoridade e a legitimidade, com o intuito de estabelecer uma clara distinção entre os desejos e expectativas paternas e a constituição de sua própria identidade pessoal. Este conflito de valores pode levar o jovem a estabelecer relações com os modelos mais característicos ao seu grupo social.

A dependência do grupo pode ser entendida como uma transferência de parte de uma dependência familiar para uma dependência para com o grupo, configurando-se como uma etapa intermediária para a independência e autonomia; o grupo ajuda o adolescente a desenvolver-se em adulto. Os companheiros de idade, a roda de amigos e a turma ajudam o adolescente a encontrar sua própria identidade em um contexto social. O sentimento de participação no grupo de adolescentes é forte e resulta em sentimento de pertença para com o grupo de participação e intolerância ou desacordo para com aqueles que estão fora do grupo. Estas diferenças podem ser evidenciadas por qualquer aspecto, como linguagem, atitude e tendências de moda, o que é uma forma de exacerbar a própria identidade, em oposição aos comportamentos que nos desagradam ou com os quais discordamos.

É interessante destacar que o individuo, enquanto membro de um grupo, pode apresentar comportamentos distintos daqueles que seriam esperados em circunstâncias particulares. Como aponta Freud em suas obras (Psicologia de grupo e a analise do Ego 1976b/1921 e Mal-estar na civilização 1980/1930) uma peculiaridade do grupo psicológico é destacada pelo fato de que, independente de quem são os membros do grupo, eles passam a assumir uma postura coletiva, na qual sentem, agem e pensam a partir de uma expectativa generalizada.

Costuma-se atribuir a esta característica do grupo social uma possível explicação para a questão da violência dos adolescentes. Considerando que o comportamento do indivíduo é superado pelo desejo do grupo, e no intuito de ser reconhecido e aceito pelo

coletivo, o sujeito admite assumir atitudes com as quais, particularmente, não concordaria ou teria coragem para realizar. Não é incomum o individuo sacrificar seus interesses particulares em beneficio do interesse do grupo. A tensão por manter a coesão e a homogeneidade do grupo resulta em um processo no qual as peculiaridades do individuo perdem importância, de modo que o comportamento apresentado pelo sujeito, muitas vezes, destaca características de valores do grupo. O grupo extrapola o sentimento de poder e invencibilidade do adolescente, proporcionando a ele um espaço de conforto no qual seus desejos podem ser expressos com um menor risco de punição. O anonimato e a segurança proporcionada pelo grupo podem levar o sujeito a expressar, de forma menos comedida, a sua agressividade. Sentimentos que muitas vezes poderiam ser contidos pelo sujeito encontram no grupo respaldo para ser expressos.

O bullying é entendido como um comportamento diretamente dependente do grupo, o qual pode participar agindo como um todo no processo de humilhação, intimidação e agressão ao outro, ou então dando legitimidade ao ato executado pelos indivíduos, ao não interferir ou ignorar os comportamentos de bullying presenciados. Sem a permissão do grupo, os fenômenos de bullying tendem a se restringirem ou mesmo tornarem-se escassos, já que deixa de existir a segurança e o suporte do grupo ao agressor.

A repressão ao fenômeno do bullying deve partir do próprio grupo, de modo que possa interceder nestes comportamentos que são, em uma consideração ampla, dirigidos à aprovação do próprio grupo. Entre as explicações apontadas na literatura como motivações para a existência e a manutenção dos comportamentos de bullying estão à aceitação e o estabelecimento de uma posição de destaque no grupo (ABRAPIA 2006, Asidao, Vion, & Espelage, 1999, Fante & Pedra, 2008, Martins, 2005, Pellegrini e Bartini, 1999).

Para Freud (1976b/1921), quando em um grupo, sobressaem-se as características mais primitivas do individuo, de forma a não admitir ou mesmo tolerar qualquer atraso entre seu desejo e a realização deste desejo. Desenvolve-se um sentimento de onipotência, no qual o individuo dentro de um grupo perde a noção de que possam existir limites a ser respeitados ou reconhecidos. “Quando indivíduos se reúnem num grupo, todas as suas inibições individuais caem e todos os instintos cruéis, brutais e destrutivos, que neles jaziam adormecidos, como relíquias de uma época primitiva, são despertados para encontrar gratificação livre”. (p. 49) O grupo pode representar uma possibilidade de poder para o individuo ou um risco à sua individualidade.

Cabe destacar que os grupos não funcionam apenas como fontes de despersonalização ou ambientes de propagação dos desejos mais obscuros da natureza humana. Os grupos são fundamentais para a formação da identidade, para o estabelecimento de valores e o entendimento das relações sociais mais diversificadas. Destacamos as características prejudiciais dos grupos, especialmente pela influência nos comportamentos agressivos, em especial aos comportamentos relacionados ao bullying.

Como nos aponta Freud:

“Os impulsos a que um grupo obedece, podem, de acordo com as circunstâncias, ser generosos ou cruéis, heróicos ou covardes. Mas, sob a influência da sugestão, os grupos também são capazes de elevadas realizações sob forma de abnegação, desprendimento e devoção a um ideal”. (Freud, 1976b, p. 48)

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