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Formas de abordagem da violência 22

Wierviorka (2007) apresenta diferentes formas de abordar a violência, e segundo o autor, estas abordagens determinam a maneira pela qual o fenômeno pode ser compreendido e estudado. Apresentaremos alguns destes modelos de abordagem da violência propostos pelas ciências humanas e sociais, e a partir destas, pretendemos

propor discussões acerca de suas considerações. Entre estas abordagens tidas como clássicas, o autor destaca três modelos principais.

O primeiro deles é a teoria conhecida como agressão-frustração, que defende a idéia de que a violência “é uma conduta de crise, uma resposta a mudanças na situação do ator ou dos atores, que reage(m) principalmente pela frustração” (Wierviorka 2007, p.1151). De acordo com esta teoria, o impedimento ou a impossibilidade de atingir seus desejos e objetivos seria uma razão para que a pulsão não satisfeita fosse redirecionada, a partir da frustração, na forma de agressão. A violência encontraria espaço para desenvolver-se nas brechas oferecidas pela distância entre as expectativas do indivíduo ou do grupo e as possibilidades de satisfazê-las. Quando esta diferença é insuportável, o indivíduo (ou o grupo) assume(m) uma postura de raiva, que eclode em um movimento destrutivo. Esta abordagem foi bastante difundida, tendo uma importância histórica significativa, mas também foi alvo de severas criticas, principalmente ao não conseguir explicar porque alguns indivíduos, diante da frustração de suas expectativas não adotam uma postura de agressividade, esbarrando na incapacidade de considerar a agressão como um aspecto distinto da violência, sendo portanto limitado as considerações dos atos envolvendo violência física, ou manifestações diretas destes atos.

Uma segunda abordagem clássica, que busca distanciar-se da teoria da agressão- frustração a partir da noção de mobilização de recursos, “insiste no caráter racional e instrumental da violência, inclusive em suas dimensões coletivas – motins, revolução, por exemplo” (Wierviorka 2007, p.1151). Nesta teoria, a violência assume o papel de um recurso mobilizado pelos atores social como meio para se atingir um objetivo determinado. Ao abordar a violência enquanto uma postura ativa (e não mais reativa) do sujeito faz do ator social da violência personagem consciente de sua ação. Apesar de

trazer uma concepção bastante interessante da violência enquanto instrumento, peca ao reduzi-la a um recurso de uso do individuo, desconsiderando as questões simbólicas e de linguagem que envolvem os fenômenos de violência.

O último dos modelos considerados clássicos estabelece uma relação entre violência e cultura. Esta abordagem, na verdade, abrange duas vertentes distintas, a que estabelece a cultura como mecanismo de superação da violência, na qual o processo civilizatório serviria para auxiliar os indivíduos a aprenderem a dominarem seus impulsos agressivos, como nos aponta Norbert Elias (1994) em sua principal obra, O Processo Civilizador, publicada originalmente em 1939. Nesta obra, o autor estabelece uma relação direta entre a modernidade e os comportamentos violentos. Para ele, a medida em que a sociedade se aprimora são desenvolvidas alternativas aos comportamentos violentos, seja através do estabelecimento de normas e regras ou pela mudança de valores sociais. Elias defende que encontramo-nos em uma ascendente evolução, que pode ser claramente percebida pela não-aceitação de certas condutas e comportamentos antes tolerados ou incentivados, como a escravidão ou a morte pela honra. A própria sociedade, em suas manifestações culturais, encarregar-se-ia de restringir e estabelecer o controle dos atos de violência.

Outra concepção de cultura e violência é trazida por Freud (1980), no seu ‘Mal- Estar na Civilização’, escrito no ano de 1930. Nela, Freud aborda que a civilização é fruto de um ato violento, no qual os indivíduos se unem para destituir uma figura toda- poderosa, que domina todos os recursos do grupo. Para evitar a manutenção desta relação desigual, o grupo acaba com este ‘Pai’ primordial, através do uso de violência. O medo de que Outro sinta-se tentado a assumir este vácuo de poder faz com que sejam estabelecidas regras de conduta, a partir das quais os indivíduos abrem mão de um certo

grau de satisfação pessoal e narcísica em prol da segurança e do bem-estar proporcionados pelo grupo. Portanto, a sociedade e a cultura teriam a função de reprimir os impulsos agressivos dos indivíduos e proteger o social das tendências violentas que não consegue conter. Para Freud, a civilização encontra-se em uma condição de constante tensão, já que reprimir os próprios impulsos narcísicos é uma função considerada como superior, que demanda a capacidade do individuo de sublimar e deslocar sua satisfação pessoal imediata à condição de satisfação de longo prazo, mais restrita. É a transição entre as necessidades do Id pela satisfação mais segura do Ego.

As abordagens clássicas apresentam propostas que nos permitem compreender a questão da violência sobre diferentes aspectos, cada qual com suas peculiaridades e entendimentos. Acreditamos que estas abordagens clássicas não satisfazem plenamente as necessidades de explicações sobre todos os aspectos do fenômeno complexo da violência, mas permitem uma reflexão pertinente sobre o tema. Entender que condições pessoais podem contribuir para a manifestação de comportamentos agressivos, que a violência pode ser instrumental e é influenciada diretamente pelo processo civilizador e pela sociedade nos possibilita desenvolver explicações mais condizentes com as demandas atuais e, particularmente, como o nosso objeto de pesquisa.

A partir das reflexões proporcionadas pelas abordagens clássicas vamos desenvolver novos instrumentos analíticos que permitam ampliar este entendimento para alem dos pressupostos apresentados. Exploraremos algumas formas alternativas de abordagens da violência que, em nosso entendimento, devem ser discutidas a fim de proporcionar uma compreensão mais apropriada sobre o fenômeno, que incluem a violência simbólica, a violência enquanto linguagem e a violência enquanto relação de poder.

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