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A Formação de professores no estado de São Paulo

CAPÍTULO I. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL:

1.2 A Formação de professores no estado de São Paulo

No final do século XIX o estado de São Paulo torna-se um grande centro de difusão de políticas e saberes no país, impulsionado pela importância econômica conquistada graças à produção de café e ao desenvolvimento industrial. No campo da formação de professores, o estado também apresenta peculiaridades, ao propor e implementar reformas que serviriam posteriormente como modelo para reformas nacionais. Um exemplo é a criação das escolas complementares, em 1892. Esses cursos tinham duração de 4 anos e o mesmo currículo das escolas normais, exceto pela formação pedagógica. A intenção era que eles fizessem parte de uma nova organização do ensino, que passaria a ser composto por 3 níveis: primário, complementar e secundário. No entanto, as escolas complentares poderiam formar professores para os cursos primários. Esse papel, que tinha um caráter assistencial, foi ampliado e regulamentado em 1895, quando a única escola normal do estado não conseguia formar professores em número suficiente para atender ao ensino primário e as escolas complementares passaram a contar com um curso de práticas de ensino.

Para Pisaneschi (2010, p. 67) o modelo dualista que então se estabeleceu – uma escola normal mais especializada, que oferecia uma formação na época mais voltada para a teoria; e uma escola complementar que oferecia uma formação mais prática e rápida, voltada para a quantidade de formandos e a aplicação de técnicas – caracteriza a formação de professores até os dias atuais. Para nós essa dualidade teórico/prática é uma das ambiguidades ainda presentes nos cursos de pedagogia, que deve ser investigada se

quisermos entender como a formação de professores para as séries iniciais ocorre nesses espaços e como podemos aprimorá-la.

Em 1911 as escolas complementares foram transformadas em escolas normais. A formação de professores dos anos iniciais, entretanto, continuava bastante criticada inclusive oficialmente, nos relatórios do estado sobre instrução pública. Assim, em 1917 são criados os cursos complementares: preparatórios para a escola normal, que tinham o objetivo de selecionar e preparar melhor os futuros alunos-professores, oferecer uma gama de conhecimentos gerais – antes parte do currículo das escolas normais – e profissionalizar, assim, a formação nas escolas normais, que poderiam então ocupar-se das disciplinas mais especializadas. Segundo Pisaneschi (2010, p. 71) essa profissionalização vai ao encontro das expectativas geradas pelo movimento escolanovista:

Da Escola Normal, nesse contexto, requeria-se, mais que nunca, a constituição de um perfil mais definido no âmbito de sua responsabilidade de formar profissionalmente os professores para o Magistério primário. Tal solicitação parecia fundamentada pela necessidade de fazer com que esses ambientes fossem organizados em consonância com os “novos” pressupostos educacionais, que exigiam um conhecimento mais aprofundado sobre o desenvolvimento da criança e sobre os melhores métodos de ensino que pudessem responder à especificidade de educar as novas gerações.

Em 1920 a Reforma Sampaio Dória regulamenta e reorganiza o processo de formação dos professores para as séries iniciais, ao adicionar ao currículo das escolas normais disciplinas como prática pedagógica, didática, psicologia e pedagogia e, ao mesmo tempo, ressaltar a importância dessas instituições assumirem um caráter mais técnico, com ênfase nas disciplinas práticas. No entanto, em 1925, novamente o estado se preocupa com a formação cultural geral dos professores e revê as modificações feitas pela reforma Sampaio Dória, imprimindo às escolas normais um aspecto propedêutico.

Vemos, portanto, que existe uma dificuldade em criar um locus para a formação docente para as séries iniciais. As tentativas de profissionalização desses espaços são

seguidas sempre por retrocessos e generalização do ensino oferecido por eles. Essa constitui uma outra ambiguidade na formação docente encontrada ainda hoje: ela não é específica, não possui um caráter particular. Os cursos de pedagogia, como veremos no decorrer do trabalho, ainda são vistos pelos alunos como um curso amplo, geral, preparatório, muitas vezes, para outros cursos ou complementares a estes. Estarmos atentos a essa ambiguidade generalização/especialização constitui um passo fundamental para a compreensão da constituição da identidade docente. Os dados dos questionários respondidos pelos estudantes do curso pesquisado, apresentados posteriormente, explicitam esta ideia.

Seguindo a (des)reforma de 1925, em 1927 amplia-se o número de escolas normais e diminui-se a duração destes cursos. É, como de costume, uma ampliação quantitativa e não qualitativa, nos mesmos moldes de incentivo às instituições privadas – e decorrente desoneração dos cofres públicos – realizada nos anos 1990, com o boom das faculdades particulares de pedagogia e regulamentação destes cursos como espaços de formação de professores para o ensino básico.

Entre 1942 e 1946 o ensino secundário e o profissionalizante são organizados (ensino industrial, comercial, normal, agrícola) por meio da reforma Capanema, que cria leis orgânicas de ensino e em 1946 aparece pela primeira vez a expressão diretrizes e bases para a educação nacional na constituição. Nesta época enfatiza-se a necessidade de profissionalização dos professores da educação primária e institui-se a Lei Orgânica do Ensino Normal e a do Ensino Primário. O decreto 8.530 de 1946 define os objetivos do Ensino Normal – “prover a formação do pessoal docente necessário às escolas primárias; habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas; e desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância” – e organiza-o em dois ciclos: o primeiro, de 4 anos, formava os regentes, nas escolas

normais regionais, e o segundo, de 2 anos, formava os professores primários nas escolas normais e institutos de educação (VIEIRA e GOMIDE, 2008, p. 3847). Essa divisão em ciclos reforça a ambiguidade da formação de professores: o primeiro ciclo possuía um caráter formativo geral, enquanto o segundo era profissionalizante e, apesar de ambos formarem professores habilitados para o ensino primário, essa formação não era equivalente e acabava por enfatizar a dualidade teórico/prática, discutida por nós anteriormente, além de perpetuar a existência de dois tipos de formação docente para os anos iniciais: uma mais valorizada, oferecida nos IEs, profissional, e uma geral, menos valorizada e mais preocupada com a ampliação do número de docentes formados, oferecida pelas escolas normais. Esta ambiguidade é constante em toda a história da formação de professores.

Veremos no próximo capítulo, de que forma a criação da Universidade de São Paulo influenciou as políticas voltadas à formação docente e como a realidade dos professores formados nas escolas normais foi modificada a partir de então.