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A formação do professor numa perspectiva crítico-reflexiva

2.4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CONCEITOS E CONCEPÇÕES

2.4.1 A formação do professor numa perspectiva crítico-reflexiva

Durante muito tempo o professor foi visto como aquele a quem caberia transmitir conhecimentos elaborados por outros. Essa forma de conceber o educador e a sua relação com a prática pedagógica insere-se no paradigma da racionalidade técnica, que tem sido fortemente criticado por autores que abordam a

formação docente a partir de diferentes abordagens teóricas e metodológicas. A esse respeito, Monteiro (2001, p. 122), salienta que:

Ainda presente no imaginário e prática social de muitos educadores, esta concepção tem sido questionada e criticada por aqueles que apontam a simplificação operada por este raciocínio que: nega a subjetividade do professor como agente no processo educativo; ignora o fato de que a atividade docente lida com, depende de e cria conhecimentos tácitos, pessoais e não sistemáticos que só podem ser adquiridos através do contato com a prática; ignora os estudos culturais e sociológicos que vêem o currículo como terreno de criação simbólica e cultural; e que ignora, também, todo o questionamento a que tem sido submetido o conhecimento científico nas últimas décadas.

Assim, o olhar sobre a formação do professor, que outrora privilegiou o saber e o fazer, tem sido cada vez mais sensível ao ser, enfatizando-se aspectos como a reflexão sobre a prática, a subjetividade, a identidade profissional e a trajetória de vida dos educadores.

A categoria “professor-reflexivo”, criada por Donald Schön, inspirou muitos trabalhos no campo da formação de professores e trouxe contribuições importantes para o estudo dessa temática. Na proposta defendida por esse autor, os professores aprendem tomando a sua própria atividade como objeto de análise e reflexão. Esse refletir sobre a própria prática conduz à construção de ações e teorias e isso favorece o desenvolvimento da prática docente. Atrelada a essa ideia, Schön (1995) destacou os conceitos de “conhecimento na ação”, “reflexão na ação” e “reflexão sobre a ação”. O primeiro conceito refere-se a um conhecimento tácito que é construído na prática cotidiana. Através da “reflexão na ação” o professor analisa o seu trabalho no ato de sua realização. A “reflexão sobre a ação”, por sua vez, implica o olhar retrospectivo e a análise do trabalho que foi realizado.

Essa construção teórica lançou as bases para uma compreensão do educador como sujeito ativo, que é capaz de teorizar sobre o seu fazer e produzir conhecimento na interação com as condições concretas de seu trabalho. Tal visão se contrapõe às concepções que enxergam o professor como um técnico, cujo trabalho é pôr em prática os conhecimentos científicos transmitidos por especialistas e que busca a solução para os seus problemas apenas nas descobertas de pesquisas, sem olhar para a própria experiência profissional, realizando, simplesmente, ações imitativas e repetindo práticas consideradas eficazes por

modelos teóricos construídos por outros (LIBÂNEO, 2002).

Na medida em que pode compreender os fundamentos da sua atividade e os seus próprios processos de aprendizagem, o professor adquire maior condição de entender a aprendizagem dos seus alunos. Desse modo, “a dimensão reflexiva identifica-se com uma espécie de meta-cognição situada dos processos em que o professor está envolvido seja nas situações de formação, seja nas situações de exercício profissional” (FREITAS, 2005, p. 40).

Diversos autores (NÓVOA, 1995; GARCIA, 1995; GÓMEZ, 1995) compartilham a perspectiva que situa o professor como sujeito da sua prática educativa, que busca sua autonomia ao conhecer a experiência vivida em sala, o lugar que ocupa no espaço da escola e no contexto histórico e social no qual está inserido. Nesse sentido, a formação docente constitui um processo contínuo que facilita e enriquece esse movimento, promovendo “a preparação de profissionais reflexivos, que assumam a responsabilidade de seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas das políticas educativas” (NÓVOA, 1995, p.27).

No bojo das discussões sobre o caráter reflexivo da formação docente, surge também a noção de professor-pesquisador. A capacidade de investigar aspectos ligados à prática desenvolvida em sala de aula, para melhor compreender o processo de aprendizagem dos alunos e redirecionar o trabalho, tem sido destacada como aspecto relevante na constituição do professor reflexivo. Interessados nessa dimensão da formação de professores, alguns pesquisadores têm dedicado estudos à questão da pesquisa docente (DEMO, 1996; ANDRÉ, 1994).

Mais do que saber-fazer a postura do professor reflexivo exige a capacidade de explicar o seu fazer, coordenar e gerir saberes de diferentes ordens (o conhecimento sobre o objeto de ensino, sobre a aprendizagem dos alunos, sobre as metodologias de ensino, sobre o contexto mais amplo que envolve fatores políticos, econômicos e culturais) e tomar decisões de forma consciente em função da aprendizagem dos alunos e do seu desenvolvimento profissional.

Nessa concepção, a escola com sua dinâmica tem sido reconhecida como um dos principais espaços de formação do professor. O professor reflexivo é um investigador da sala de aula, que elabora suas estratégias e reconstrói o seu fazer pedagógico. As relações que se estabelecem no espaço escolar, as trocas entre os professores, a reflexão compartilhada, os procedimentos utilizados nas situações de

urgência, enfim, a experiência vivida na escola é fonte de investigação, de conhecimento e, portanto, material importante para a formação docente. Por estar necessariamente imbricada desses aspectos constitutivos do cotidiano escolar, a pesquisa realizada pelos professores tem suas especificidades.

Lüdke (2001) realizou um estudo com o objetivo de conhecer as práticas de pesquisa desenvolvidas por professores da Educação Básica. Para tanto, entrevistou 70 professores do Ensino Médio, pertencentes a 4 instituições diferentes. Os professores-pesquisadores foram indicados pelos diretores das escolas. Foram escolhidos estabelecimentos da rede pública, supostamente dotados de recursos básicos para a realização de atividades de pesquisa, tendo como critérios sua situação funcional e sua infraestrutura física e organizacional. O estudo constatou uma variedade de noções entre os professores sobre o que consideravam pesquisa. Segundo a autora,

essa dualidade de perspectivas revela, ao mesmo tempo, no professor a percepção de que a pesquisa acadêmica não consegue atingir os problemas e os temas mais importantes e próximos do seu trabalho na escola, mas que ela provavelmente domina os métodos e os recursos necessários para investigar devidamente aqueles assuntos fundamentais. A pesquisa que ele faz, ou poderia fazer em sua escola, parece não ter, aos seus olhos, a capacidade de dominar plenamente o conhecimento do objeto desejado, mas não há dúvidas de que ele é quem sabe qual é esse objeto (não o pesquisador da academia) (LÜDKE, 2001, p. 89).

A universidade e a escola são espaços culturalmente definidos por percursos e objetivos diferentes. Portanto, desenvolvem modos diferentes de se relacionar com o saber. Estudos como o desenvolvido por Lüdke (2001) apontam para a necessidade de diálogo entre os tipos de pesquisa realizados nesses dois espaços por meio de estratégias de colaboração entre as duas culturas e do estabelecimento de critérios válidos para os dois tipos de pesquisa. Ainda de acordo com a autora,

a pesquisa típica da universidade teria muito a ganhar com a aceitação de uma nova conceituação da pesquisa do professor, que lhe conferisse estatuto epistemológico legítimo, ajudando assim a própria universidade a ampliar seus horizontes de pesquisa, envolvendo temas e abordagens metodológicas mais próximos dos problemas vividos por alunos e professores, podendo assim contribuir de forma mais efetiva para o desenvolvimento do saber docente (LÜDKE, 2001, p. 92).

O estudo dos saberes docentes tem trazido contribuições importantes na compreensão das características específicas do trabalho dos professores. Essa perspectiva busca a implementação de políticas de formação de educadores que contemplem a ótica dos sujeitos envolvidos nesse processo. Faremos algumas reflexões sobre essa temática na próxima subseção.

2.4.2 Discutindo a ação e a formação de professores pelo viés dos saberes