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Sumário

Capítulo 5. A formação profissional em grupo e para atuação com grupos

Em pesquisa anterior (Furlan, 2008b), identificamos que os ACS não possuíam (de forma geral), a formação para atuação com grupos e coletivos. Suas capacitações ainda centravam-se em temáticas biológicas e relacionadas às patologias. Entretanto, vimos que os ACS conduziam grupos após participarem de cursos de formação específicos, como para o lian gong. Grupos de controle da hipertensão arterial, obesidade e tabagismo eram de responsabilidade dos médicos e enfermeiros das equipes, havendo um revezamento com os ACS, sendo estes encarregados das tarefas de ajudar na arrumação da sala, lista de presença, fazer anotações, entre outras relativas à organização geral, num papel de auxiliares/ secretários. Verificamos que o fato de sentirem-se ou não capacitados a conduzirem e serem responsáveis por um grupo terapêutico tinha relação direta com o conceito de grupo próprio de cada equipe: em geral, quando se valorizava o conhecimento de uma técnica ou sobre uma doença ou estado de saúde clínico, os ACS não se sentiam capacitados. O entendimento de como deve funcionar um grupo ou a segurança em conduzi-lo não parecia ter relação com a experiência ou o tempo de trabalho. Depois de um processo de apoio institucional e formação para atividade grupal (Furlan, 2008b), percebeu- se que os ACS ficaram estimulados a coordenar grupos sozinhos, dentro de suas preconizadas atribuições, ainda que não tivessem todo o conhecimento sobre doenças ou patologias. E os ACS conseguiram efetivar a existência de um espaço de discussão dentro das equipes para analisar os acontecimentos grupais e as demandas de saúde.

Em relação aos profissionais médicos e enfermeiros, são escassos os estudos sobre a inclusão da temática de grupo nos currículos de graduação. Na revisão bibliográfica realizada para esta pesquisa, encontramos a produção científica de um grupo de pesquisadores e professores do ensino na enfermagem que buscam discutir essa prática na formação (Munari et al, 2005). Na medicina, algumas universidades incluem essa discussão

enquanto proposta metodológica de ensino (acompanhamento de pequenos grupos de alunos, na proposta da aprendizagem baseada em problemas – Faculdade de Marília, Universidade Estadual de São Paulo, Universidade Federal de São Carlos, são alguns exemplos), mas não tratam explicitamente dessa metodologia para a prática clínica. Tivemos dificuldades de encontrar a temática de grupo na discussão das práticas em saúde nas ementas de disciplinas dos cursos de graduação, fato que comentaremos adiante.

As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para Graduações de Medicina e de Enfermagem (Brasil, 2001a; 2001b) salientam de forma geral que os profissionais de saúde devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. As diretrizes da enfermagem são mais explícitas em afirmarem que a formação do enfermeiro deve assegurar o estímulo ao trabalho grupal, por ser um trabalho que requer discussão coletiva e relações interpessoais. Já as diretrizes para formação médica apontam que é importante inserir o aluno precocemente em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional, porém sem especificações de quais práticas, e sem trazer nenhum tópico referente ao ensino e relevância de intervenções grupais, em contexto coletivo (comunidades e famílias) e equipe.

Munari e colaboradores (2005), em um artigo interessante, publicaram um estudo descritivo exploratório que realizaram nos anos de 2001 e 2002 com objetivo de identificar quais e como os cursos brasileiros de graduação em enfermagem tratavam da temática de grupo no currículo. Identificaram 42 escolas que incluíam o tema em seus currículos (não apontaram o total de escolas investigadas), sendo que este tema nos cursos de graduação nem sempre estava explicitamente contemplado nos currículos. Participaram efetivamente

da temática de grupo às disciplinas de Saúde Mental e Psiquiatria, 23% à Dinâmica de grupo, 3% à Saúde Comunitária e Escolar e 3% à Administração em Enfermagem (para essas últimas, o grupo era utilizado apenas como estratégia de abordagem do aluno, sem se constituir como conteúdo teórico a ser explorado). Apenas em 10 escolas o conteúdo foi ofertado em disciplina específica. Concluíram que ainda é incipiente o número de cursos que tratam do conteúdo, o ensino do tema é pouco explorado nas escolas e com poucos traços comuns nas suas estratégias. A maioria das instituições utilizava o grupo como estratégia de ensino-aprendizagem com o aluno sem, no entanto, explorar o grupo como referencial teórico-metodológico ou para o ensino da coordenação de grupos ou equipes. Houve o entendimento por parte de algumas escolas de que o ensino de grupo se restringia às estratégias para aquecimento ou mobilização do grupo de alunos para alguma tarefa.

Ressaltaram a importância de ampliar a discussão sobre aspectos mínimos indispensáveis sobre o ensino da temática na formação do enfermeiro. Destacaram ainda que na enfermagem o desenvolvimento de atividades em grupos e equipes está cada vez mais evidente e de acordo com as tendências das políticas públicas.

O grupo é uma estratégia utilizada pelo enfermeiro em ações assistenciais, gerenciais e de pesquisa (...), porém grande parte dessas ações ainda é fundamentada apenas na experiência do profissional que, em geral, tem pouco preparo específico para o trabalho com grupos (Munari et al, 2005, p.221). As atividades grupais realizadas pelos enfermeiros compreenderiam desde as tarefas desenvolvidas pela equipe de enfermagem, as orientações feitas a um grupo de pessoas que necessitem de suporte emocional ou que estejam aprendendo a adaptar-se às novas situações de vida (Munari, 1995; Saeki et al, 1999).

Campos (2007) discute que a atuação na ABS exige, enquanto diretriz formativa, a incorporação de saberes para o acolhimento da diversidade de demandas, a efetivação de uma clínica ampliada (e toda sua complexidade - as múltiplas variáveis no processo saúde- doença), a realização do trabalho em equipe, próximo da família e da comunidade, e ações em saúde coletiva, com conhecimento e trabalho no território. Segundo ele, a maioria dos médicos, enfermeiros e dentistas não tem formação especializada em saúde da família ou saúde coletiva para o exercício de uma clínica ampliada de cunho generalista, nem contam tampouco com apoio técnico ou institucional (Campos, 2007). Na discussão específica referente à formação médica, Campos observa ainda que, apesar da mudança de cenário nos currículos de graduação de medicina (do hospital para a atenção básica), a ABS tenderia, na prática, a reproduzir o modelo biomédico dominante, sendo preciso esforços continuados e sistemáticos para reformular esse tipo de prática e de saber. Torna-se necessário o ensino de metodologia sobre educação em saúde, visita domiciliar, epidemiologia aplicada a serviços, política e gestão em saúde, projetos comunitários e intersetoriais, trabalho em equipe, discussão de casos, durante toda a formação profissional, transversal, para que tenhamos uma ABS que funcione, tanto na atenção individualizada quanto coletiva e grupal (Campos, 2007).

Para efeitos comparativos, quando buscamos no Scielo e BVS (utilizamos as palavras-chave: visita domiciliar, PSF, Atenção Básica), com restrições referentes aos estudos dedicados à visita domiciliar enquanto meio para a prática médica e de enfermagem, encontramos mais de 30 artigos, que inclusive discutem a potência desse instrumento na formação profissional. Porém, a busca de artigos e pesquisas (Scielo e BVS) relacionadas ao trabalho de grupo na ABS resultou em diversos relatos de experiência sobre

(Martínez, 2003) discutia exatamente o fato dos grupos ainda serem espaços da voz de enfermeiras e técnicos sociais e pouco utilizados no trabalho em equipe e para ao tratamento. Somente um artigo, também da Espanha, fazia alusão a grupos com pessoas com sintomas depressivos, porém também com o enfoque de prevenção de agravos e não do tratamento (Gonzalez et al, 2006).

Poderíamos com isso, confirmar nossas hipótese de que o dispositivo grupo ainda é visto na atenção básica e na formação profissional enquanto atividades de educação, com vistas à promoção da saúde, prevenção de doenças e atividades de vigilância em saúde. O dispositivo grupo ainda não seria considerado composição da prática clínica com o foco no efeito terapêutico, como estratégia de tratamento e de acompanhamento dos pacientes em longo prazo, como meio de intervenção. Quando ocorre a formação para atuação em grupos, ainda estaria restrita ao ensino de dinâmicas e atividades grupais, pouco para a análise do contexto grupal e institucional.

Em relação ao Curso pesquisado, os profissionais/ alunos apontaram que o fato de terem discutido a clínica ampliada favoreceu a prática profissional, e conteúdos específicos facilitaram o embasamento para a realização de grupos.

O grande trunfo do curso é ter possibilitado um olhar ampliado e a partir daí, ter alargado horizontes pra a atuação clínica. O curso é um facilitador para conseguir visualizar e aplicar a clínica ampliada, tão falada e, tão difícil de ser entendida e aplicada. (trecho do texto coletivo, turma A).

Para alguns de nós o curso de especialização trouxe embasamento teórico para essa prática, da grupalidade, conceitos da saúde mental e a reflexão sobre a subjetividade. Relemos textos e aprendemos novos conceitos. Outros consideram

que antes do curso nunca estudaram o assunto, aprenderam na prática. Outros de nós já fizeram alguma formação, mas que sempre são muito expositivas e não abordaram a subjetividade das relações. (trecho do texto coletivo, profissionais da AB/ alunos).