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Sumário

Episódio 5: A pedagogia construtivista e o professor-apoiador no ensino

Há um debate atual na área da saúde sobre a relevância de mudanças na educação dos profissionais visto as contemporâneas demandas e necessidades sociais e ampliação da luta por direitos humanos (Campos, 2007; Campos, 2003; Barros e Lourenço, 2006). A instituição educação tem sido estimulada a apresentar um ensino que valorize a equidade, eficiência e qualidade nas ações de saúde. Esse processo apresenta o desafio de romper com a tradição de ensino vertical da transmissão passiva do conhecimento. Estratégias de problematização do cotidiano, incentivo à busca do conhecimento e compartilhamento dos saberes de professores e alunos têm sido valorizadas por apresentarem resultados nesse sentido (Cavalcanti, 2005; Jófili, 2002; Cyrino e Toralles-Pereira, 2004; Berbel, 1998).

As teorias pedagógicas que amparam essas reflexões são as de abordagem construtivista por considerarem que o indivíduo possui uma interação com seu contexto para o efetivo processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, gostaríamos de destacar Piaget e Vygotsky que foram importantes desenvolvedores desse pensamento. Jófili (2002), em interessante artigo, diferenciou alguns pontos nas fundamentações de ambos, pois apesar de considerarem que o desenvolvimento humano é um processo dialético e que somos ativos no processo de interação com o mundo social, eles divergem em relação ao conceito de processo de aprendizagem e interação. Para Piaget, o desenvolvimento humano

precede o aprendizado, no entendimento de Vygotsky, não se poderia efetivar o desenvolvimento sem uma análise da relação de aprendizado e condições da interação social. Isso mudaria o enfoque sobre o desenvolvimento, não limitado pelo aspecto biológico e podendo ser influenciado pelo ambiente e o contexto social (Jófili, 2002). Piaget não desconsiderava o aspecto social, mas defendia que a maturação biológica traria certo repertório (o que ele chamou de esquema) que permitiria assimilação ativa da experiência vivida, proporcionando o aprendizado, primordialmente a partir da interação com os objetos.

Na concepção construtivista de Vygotsky, o ser humano teria uma capacidade potencial a ser ativada pela ajuda de outras pessoas e estimulada pela ampliação de processos de interação (o que ele denominou Zona de Desenvolvimento Proximal- ZDP). Assim, as relações professor-aluno seriam horizontais no sentido de interação, e o professor teria mais que simplesmente o papel de organizar o trabalho para os alunos, mas de colaborar com sua experiência e com apontamentos críticos que estimulassem o pensamento (Jófili, 2002). O professor atuaria na ZDP favorecendo a problematização e o desenvolvimento.

Um dos educadores brasileiros que viria inovar o sistema brasileiro de ensino foi Paulo Freire. Partindo do cotidiano de adultos analfabetos, propôs-se a ensinar, contextualizado as palavras e fazendo emergir sentidos para o ato de aprender. Destacou o papel ativo do aluno, valorizou a relação de horizontalidade na relação com o professor e propôs a organização em roda da sala de aula a fim de favorecer o diálogo entre as pessoas. O educador teria um papel de conscientizador sobre as forças dominantes que levam à submissão humana num sistema capitalista.

Os estudos de Célestin Freinet (a partir de 1920) e a linha da pedagogia institucional (década de 1960) também são referências importantes para a nossa reflexão. Freinet defendia que a aprendizagem seria mais efetiva quando a construção do conhecimento ocorresse mediada pelas experiências da vida e o despertar dos interesses. O professor seria o mediador desse processo, possibilitando as condições concretas para isso acontecer, inclusive analisando e interferindo sobre o contexto que estaria impedindo a sua realização. A partir do também denominado Movimento da Escola Nova ou Moderna, criticava a hegemonia da educação intelectual, cindida do trabalho manual e da participação ativa nas decisões da vida (Freinet, 2004; Barros, 2007). Dissidências do movimento Freinet fizeram com que Fernand Oury e Raymond Fonvieille fundassem a Pedagogia Institucional, que buscava a análise das práticas pedagógicas, os dispositivos utilizados e da instituição (inclusive as propostas pela Escola Nova), a partir do referencial da Análise e da Psicoterapia Institucional (Barros, 2007; Oury, s/d).

Nesse sentido, podemos afirmar que o Curso de Especialização através do Método Paidéia esteve pautado na pedagogia construtivista. O professor, na postura de apoiador, seria um referencial ao aluno, no sentido não só de organizar o trabalho para o aprendizado, como elaborar ementas, preparar o encontro, coordenar os grupos, mas também oferecedor de conteúdos, experiências e análises pertinentes, estimulando o aprendizado em questão. Tratando-se de um curso de Saúde da Família e Gestão em Saúde, havia certos conteúdos esperados no currículo, além de contemplar a experiência trazida pelos profissionais. O aprendizado aconteceu, de certa forma, na articulação dos saberes para prática e análise do trabalho em saúde, em processos de problematização e de apoio, agregando experiência e conteúdos já cientificamente instituídos. Os professores foram responsáveis por apoiar os

O conceito de ‘professor horizontal’ (professores/ apoiadores) adotado pela equipe docente do curso, aliou o significado de relações longitudinais no tempo, com diferenças de papéis entre professor e aluno, mas sem entendimento de superioridade-inferioridade, com o significado de acompanhamento e aprendizado ao longo do tempo (longitudinal). O professor de referência acompanhou o grupo em todo o seu percurso, sendo participante do grupo de ensino e articulando os vários momentos de aprendizado em que os profissionais estavam envolvidos no Curso, como momentos de treino de habilidades, aulas teóricas e discussão de casos.

Houve uma diferenciação de avaliação, tanto por parte dos profissionais/ alunos quanto dos professores/ apoiadores, entre os momentos de aulas com professores convidados e aqueles das discussões de casos, orientados pelos professores horizontais. Talvez pela adesão à orientação metodológica construtivista, os professores horizontais puderam estimular mais o espaço participativo para o aprendizado e compartilhamento de saberes. Na narração avaliativa de professores/ apoiadores e de profissionais/ alunos, percebe-se que houve uma diferença metodológica, pois em diversos momentos foi relatado que os professores convidados tinham uma prática didática distinta do referencial construtivista e da prática de trabalho em atenção básica à saúde, fazendo com que os profissionais/ alunos se sentissem desvalorizados, infantilizados e pouco estimulados. Podemos dizer que a sala de aula disposta em círculo, a estratégia dos pequenos grupos de formação e de discussão de casos, favoreceu o encontro, o debate e uma didática mais construtivista, conforme apresentaremos nos próximos episódios.

Os pequenos grupos no Curso possibilitaram que todos os profissionais/ alunos fossem reconhecidos no processo de aprendizagem, permitindo a formação de vínculos e espaço para processos de problematização das práticas do cotidiano na atenção básica em

saúde (estimulando a ZDP). A discussão de casos foi mediadora para a produção de análises e novas práticas.

A metodologia trabalhada por nós traz um elemento inovador de acompanhar o aluno em sua formação. Não se constitui em uma formação profissional prescritiva. (trecho do texto coletivo, professores do curso).

Episódio 6: A discussão de casos como dispositivo para a construção compartilhada de