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A função cognitiva da linguagem nas organizações

4 DIÁLOGO E LINGUAGEM

4.2 A Linguagem nas organizações

4.2.2 A função cognitiva da linguagem nas organizações

Tal como Nonaka e Takeuchi, Girin considera que os conhecimentos veiculados numa organização tanto podem ser tácitos – como habilidades e conhecimento prático, quanto explícitos – como os contidos nos manuais.

Uma organização é um local para o qual são trazidos, e no interior do qual são reproduzidos e produzidos, esquemas de conhecimento, instrumentos de análise e corpos de conhecimento mais ou menos sistematizados (que variam da simples habilidade e do conhecimento prático até o saber formalizado e transmissível por meio de manuais) sobre o ambiente, a tecnologia, a própria organização (enquanto esquema de ação e universo social) e a psicologia dos indivíduos. Em graus diversos, neste local existem conhecimentos sobre todos os aspectos do funcionamento organizacional e de sua inserção no universo que o rodeia (GIRIN, 1996, p. 35).

Parte do conhecimento organizacional apresenta-se sob a forma de medidas, como os procedimentos contábeis e demais indicadores de gestão. Os números, contudo, não são suficientes para o funcionamento da organização, devendo fazer- se acompanhar de comentários sobre eles. Assim, por exemplo, “os diretores explicam aos acionistas como interpretar os números do balanço e da demonstração de resultados” (GIRIN,1996, p. 36).

Outra parte do conhecimento é constituída de documentos escritos e procedimentos verbais, como os relatórios sobre cenários macroeconômicos; documentos técnicos; descrição da estrutura da organização; descrições de funções,

documentos para avaliação de desempenho etc. Observam-se ainda reuniões, palestras, comunicações por telefone e por e-mail para partilhar informações, elaborar diagnósticos e resolver problemas etc. “Em todos esses campos, a linguagem comum, mesmo quando ajudada por esquemas e números, constitui o instrumento essencial de conhecimento organizacional” (GIRIN, 1996, p. 36).

O autor cita quatro situações nas quais se pode observar especificamente a função cognitiva nas organizações:

1. Aprendizado de uma profissão. A aprendizagem de uma nova profissão ou o domínio de atividades tornam-se fundamentais nos casos de novatos ou para pessoas que assumem novas funções. Aqui se incluem tanto os métodos de ensino e formação em escolas, seminários etc., nos quais a linguagem é de inegável importância, como as questões de aprendizagem no “próprio posto”, que se adquirem na prática do trabalho nas organizações. Procedimentos sistemáticos e a facilidade de acesso à informação vão facilitar o aprendizado. Entretanto, o domínio das atividades implica em trocas verbais que vão além da transmissão de informação. Girin menciona um estudo dele em duas empresas de consultoria que admitiram engenheiros para funções semelhantes, nas quais houve diferença significativa na quantidade de tempo em que tais engenheiros foram considerados aptos para a maioria das decisões na função. Na empresa onde o tempo de aprendizagem foi menor, os engenheiros principiantes, após participar de reuniões com o cliente, discutiam o teor das conversas com engenheiros seniores, dentre outras práticas. Noutro exemplo extraído de Hutchins (apud GIRIN 1996), o que facilitou a aprendizagem foi a adoção de “diálogos socráticos”, onde o mestre explicava ao aprendiz as razões pelas quais agira de determinada maneira.

2. Produção léxica. Refere-se aqui ao vocabulário especializado que pode consistir numa terminologia particular ou tecnologia para cada técnica utilizada por uma organização. Criam-se neologismos que podem ser incompreensíveis para o leigo mas úteis para o especialista. O vocabulário profissional ou jargão que facilita a comunicação e permite aos membros de um determinado ofício ou profissão se reconhecerem, “...serve como emblema em face de terceiros; representa uma prova de filiação a determinada profissão; é o testemunho de uma socialização coberta com êxito” (GIRIN, 1996, p. 38).

Girin sugere que, além de ser uma necessidade técnica, esta é uma prática de poder, que também visa proteger o saber de um grupo, tendo a linguagem aí um papel muito importante.

3. Transformação em Texto. Uma das formas de verificar a viabilidade de idéias e de decisões numa organização é discuti-las e recorrer à ajuda da escrita, organizando um texto, como um relatório, uma síntese etc., que pode ser tanto individual quanto uma tradução coletiva. Girin (1996, p. 38) afirma que “falar, mas sobretudo escrever, significa submeter impressões confusas à prova da linguagem”. Este é um processo cognitivo que permite uma gama diversa de aprendizagem. Girin traz o exemplo da redação de uma síntese de reunião entre chefes administrativos e contadores de uma grande empresa, cujo tema era o clima social e o funcionamento de uma Divisão. Tal trabalho de síntese foi solicitado a um jovem engenheiro que teve de refazê-lo três vezes, até que a versão obtivesse a aprovação dos participantes. Analisando o que havia sido mudado de uma versão para outra, Girin verifica que houvera a tentativa de suprimir o registro de divergências de opinião entre os participantes, embora os depoimentos indicassem que elas haviam ocorrido. Na primeira versão, o autor da síntese expressara claramente que houvera divergências e na última, resumiu as discussões mencionando vagamente “ambigüidade nas relações”. A autocensura pelos participantes e reconstrução de uma realidade foram determinantes na situação, mas o que Girin (1996, p. 39) enfatizou no caso foi a aprendizagem do jovem engenheiro: “para estar em harmonia com os chefes mais antigos, ele devia pensar o universo, no qual iria daí por diante viver, nos termos prescritos pela cultura local, termos diferentes dos que ele teria espontaneamente adotado.”

4. Interpretação. Uma outra vertente da formulação consiste em interpretar

alguma coisa enunciada de maneira mais ou menos obscura, incluindo-se aqui “palavras de ordem”, como por exemplo, a palavra ‘qualidade’ hoje amplamente utilizada em organizações correlacionada à ‘qualidade total’.

Em si mesma, a noção poderia significar apenas o que qualquer bom artesão consideraria parte integrante de seu ofício: fazer bem feito, de acordo com regulamentos estabelecidos, o que se tem de fazer. No entanto, quando se fala de “qualidade” essa palavra tem significados diferentes do que teria se simplesmente se dissesse ‘seja aplicado’, ‘seja sério’, ‘trabalhe de maneira correta’ (GIRIN,1996, p. 40).

Essa dinâmica de representação conduz à construção de uma realidade que vai sendo aceita tacitamente pelos membros de um grupo ou organização e, em alguns casos, pode obnubilar a capacidade de enfrentamento de problemas. Pode-se, então, tentar provocar uma reinterpretação pelo grupo lançando palavras que propiciem outros significados e representações. Deste modo, o grupo pode verificar suas ações de rotina e desenvolver outras formas de solução para os problemas com que se defronta (GIRIN, 1996). A situação foi ilustrada pelo autor a partir do caso de uma empresa industrial que enfrentava sério problema de recuperação de dívidas. O consultor dirigiu aos gestores a seguinte intervenção: “Na verdade, vocês têm duas atividades: a industrial, é claro, e a bancária, porque vocês gerenciam 15 milhões de francos de francos de crédito concedido pelos clientes. Como organizar a sociedade T-Banco?” (MÉLÈSE apud GIRIN, 1996, p. 40). Isto provocou um choque e o procedimento usado conduziu rapidamente a uma reorganização e ao questionamento do sistema de informatização.

Observa-se, portanto, que a linguagem tem uma função de cunho cognitivo atrelada a uma função comunicativa, não apenas no que se refere à transmissão de informações mas, no sentido de que as trocas operadas na comunicação podem propiciar a emergência e assimilação de novas realidades.

Como decorrência, a comunicação – e, por sua vez, o diálogo pela sua vinculação com a linguagem – tanto carrega potencialmente a possibilidade de interpretação da realidade, de aprendizagem dos fatos, de conhecimento, enfim, como propicia ao sujeito constituir-se como singularidade em um contexto relacional, e, portanto, de inserção social.

No caso das organizações, verifica-se que a comunicação é fundamental para cada integrante, até mesmo para funções de chão de fábrica que requerem grande destreza e habilidade técnicas, seja nas instruções de trabalho gerais e específicas, seja na integração social. Conforme já assinalado no capítulo anterior, os líderes têm papel preponderante na formação da cultura de uma empresa e, segundo Schein, numa ‘cultura de aprendizagem’. Cabe, então, indagar de que modo as práticas de comunicação dos líderes e gestores estarão facilitando a aprendizagem organizacional. Por sua vez, Nonaka e Takeuchi enfatizaram que os gestores em nível médio têm uma função determinante na aprendizagem organizacional como

articuladores de informação e conhecimento entre a cúpula e o pessoal de linha de frente. Cabe, portanto, examinar a comunicação nesta dinâmica de relacionamento.