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Da aprendizagem individual para a aprendizagem organizacional

3 A APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL

3.2 Da aprendizagem individual para a aprendizagem organizacional

Tentando enfrentar as questões de como as organizações aprendem e se a aprendizagem organizacional ocorre num nível individual, grupal ou organizacional, Kim (1993) respondeu que as organizações aprendem fundamentalmente por meio de seus membros e definiu a aprendizagem organizacional como um aumento da capacidade da organização de realizar ação efetiva e resultados cada vez melhores. O autor se propõe a caracterizar o processo pelo qual a aprendizagem individual evolui para a aprendizagem organizacional.

Kim desenvolve seu modelo partindo de teorias de aprendizagem individual como base para o entendimento da aprendizagem organizacional. Mesmo reconhecendo o valor do trabalho de Piaget, de Lewin e outros, Kim considera que ainda se sabe pouco sobre a mente humana e os processos de aprendizagem. Ele parte da premissa de que o aprendizado compreende dois níveis: o conceitual ou de conhecimento e o operacional. A aquisição de habilidade operacionais ou know-how implica na habilidade física para produzir alguma ação. Já o nível do conhecimento, diz respeito ao know-why, que implica na habilidade de articular uma compreensão conceitual da experiência, ou seja como as pessoas compreendem e aplicam o que aprendem.

A partir do exemplo de dois carpinteiros, o autor estabelece a diferenciação entre esses conceitos. O primeiro carpinteiro desenvolveu um vasto conhecimento de arquitetura e design – o know-why – mas, por não ter a habilidade prática, não

conseguia produzir seus designs. O segundo carpinteiro dominou as habilidades no trabalho com madeira – o know-how – mas, por não compreender os elementos de uma estrutura coerente – o know why – não conseguia construir uma mesa ou uma casa. Assim, o verdadeiro aprendizado exige a aquisição tanto do know-why como do know-how. A aquisição e memória (ou retenção do que é adquirido) são processos interconectados na aprendizagem – "what we already have in our memory affects what we learn and what we learn affects our memory”3 (KIM, 1993, p.39). Ou seja, segundo Kim, há um processo ativo em jogo, que se relaciona com ‘modelos mentais’ – a visão singular de mundo de cada pessoa, incluindo sua compreensão explícita e implícita. “Mental models provide the context in which to view and interpret new material, and they determine how stored information is relevant to a given situation”4 ( p.39 ).

Os modelos mentais podem ajudar a dar sentido ao que vemos ou restringir nossa compreensão. Tal conceito também é utilizado por Senge como uma de suas ‘cinco disciplinas de aprendizagem’, conforme se viu acima. Articula-se ao que Pichon Rivière denominou Ecro: ‘esquema referencial conceitual e operativo’: “significa ter consolidado dentro de si mesmo um conjunto de experiências, de conhecimentos e de compromissos com estes conhecimentos e experiências que estão presentes sempre que desenvolvemos qualquer tarefa” (apud LIBERMAN, 1982, p. 13). Zanelli também se referiu a esse conceito de modelo mental, ao tratar da interdependência entre interação, processos de significação e aprendizagem organizacional:

A pessoa, quando ingressa na organização, chega ao grupo de trabalho com um conjunto de atitudes desenvolvidas durante sua história. As ações que passa a ter dependem dos valores e crenças estabelecidos anteriormente e das interações que irão ocorrer (2.000, p. 3).

Este é um conceito-chave que tanto atravessa algumas teorias de aprendizagem organizacional e de cultura quanto os modelos sobre o diálogo. Tais modelos podem desenvolver-se no nível individual, a partir das experiências e conhecimentos internalizados, com diferentes grupos e distintas culturas, pelo sujeito ao longo de sua vida (PICHON RIVIÈRE apud LIBERMAN, 1982). Quando compartilhados, formam a base cultural comum de um grupo ou organização. Em ambos os casos,

3 “o que nós já temos em nossa memória afeta o que nós aprendemos e o que aprendemos afeta nossa memória." [Trad. nossa]

4 Modelos mentais fornecem o contexto no qual ver e interpretar novo material, e, determinam como a informação armazenada é relevante para uma determinada situação. [Trad. nossa]

podem ser mais ou menos implícitos. Uma vez institucionalizados, em termos de normas, padrões e valores, servem como referência para o pensamento e ação e para avaliar comportamentos e estabelecem uma base comum de entendimento que favorece as trocas e a aprendizagem (ZANELLI, 2.000). Argyris (1992) afirma que se os pressupostos comuns forem muito rígidos, poderão levar ao estabelecimento de rotinas organizacionais e defensivas que dificultam a aprendizagem organizacional.

Kim sugere que seu modelo implica num processo que pode ser imaginado como uma roda que gira (Ver figura 3.1, abaixo). Na metade do ciclo, as pessoas testam os conceitos e observam o que acontece na experiência concreta – é o nível de aprendizagem do ‘como’, o know-how. Na outra metade, enquanto se reflete sobre as observações e se formam conceitos, aprende-se o porquê – o know-why.

Experimentar Testar conceitos Refletir Modelos mentais • Pressupostos • Teorias Formar Conceitos

Figura 1: A roda do aprendizado

Os modelos mentais são formados pelos giros da roda do aprendizado, mas, ao mesmo tempo, determinam o número de giros e a velocidade de cada giro. Quando uma espécie de pivô permite que várias rodas de aprendizado girem ao mesmo tempo, está se dando o compartilhamento do conhecimento do know-why e do know-how, bem como dos modelos mentais. E esses, quanto mais explícitos, mais crucial é seu papel para o desenvolvimento de novos modelos compartilhados. Esta é a base da aprendizagem organizacional que resulta do compartilhamento de aprendizagens no nível individual.

Além disso, as organizações dispõem de outros mecanismos como forma de capturar parte do conhecimento adquirido pelos indivíduos sob a forma de arquivos em papel ou computador, relatórios, manuais, planos de treinamento etc.

Contudo, afirma Kim, estes mecanismos são mais estáticos em termos de memória e não são muito úteis no contexto da aprendizagem organizacional, em termos de uma capacidade de ação. O mais importante é a memória ativa da organização – aquilo que vai definir em que ela presta atenção, a escolha da ação e o que vai resgatar de sua experiência: os modelos mentais individuais e compartilhados. Explícitos ou implícitos, tácitos ou reconhecidos, eles afetam a forma como a organização vê o mundo e age. Na medida em que se tornam explícitos, eles permitem que a aprendizagem organizacional se torne independente de qualquer indivíduo específico.

Neste sentido, Kim sugere os laboratórios de aprendizagem ou implementação de micromundos, por meio de experimentações ativas e investigadoras, onde os participantes podem explicitar e testar seus modelos mentais, além de obter uma compreensão dos modelos mentais da organização e seus inter-relacionamentos.