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A função do governo, braço governamental do Estado

O programa é muito bom, mas nós colaboramos mais do que somos ajudados. A própria Diretoria de Desenvolvimento Econômico que está mais próxima de nós não tem uma estrutura adequada de apoio aos micros e pequenos empresários. Só a partir da terceira Gestão Municipal de Camaragibe e, sobretudo, agora a partir da atual administração é que melhorou a relação com a nossa categoria. Mas é bom saber que o nosso plano vai ser posto em prática a partir de nós. Do governo queremos apoio e parceria, mas a responsabilidade vai ser nossa. (Reunião com a diretoria da Associação de Micros e Pequenos Empresários de Camaragibe. AMICAM, 2000).

Quase toda a literatura política atual identifica Estado com Governo e Governo com Estado. Chama equivocadamente organizações governamentais de organizações públicas e as políticas Governamentais, de políticas públicas. Essa identificação de Estado com Governo e Governo com Estado vem de um tempo que talvez já tenha passado. Era um tempo em que a gestão da produção e de todos os serviços, no mundo dito socialista, era feita pelo governo do partido único. Vem também do tempo em que, nas sociedades capitalistas, o governo fazia a gestão dos serviços de reprodução social (saúde, habitação, segurança, lazer...) bem como a gestão da infra-estrutura produtiva (energia, transportes, comunicação).

No socialismo real, o governo usurpou e monopolizou toda a função de gestão. No ocidente capitalista, o capital entregou ao governo a gestão das condições dispendiosas do lucro e de tudo o que não desse lucro imediatamente.

Era o tempo do Estado Restrito identificado com o governo, principalmente com o Poder Executivo do Governo. E isso de dizer que governo é da esfera pública, que é responsável pelo bem comum, teve a função ideológica de esconder uma relação clara do governo com as classes sociais, algo criado para que não se perceba e não se saiba que o governo é fundamentalmente um serviço aos grupos dominantes. E para que não se preste atenção aos principais agentes da sociedade: os trabalhadores e os empresários.

Parece que os empresários, atualmente, estão bem mais avançados do que as classes subalternas na percepção e vivência da transformação da realidade. Eles definem muito bem o que pretendem gerir através de suas organizações civis e o que deve ainda ser gerido pelo governo. Eles usam bem e até governam o governo, enquanto os trabalhadores e as classes subalternas em geral parecem ainda acreditar pouco em si mesmos e em suas organizações. Ainda se entregam muito a "salvadores da pátria". Desejam muito que a Constituição e as leis funcionem e que o governo ainda seja o grande responsável pelo bem comum. Bem que eles poderiam fazer como os grupos capitalistas, que de fato, se comportam como co-gestores de seus destinos.

O grande desafio atual é a criação de espaços públicos governamentais e espaços públicos civis, e também, como é o caso dos Conselhos, espaços públicos geridos por representantes governamentais e por representantes da sociedade civil. Público não seria o que está no campo governamental. É o que se discute e se decide coletivamente, bem como os recursos e equipamentos adquiridos com recursos de todos para utilização coletiva.

O que, então, esperar do governo, na fase de conivência e tensão entre Democracia Representativa e Gestão democrática? A questão se fundamenta na suposição de que os espaços governamentais são espaços adversos aos interesses populares. Os seus dirigentes, mesmo sendo aliados dos trabalhadores, não

podem deixar de ser um serviço aos grupos capitalistas, que às vezes concedem muito, desde que forçados pela luta dos trabalhadores e desde que seus interesses fundamentais não sejam ameaçados. É neste momento que se deve estar atento ao difícil desafio da governabilidade: Como conviver com interesses antagônicos, como ceder algumas vezes, contanto que se saiba que recuos e perdas são táticas para fazer avançar, em momentos apropriados, a perspectiva de um projeto de real democracia para a sociedade.

Neste momento de transição, o Moderno Príncipe ou o Partido que esteja na direção do aparelho governamental do Estado, tem grande importância como organizador, incentivador e educador. Gramsci admite que antes de chegar à Sociedade Regulada, um período de resquícios de “estatolatria”, em que os aliados dos trabalhadores nos aparelhos governamentais poderão ser incentivadores e educadores da sociedade civil na sua marcha para esta democracia radical. Os aliados dos trabalhadores aproveitarão todo o seu poder nos aparelhos governamentais do Estado para fortalecer a sociedade civil e preparar o fim do Estado como aparelho coercitivo.

Dá-se o nome de “estatolatria” a uma determinada atitude em relação ao “governo dos funcionários” ou sociedade política, que, na linguagem comum, é a forma de vida estatal a que se dá o nome de Estado e que vulgarmente é entendida como todo o Estado.

Continua Gramsci:

(...) esta “estatolatria” é apenas a forma normal de “vida estatal”, de iniciação, pelo menos, à vida estatal autônoma e à criação de uma “sociedade civil” que não foi possível historicamente criar antes da elevação à vida estatal independente. Todavia, tal “estatolatria” não deve ser abandonada a si mesma, não deve, especialmente, tornar-se fanatismo teórico e ser concebida como “perpétua”: deve ser criticada, exatamente para que se desenvolvam e se produzam novas formas de vida estatal, em que a iniciativa dos indivíduos e dos grupos seja “estatal”...(fazer com que a vida estatal se torne “espontânea. GRAMSCI, 2000, C. 8, vol. 3, p.279-280, Miscelâneo).

Enquanto não temos uma sociedade administrada pelas organizações da sociedade civil é de toda conveniência que os trabalhadores tenham aliados no executivo, legislativo e judiciário, por várias razões: para que fiquem bem claras a existência e confronto de interesses e se desmanche a idéia de que o governo cuida do bem comum; para que se tenham informações do campo do adversário; para que também aí se estabeleça uma luta. Mas, os aliados dos trabalhadores não deveriam achar que a solução vem do governo ou da via parlamentar.

O governo é muito forte e deveria ajudar as organizações que são fracas, já que se sabe que na grande pobreza é fácil comprar as pessoas. Basta fazer algum bem para elas. (Pesquisa de março/2003).

As organizações dos trabalhadores e das classes subalternas poderiam imitar os empresários e seus grupos funcionais: assumir a gestão de seus interesses e limitar e definir bem as funções e atribuições do governo. Isto não é privatização é assumir a função estatal que foi usurpada pelo governo.

Os trabalhadores e o povo em geral se iludem em esperar muito do governo e entregar seus destinos a grupos funcionais do capital. Esperam, em vão, que o governo pense no Bem Comum.

E os aliados dos trabalhadores e das classes subalternas que estão no aparelho governamental em cargos de direção ou em função técnica e também os aliados que estão em organizações civis de apoio técnico, como as ditas organizações não-governamentais, bem que poderiam investir muito na capacitação política e gerencial dos representantes das organizações da sociedade civil para que eles, a exemplo dos representantes dos grupos capitalistas, possam exercer sua função estatal de gestão de interesses e direitos dos diferentes grupos por eles representados.