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A Fundação: base institucional para o Projeto Pescar

3.1 Origem e antecedentes históricos

3.1.2 A Fundação: base institucional para o Projeto Pescar

Os estudos teóricos sobre as organizações ganharam impulso internacional após a Segunda Guerra Mundial, tendo como uma de suas bases a corrente de relações humanas, que aportou a dimensão complexa do comportamento dos atores envolvidos. Noções tais como “subjetividade” e “interrelacionamento”, mais diretamente ligadas ao campo da psicologia, eram pouco consideradas nas análises das relações capital/trabalho, como se todas as organizações tivessem um único objetivo: a maximização da produção.

Conforme João Luiz Medeiros (2003), a nova perspectiva teórica que se desenvolveu no período entre as duas grandes guerras mundiais, a partir dos

Estados Unidos, em reação à visão anterior da vida organizacional, de caráter puramente mecanicista e instrumental, trouxe o conceito de organização como “unidade social complexa onde interagem indivíduos e grupos de indivíduos, que compartilham valores, estabelecem relações em forma de cooperação e/ou competição” (MEDEIROS, 2003, p. 48). Trata-se, portanto, de um organismo vivo e dinâmico.

A motivação e o “moral” (ambiente, relações interpessoais, satisfação individual) dos trabalhadores são considerados elementos essenciais, no que diz respeito à produtividade. Os fatores de ordem imateriais e simbólicos, como por exemplo as recompensas, as sanções ou as crenças, vão ocupar um lugar central, fazendo com que os estímulos materiais e financeiros sejam deslocados a uma posição de influência limitada no universo motivacional dos trabalhadores, o que significa que a eficiência do trabalhador está condicionada por fatores de natureza não só econômica, mas também moral, social e política (MEDEIROS, 2003, p. 49).

É no campo das interações sociais, em um cenário de complexidade crescente, que se busca observar o momento de institucionalização do Projeto Pescar, por meio da criação da Fundação Projeto Pescar, e analisar a trajetória da nova entidade até os dias atuais.

Tais interações envolvem a “classe-que-vive-do-trabalho”, como Antunes denominou o “proletariado” – no caso, os jovens do Projeto Pescar, em geral filhos de trabalhadores de baixa renda ou de desempregados – e aquelas que poderiam ser chamadas de classe-que-oferece-postos-de-trabalho, o empresariado ou os “franqueados” da rede; de classe-que-pensa-sobre-as-

relações-no-trabalho, os educadores, os parceiros da comunidade acadêmica e

a própria Fundação; e de classe-que-regula-e-fiscaliza-o-trabalho, ou seja, as instituições governamentais responsáveis pela implantação das políticas públicas relacionadas à educação profissional, bem como pela regulamentação e pelo controle das práticas em âmbito nacional.

Sabe-se que a instabilidade característica do sistema capitalista tem repercussões na vida das organizações e dos indivíduos. Ao analisá-la, Sennett cita a clássica formulação de Marx e Engels - “Tudo que é sólido desmancha no ar” – e o conceito de Schumpeter de “destruição criativa”. Partindo dessas imagens de tempos passados, discute a ideia da uma “página nova” da história em que “os contrastes em preto-e-branco” precisam ser colocados sob suspeita (SENNETT, 2011, p. 23-27).

Segundo o autor, as corporações aprenderam a “arte da estabilidade” num período de mais de 100 anos, da década de 1860 à de 1970, “assegurando a longevidade dos negócios e aumentando o número de empregados”. Entretanto, “não foi o livre mercado que promoveu essa mudança estabilizadora; o papel mais importante foi desempenhado pela maneira como os negócios passaram a ser internamente organizados” (SENETT, 2011, p. 27).

A “página nova” pode, no entanto, estar em branco, como no caso dos jovens programadores do Vale do Silício que, com a explosão da “bolha pontocom”, descobriram-se fracassados e no limbo, “isolados, sem uma narrativa de vida”. É por meio dessa perspectiva de ficar isolado e “à deriva” que o autor propõe uma reflexão sobre a diferença cultural entre o novo e o velho, o presente e o passado, porque “a linha divisória cultural permite-nos mergulhar mais fundo na vida das instituições” (SENNETT, 2011, p. 32).

A fragmentação das grandes instituições deixou em estado fragmentário as vidas de muitos indivíduos: os lugares onde trabalham mais parecem com estações ferroviárias do que com aldeias, a vida familiar se viu desorientada pelas exigências do trabalho; a migração tornou-se o verdadeiro ícone da era global, e a palavra de ordem é antes seguir em frente que estabelecer-se. O desmantelamento das instituições não gerou maior senso comunitário (SENNETT, 2011, p. 12).

Para o Projeto Pescar, a criação da Fundação materializou a nova página da história. Os gestores da instituição relatam que houve um período difícil de transição até que as principais mudanças fossem aceitas e internalizadas, em especial pelos atores envolvidos desde o início do empreendimento.

De 1976 a 1995, o Projeto Pescar formou cerca de 2.700 jovens, sendo que 89% ingressaram no mercado formal de trabalho, segundo os registros da empresa Linck. Para alcançar as metas projetadas, promovendo a expansão nacional da experiência, era necessário sistematizá-la em bases profissionais. Com essa motivação, foi instituída a Fundação Projeto Pescar, cujo primeiro enunciado de missão institucional era “promover ações sociais junto a

empresas através de uma franquia social que possibilite o desenvolvimento pessoal e profissional de adolescentes em situação de risco social”38.

A utilização do termo “franquia social” é descrita pelos gestores da Fundação entrevistados como uma criação de Geraldo Linck. Os sistemas de franquia comercial (franchising), inspirados no modelo norte-americano da rede MacDonald´s de fast food, expandiam-se no Brasil e eram objeto de publicações empresariais, de matérias jornalísticas e de eventos que fomentavam o seu desenvolvimento e adoção como modelo de sucesso entre os empreendedores. A Associação Brasileira de Franchising (ABF), fundada em 1987, liderava esse movimento e tornava o conhecimento sobre o sistema mais acessível e aplicável a redes de lojas de vestuário, escolas de idiomas, revendas de automóveis, indústrias de cosméticos, entre outras áreas.

Empenhado em sensibilizar seus parceiros e amigos do meio empresarial para que abrissem uma escola do Projeto Pescar, e preocupado em mostrar-lhes que se tratava de uma iniciativa de fácil implantação, Geraldo Linck fazia comparações com o sistema de franquia comercial que era familiar aos seus interlocutores. Dizia: “é como uma franquia, só que social”. Percebendo que a analogia era facilitadora, decidiu adotar o termo “franquia social” e assumi-lo como modelo de atuação do Projeto Pescar.

Há controvérsias em relação ao pioneirismo de sua atitude, reivindicado depois por outras organizações. Porém, não foram localizados registros de sua utilização no Brasil antes de 1993, quando o Projeto Pescar começou a utilizá- lo em seus materiais de divulgação39.

Na condição de entidade privada sem fins lucrativos, coube à Fundação sistematizar, qualificar e oferecer às empresas interessadas todas as orientações técnicas necessárias à implantação de “unidades” (a forma como as escolas técnicas passaram a ser chamadas), além de materiais de apoio, sistemas de acompanhamento, de avaliação de resultados e processos de comunicação. Foi necessário que o Projeto Pescar operasse transformações

38Este enunciado consta do primeiro relatório anual de atividades produzido pela Fundação Projeto Pescar para distribuição pública em versão impressa, em 1999.

39Exemplo disso é o informativo “O Pescador”, edição nº 3, publicada em dezembro de 1993 pela empresa Linck S.A., que divulga a proposta do Projeto Pescar, apresentando-a como “franquia social”.

graduais e substantivas para poder acompanhar as mudanças em seu contexto social, e assimilar as novas regras que passaram a orientar a sua operação.

Inicialmente, a empresa Linck manteve a Fundação com recursos próprios, tratando, ao mesmo tempo, de formatar o modelo de franquia social para possibilitar a “sustentabilidade” futura da organização, independentemente de sua participação. Em paralelo, iniciou-se trabalho intensivo de comunicação com a comunidade empresarial, visando à adesão de outras instituições mantenedoras.

Quando a Fundação foi criada, o Projeto Pescar já se tornara conhecido no Rio Grande do Sul e ganhava visibilidade em outras regiões do Brasil. A publicação de uma reportagem na Revista Exame, de circulação nacional, em 1989, e o reconhecimento como “ação relevante no campo da educação e da responsabilidade social”, pela Associação Nacional das Câmaras Americanas de Comércio, que deu ao Projeto Pescar o “Prêmio Eco”, na Categoria Educação, em 1992, foram fatos significativos para a construção de uma imagem positiva no meio empresarial.

Em 1994, recebeu mais distinções, homenagens e prêmios, entre elas o Prêmio Criança, da Fundação Abrinq. No mesmo ano, o Projeto Pescar integrou-se ao Gife. A participação nesse fórum empresarial foi igualmente relevante, tanto para a projeção da imagem institucional como para a concepção da Fundação que se encontrava em processo.