• Nenhum resultado encontrado

A GERAÇÃO DISTRIBUÍDA E A ORIGEM DO “PROSUMER”

O avanço da geração distribuída poderá provocar mudanças e até possível extinção do atual modelo de negócio das concessionárias de energia e impacto no sistema de transmissão. Os consumidores poderão gerar sua própria energia, e serão capazes de escolher entre o fornecimento da concessionária, fornecimento próprio, ou as duas coisas”.

O estado mais rico dos Estados Unidos estipulou meta de atender 50% da sua demanda com energia renovável até 2030. Destaque que um dos principais desafios enfrentados hoje pela Califórnia é a grande variação da demanda líquida (carga subtraída da geração solar) entre 17h e 20h, demonstrado na Figura 37. De acordo com o professor da Universidade de Stanford, Frank Wolak, “Eles estão procurando os estados vizinhos para coordenar a importação e exportação de geração solar”.

Figura 37 - Curva característica do consumo diário na Califórnia. Fonte: Brazil Energy Frontiers,2015

Já a Austrália começou um programa subsidiado de incentivo de instalação de painéis solares em 2007, com 8.000 casas, e registrou-se a marca de 1,4 milhões de domicílios com geração solar em 2015 que é um recorde mundial. Isso foi estimulado pelo alto preço da energia no país da Oceania. Os custos de implementação vêm caindo: eles pagavam 12 dólares australianos em 2008 e agora pagam apenas 2 dólares australianos por watt pico instalado. O resultado é a ameaça de redução da base de consumidores das Distribuidoras. É uma séria concorrência ao modelo tradicional de Distribuição de eletricidade (BRAZIL ENERGY FRONTIERS, 2015).

A dificuldade enfrentada pela CAISO (California Independent System Operator) são as poucas interconexões com outros sistemas de operação dificultando o intercâmbio energético, com sobra energética ao longo do dia com a forte geração solar e o déficit nos períodos noturnos em função do elevado consumo de energia, onde o estado americano situa-se geograficamente ao oeste dos Estados Unidos, tendo como divisas o Oceano Pacífico e uma grande área desértica, visto na Figura 38.

Figura 38 - Distribuição geográfica dos Operadores Independentes nos EUA. Fonte: Energy Velocity 2014

No seminário Brazil Energy Frontiers 2015, o Instituto Acende Brasil convidou especialistas para: refletir sobre a nova realidade do setor de distribuição; discutir visões de negócios que podem dar respostas a esta nova realidade; e debater como as tarifas devem ser remodeladas diante do novo cenário que se desenha. Há quatro fatores principais que alteram o quadro atual: o primeiro deles é o perfil de consumo mais volátil. De acordo com o estudo da International Energy Agency (IEA), o Brasil, assim como toda a América Latina, deve dobrar a demanda de energia até 2040. Nos EUA o consumo médio é de 919 kWh/mês. No Brasil esse número é bem menor, de 200 kWh/mês segundo Eduardo Müller Monteiro, Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil. Com base nessa diferença de consumo per capita entre os dois países teríamos, numa primeira reação, uma avenida gigante de crescimento no Brasil. No entanto, sugere-se cautela com este tipo de projeção. De acordo com o especialista, a intuição nos diz que “quando o PIB cresce, a demanda por energia também cresce”. Porém, já foi visto na Europa e EUA uma inflexão que mostra que o crescimento do PIB já não é acompanhado pelo crescimento da demanda de energia.

O segundo ponto que altera a realidade do setor é a mudança da composição tarifária no Brasil. De cada 100 reais de uma tarifa média, só 14 reais ficam para a

distribuidora, a chamada parcela B. Anos atrás este valor era superior a 40%. Este cenário gera a pergunta crítica: o modelo atual de repasse automático ao consumidor da parcela A (custos de geração, transmissão, encargos e impostos) via distribuidora teria chegado ao seu limite? O terceiro fator que define uma nova realidade para a distribuição é a inserção da geração distribuída. Há vários benefícios conceituais que suportam a inserção de geração distribuída: aumento da segurança, diminuição de perdas, redução de investimentos ao longo da cadeia, diminuição de emissões, entre outros. As projeções para o Brasil mostram crescimento das fontes solar e eólica de 1% da matriz elétrica em 2011 para 9% em 2035 (BP OUTLOOK,2017).

O quarto fator alterador do contexto energético é a introdução de duas plataformas de inovação tecnológica: smart grid e carro elétrico. Os benefícios das redes inteligentes são bem mapeados: controle do sistema em tempo real, gerenciamento de demanda e modelos tarifários inteligentes. Mas há também desafios derivados do fluxo bidirecional introduzido pelas plataformas tecnológicas habilitadores de smart grid, que por sua vez introduzem novas nuances na relação entre geração e consumo, afetando o sistema elétrico brasileiro.

Já o carro elétrico apresenta o desafio chamado “efeito bateria”. Os analistas do setor fazem a seguinte indagação: “Compro meu carro elétrico, à noite o estaciono na garagem e o conecto na tomada para carregar a bateria. A questão é que futuramente poderei escolher se vou suprir o consumo da minha casa pela distribuidora ou pela bateria do meu carro, carregado ao longo da noite com as tarifas provavelmente menores. A modelagem desse fenômeno de forma integrada, quando todos os consumidores poderão adotar esse comportamento, impactará a nova dinâmica sobre o sistema elétrico brasileiro.

Estes quatro fatores de alteração da realidade do setor elétrico levam ao centro de um debate de que forma a regulação de hoje, baseada em regulação por preço, como será o comportamento nesse novo cenário? Já seria a hora de se vislumbrar a inserção cuidadosa de regulação por receita (geração/consumo).

Para traçar uma análise comparativa com a experiência recente do Reino Unido com regulação da distribuição, buscou-se trazer informações e provocações que podem ser úteis para ser futuramente aplicado no Brasil.

De acordo com o pesquisador da Universidade de Cambridge, Michael Pollitt, está sendo realizado estudos sobre a configuração do sistema de transmissão no Reino Unido. Um dos cenários prevê um sistema três vezes maior em 2050 em relação

a configuração do sistema em 2010. Outro considera “usar bem melhor o sistema atual, mesmo considerando que as demandas devam aumentar, enfrentando os novos desafios com uma rede do tamanho parecido com o atual”, cita o pesquisador.

Um terceiro cenário considera a hipótese onde os sistemas de transmissão e distribuição se tornam muito mais ativos (smart), no qual o cenário é mais arrojado e o controle em nível local, será gerenciado de forma muito mais ativa, com comunicação bidirecional entre os distribuidores, seus clientes e geradores

Outro ponto é que os consumidores interessar-se-ão cada vez mais em produzir energia em suas casas com base na queda do custo de implantação da geração distribuída. E a partir desse momento, as pessoas passarão a questionar os custos oferecidos pelos monopólios das empresas que atuam no setor elétrico. “Isso já é observado nos Estados Unidos”, relata Pollitt que considerando este contexto, aponta algumas tendências da regulamentação: negociação mais ativa entre compradores de serviços em redes inteligentes e os vendedores no mercado de energia.

De acordo com o diretor da Aneel Tiago de Barros Correia, a geração distribuída impõe à agência reguladora um grande desafio: definir regras para o mercado de medição para “prosumers”. O “prosumer” é a expressão do inglês que combina os papeis de produtor (“producer”) e consumidor (“consumer”). “O prosumer vai querer vender energia, e não há como, hoje, a CCEE medir a energia injetada pelos clientes no sistema”. De fato, a EPE, em sua nota técnica intitulada “Análise da Inserção da Geração Solar na Matriz Elétrica Brasileira”, de maio de 2012, destacava que “em razão da característica de seu ciclo diário, limitado ao período diurno, a geração fotovoltaica não substitui investimentos na ampliação da capacidade instalada do sistema elétrico, mas pode ser vista como uma fonte “economizadora” de combustíveis de maior valor econômico. De acordo com Tiago, a distribuidora poderá ajudar o consumidor a “desligar o ar condicionado, mexer no aquecedor da piscina, desligar a bomba elétrica, definir o momento de usar ou não a bateria do carro e de casa”. Prestará, dessa forma, um certo tipo de consultoria “porque o consumidor normal não quer perder tempo com isso”, disse o diretor.

Para o diretor da Aneel, a maior parte das oportunidades de negócio nesse novo contexto ainda está por vir. “A distribuidora poderá vender software de gestão de equipamentos, por exemplo, mas este é um mercado que não deverá ser um monopólio”, afirma. Do ponto de vista do regulador, as grandes questões serão: O

quão competitivo será este mercado? A distribuidora poderá ou não participar destas ofertas não monopolísticas, considerando que ela já tem uma relação muito forte com o consumidor local. A Aneel precisará dar respostas a estas questões daqui a um ou dois anos, pois elas serão determinantes no desenho dos novos modelos de negócio das empresas do setor elétrico.

A infraestrutura essencialmente unidirecional passará a ter que ser redesenhada para um modelo bidirecional para acomodar fluxos de potência variáveis de forma segura e com confiabilidade aos agentes que atuam no setor elétrico.