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A e B geram um grupo livre de grau 2.

No documento Paradoxo de Banach-Tarski (páginas 33-41)

4 Teorema de Banach-Tarsk

Teorema 11. A e B geram um grupo livre de grau 2.

Demonstração. Seja w uma palavra em {A, B} que não seja uma identidade trivial. Se n

é o tamanho da palavra w, então, pela observação 1, basta mostrar que w(1) . . . w(n) não é a identidade. Primeiramente, observe que [w(1) . . . w(n)](0, 1, 0) = 31n(a

2, b, c√2) onde

a, b, c são inteiros. De fato, para todas as palavras unitárias, A, B, A−1 e B−1, o resultado é válido. Além disso, tomando qualquer uma destas matrizes e multiplicando por um ponto da forma 31k(a

2, b, c√2), obtemos um ponto da forma 3k+11 (a

2, b, c√2) e, portanto, o resultado vale para qualquer palavra em {A, B}. Logo, se [w(1) . . . w(n)](0, 1, 0) = (0, 1, 0), então temos que a ≡ b ≡ c ≡ 0 mod 3. Vamos verificar que isto não pode acontecer e, portanto, [w(1) . . . w(n)](0, 1, 0) 6= (0, 1, 0), isto é, [w(1) . . . w(n)] não é a identidade. Com efeito, para cada palavra w0 em {A, B}, defina N (w0) = (a, b, c), onde a, b, c são obtidos

como anteriormente e tomando módulo 3. É possível verificar que N (w0) 6= (0, 0, 0) para toda palavra w0 que não seja uma identidade trivial, observando que vale para as palavras

Ak e Bk, para todo k ∈ Z \ {0} e fazendo uma indução no tamanho da palavra, mas por

16 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

detalhes veja [14]). Logo, b não é múltiplo de 3 e, portanto, [w(1) . . . w(n)](0, 1, 0) 6= (0, 1, 0), o que finaliza a demonstração.

Denotaremos o grupo livre gerado por A e B por F . Dados w ∈ F e x ∈ R3, utilizarei

a notação w[x] para indicar o produto w(1) . . . w(n)(x), onde n é o tamanho da palavra w. Para cada ponto p da esfera S2 defina a sua órbita como o conjunto {w[p]|w ∈ F }. Como

F é enumerável e S2 é não-enumerável, existe um conjunto não-enumerável de órbitas.

Figura 3 – Órbitas

Utilizando o axioma da escolha, tome um ponto de cada órbita e defina o conjunto

M formado pela união destes pontos. Assim como visto para o grupo F2 na observação2,

vale a seguinte igualdade:

F = {1} ∪ S(A) ∪ S(A−1) ∪ S(B) ∪ S(B−1) onde as uniões são disjuntas.

Se X ⊂ F , então denote por X(Y ) o conjunto {w[x] ∈ R3; x ∈ Y e w ∈ X}

Uma vez que M possui um elemento de cada órbita, vale a seguinte igualdade:

S2 = F (M ) = M ∪ S(A)(M ) ∪ S(A−1)(M ) ∪ S(B)(M ) ∪ S(B−1)(M )

Perceba que esta união não é necessariamente disjunta. Com efeito, se o ponto (1, 0, 0) pertence a M , então temos que (1, 0, 0) ∈ S(A)(M ) ∩ M . Para evitar este problema,

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D = {p ∈ S2|w[p] = p, para algum w ∈ F \ {1}}

Figura 4 – Pontos fixos de rotação

Chamamos os elementos de D de pontos fixos de rotações em F . Note que cada elemento de F \ {1} contribui com 2 elementos em D, obtidos através das interseções entre os eixos de rotações e S2. Logo, como F é enumerável, vale também que D é enumerável.

O conjunto S2\ D será utilizado no resultado intermediário conhecido como paradoxo de

Hausdorff.

Teorema 12. Se p ∈ S2\ D e w ∈ F , então w[p] ∈ S2\ D.

Demonstração. Suponha, por absurdo, que existem p ∈ S2\D e w1 ∈ F , tais que w1[p] ∈ D.

Então, existe w2 ∈ F \ {1} tal que w2[w1[p]] = w1[p]. Logo, w−11 [w2[w1[p]]] = p e, portanto,

p ∈ D (absurdo, pois p ∈ S2 \ D).

Utilizando mais uma vez o axioma da escolha, defina M0 como um conjunto constituído por um ponto de cada órbita em S2\ D.

Teorema 13. Sejam w1, w2 ∈ F . Se w1 6= w2, então w1[M0] ∩ w2[M0] = ∅.

Demonstração. Suponha que w1[M0] ∩ w2[M0] 6= ∅. Então existem p1, p2 ∈ M0 tais que

w1[p1] = w2[p2], e, portanto, p1 = w1−1[w2[p2]]. Logo, p1 e p2 pertencem a mesma órbita.

Como tomamos um elemento de cada órbita para construção do conjunto M0, segue-se que p1 = p2. Então, p1 é ponto fixo de w1−1w2 e, como p1 6∈ D, segue-se que w1 = w2.

18 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

Corolário 14. S2\D = F (M0) = M0∪S(A)(M0)∪S(A−1)(M0)∪S(B)(M0)∪S(B−1)(M0),

sendo as uniões disjuntas.

De modo análogo ao que foi feito na observação 2, valem as seguintes igualdades, sendo as uniões também disjuntas:

S2\ D = S(A)(M0) ∪ A(S(A−1)(M0)) (4.1)

S2\ D = S(B)(M0) ∪ B(S(B−1)(M0)) (4.2)

Como A e B são matrizes de rotação, mostramos que podemos dividir S2\ D, em

5 partes tais que rotacionando duas, obtemos duas cópias do conjunto inicial (S2 \ D).

Esta construção é conhecida como paradoxo de Hausdorff.

Utilizaremos esta construção para estender o resultado à esfera completa S2. Para

isso, seja r uma reta em R3 que passa na origem e não intersecta D. Podemos afirmar que

existe tal reta, uma vez que o conjunto de retas que passam na origem é não-enumerável e

D é enumerável. Denote por rθ a matriz de rotação de um ângulo θ (no sentido anti-horário)

em torno de r e considere o seguinte conjunto:

T = {θ ∈ [0, 2π); existem p ∈ D e n ∈ N, tais que rnθ(p) ∈ D}

Figura 5 – Reta r

Note que T é um conjunto enumerável, pois para cada par (p, q) em D × D, se existirem k ∈ N e ω ∈ [0, 2π) tais que rkω(p) = q, então essas rotações contribuirão

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com no máximo um conjunto enumerável de pontos em T , e como D × D é enumerável, segue-se que T também é enumerável. Como [0, 2π) é não-enumerável, podemos tomar um

θ0 ∈ [0, 2π) tal que θ0 6∈ T . Considere a rotação σ = rθ0. Note que, por construção, vale

que σn(D) ∩ D = ∅ para todo n > 0. Observe também que aplicando σm, onde m > 0, nos dois lados da igualdade, obtemos σm+n(D) ∩ σm(D) = ∅. Pela arbitrariedade de m e

n, podemos afirmar que σn(D) ∩ σm(D) = ∅ para todo m, n ∈ N, com m 6= n. Considere o

seguinte conjunto: E = ∞ [ n=0 σn(D)

Aplicando σ nos dois lados da igualdade, obtemos:

σ(E) = σ ∞ [ n=0 σn(D) = ∞ [ n=1 σn(D) = E \ D

Observe que D ⊂ E, e portanto S2\ E ⊂ S2\ D. Logo, as seguintes igualdades

são válidas:

S2\ D = (S2\ E) ∪ (E \ D) = (S2\ E) ∪ σ(E)

Também valem as seguinte igualdades:

S2 \ E = (S2\ D) ∩ (S2\ E) (4.3)

E = σ−1σ(E) = σ−1(E \ D) = σ−1[(S2\ D) ∩ E] (4.4) Podemos escrever o conjunto S2 como a seguinte união disjunta, utilizando 4.3e

4.4:

S2 = (S2\ E) ∪ E = [(S2\ D) ∩ (S2 \ E)] ∪ σ−1

[(S2 \ D) ∩ E] (4.5) Substituindo a igualdade obtida no corolário14, obtemos:

S2 = [(M0∪ S(A)(M0) ∪ S(A−1)(M0) ∪ S(B)(M0) ∪ S(B−1)(M0)) ∩ (S2\ E)]∪

σ−1[(M0∪ S(A)(M0) ∪ S(A−1)(M0) ∪ S(B)(M0) ∪ S(B−1)(M0)) ∩ E] (4.6) E, substituindo as igualdades 4.1 e 4.2, obtemos, respectivamente:

S2 = [S(A)(M0) ∪ A(S(A−1)(M0))) ∩ (S2 \ E)] ∪ σ−1[(S(A)(M0) ∪ A(S(A−1)(M0))) ∩ E] (4.7)

20 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

S2 = [S(B)(M0) ∪ B(S(B−1)(M0))) ∩ (S2\ E)] ∪ σ−1[(S(B)(M0) ∪ B(S(B−1)(M0))) ∩ E] (4.8) Para simplificar a notação, defina os seguintes conjuntos:

A0 = M0∩ (S2\ E) A1 = σ−1(M0∩ E)

A2 = S(A−1)(M0) ∩ (S2\ E) ∩ A−1(S2\ E) A3 = σ−1[(S(A−1)(M0) ∩ E ∩ A−1(S2\ E)]

A4 = S(A−1)(M0) ∩ (S2\ E) ∩ A−1(E) A5 = σ−1[S(A−1)(M0) ∩ E ∩ A−1(E)]

A6 = S(A)(M0) ∩ (S2\ E) A7 = σ−1[S(A)(M0) ∩ E]

A8 = S(B−1)(M0) ∩ (S2 \ E) ∩ B−1(S2\ E) A9 = σ−1[S(B−1)(M0) ∩ E ∩ B−1(S2\ E)]

A10= S(B−1)(M0) ∩ (S2\ E) ∩ B−1(E) A11= σ−1[S(B−1)(M0) ∩ E ∩ B−1(E)]

A12= S(B)(M0) ∩ (S2\ E) A13= σ−1[S(B)(M0) ∩ E]

Perceba que as igualdades 4.6, 4.7 e 4.8 podem ser reescritas, respectivamente, como:

S2 = A0∪ . . . ∪ A13

S2 = A(A2) ∪ Aσ(A3) ∪ σ−1A(A4) ∪ σ−1Aσ(A5) ∪ A6∪ A7

S2 = B(A8) ∪ Bσ(A9) ∪ σ−1B(A10) ∪ σ−1Bσ(A11) ∪ A12∪ A13

(4.9)

Note que com estas igualdades, concluimos que podemos dividir a esfera S2 em uma quantidade finita de subconjuntos disjuntos e, rotacionando alguns destes subcon- juntos, como vemos na segunda e terceira igualdade, obtemos duas esferas. Isto finaliza a demonstração da primeira versão do teorema de Banach-Tarski, cujo enunciado está apresentado a seguir.

Teorema 15. (Banach-Tarski - primeira versão) A esfera S2 pode ser dividida em uma quantidade finita de subconjuntos disjuntos, e, com rotações destes conjuntos, pode-se obter duas cópias de S2.

Embora tenhamos dividido a esfera em 14 subconjuntos, em [15] está provado que o mesmo resultado é possível divindo a esfera em apenas 5 subconjuntos, e que este é o menor valor possível. Além disso, perceba que na segunda e terceira igualdade utilizamos apenas os conjuntos A2, . . . A13 e, portanto, após duplicarmos a esfera ainda sobram os

conjuntos A0 e A1. Para obtermos exatamente duas esferas, sem sobras, considere a função

definida da seguinte maneira, onde X =S7

i=2Ai.

21 f (x) =                            A(x), se x ∈ A2 Aσ(x), se x ∈ A3 σ−1A(x), se x ∈ A4 σ−1Aσ(x), se x ∈ A5 x, se x ∈ A6∪ A7

Vimos anteriormente que f (X) = S2. Como sobraram os conjuntos A

0 e A1,

gostaríamos que a imagem da f resultasse apenas no conjunto S2\ (A

0 ∪ A1). Para isto,

defina o conjunto Y = S∞

n=1f−n(A0∪ A1). Deste modo, temos a seguinte igualdade:

S2\(A0∪A1) = Y ∪A(A2\Y )∪Aσ(A3\Y )∪σ−1A(A4\Y )∪σ−1Aσ(A5\Y )∪(A6\Y )∪(A7\Y )

Pela definição do conjunto Y , esta união é disjunta. Com esta construção mostramos que é possível dividir a esfera S2 em uma quantidade finita de subconjuntos de modo que, rearranjados, obtemos exatamente duas esferas idênticas a inicial.

−−−−−−−−→

Figura 6 – Banach-Tarski - Primeira versão

Queremos estender este resultado à bola sólida B3 = {(x, y, z) ∈ R3; k(x, y, z)k ≤ 1}, e,

para isto, usaremos parte da construção e dos argumentos apresentados no caso anterior. Para cada i ≤ 13, defina o conjunto Bi = {(r, θ, φ) ∈ R3|(1, θ, φ) ∈ Ai, 0 < r ≤

1 , em coordenadas polares}. Com isso, nós já temos um resultado análogo ao paradoxo de Hausdorff, pois

B3\ {0} = B0∪ . . . ∪ B13= A(B2) ∪ Aσ(B3) ∪ σ−1A(B4) ∪ σ−1Aσ(B5) ∪ B6∪ B7 =

B(B8) ∪ Bσ(B9) ∪ σ−1B(B10) ∪ σ−1Bσ(B11) ∪ B12∪ B13

(4.10) Isto é, já temos o resultado para o conjunto B3 \ {0}. Tomaremos um ponto

22 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

este ponto. Seja τ uma rotação em torno desta reta, cujo ângulo é o produto entre um número irracional e π (2, por exemplo). Deste modo, τn(0) 6= 0 para todo n > 0, e com

a escolha do ponto (101, 0, 0), podemos afirmar que τn(0) ∈ B3 para todo n ∈ Z.

Figura 7 – Rotação τ

Assim como foi definido o conjunto E no caso anterior, considere o seguinte conjunto:

T =

[

n=0

τn(0)

Note que τ (T ) = T \ {0}. Assim como foi feito em 4.4 e 4.5, vale que:

T = τ−1τ (T ) = τ−1(T \ {0}) = τ−1[(B3\ {0}) ∩ T ]

B3 = (B3\ T ) ∪ T = [(B3\ {0}) ∩ (B3\ T )] ∪ τ−1

[(B3\ {0}) ∩ T ] Substituindo em 4.10 esta última igualdade, obtemos:

B3 = [(B0∪ . . . ∪ B13) ∩ (B3\ T )] ∪ τ−1[(B0∪ . . . ∪ B13) ∩ T ]

B3 = [(A(B2) ∪ Aσ(B3) ∪ σ−1A(B4) ∪ σ−1Aσ(B5) ∪ B6∪ B7) ∩ (B3\ T )]∪

τ−1[(A(B2) ∪ Aσ(B3) ∪ σ−1A(B4) ∪ σ−1Aσ(B5) ∪ B6∪ B7) ∩ T ]

B3 = [(B(B8) ∪ Bσ(B9) ∪ σ−1B(B10) ∪ σ−1Bσ(B11) ∪ B12∪ B13) ∩ (B3\ T )]∪

τ−1[(B(B8) ∪ Bσ(B9) ∪ σ−1B(B10) ∪ σ−1Bσ(B11) ∪ B12∪ B13) ∩ T ]

(4.11)

De maneira análoga à primeira versão do teorema, estas igualdades finalizam a demonstração da segunda versão, cujo enunciado encontra-se a seguir.

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