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A história de Rosa e a história de Dália: algumas aproximações

5 NARRATIVAS DE ADOLESCENTES SOBRE O ABUSO SEXUAL

5.4 A história de Rosa e a história de Dália: algumas aproximações

Ao analisarmos as narrativas de si de Rosa e de Dália, percebemos que as mediações que envolvem suas construções narrativas são o histórico de violência intrafamiliar, no qual permeia a violência psicológica, a violência física e a violência sexual. Apesar de ambas sentirem-se vulneráveis diante da situação, percebemos que Rosa tem uma postura mais ativa ao contestar as situações que vivencia tanto com o pai quanto com a mãe, já Dália apresenta-se enredada em suas experiências traumáticas, sem que possamos perceber, no decorrer desse intervalo de dois anos, mudanças mais consistentes.

perspectiva de proteção é vislumbrado por ambas a partir da intervenção da família ampliada e de órgãos públicos, do qual se destacam o Conselho Tutelar e o CREAS. Algo comum entre Rosa e Dália é que se sentir protegida é tão ou mais importante que o impacto da violência, daí infere-se a necessidade de focar nos fatores de proteção que antecedem a violência.

Em relação ao acolhimento na família extensa, esse possibilitou o apoio financeiro e afetivo das jovens, e a experiência dessas em outros modelos de família onde seus membros demonstram preocupação pelo seu bem-estar. No entanto, diante de impasses em relação a algumas atitudes das jovens, especialmente no caso de Dália, o convívio familiar tornou-se um espaço de conflitos. Enquanto Dália não tolera a família ampliada com seus problemas, Rosa tem uma posição mais cordial, entretanto, para ambas, se antes a família ampliada aparecia como ideal, agora a família que elas têm como ideal é a que elas pretendem construir, que, para elas, será capaz de cuidar de seus membros.

Sobre a figura materna, em ambos os casos as genitoras aparecem de forma negativa e não lhes serviram de proteção. Essa função foi em parte assumida pelas tias, o que possibilitou mudanças significativas na história de vida de Rosa e de Dália, tanto com a denúncia da violência sexual como com o compartilhamento de significados que contribuíram para que as duas jovens resignificassem a violência e construíssem um projeto de vida alternativo. Assim, percebemos, nas narrativas de si, como a oportunidade de sentirem-se amadas e protegidas contribuiu para esse processo, pois puderam conhecer outros modos de vida que não aquele envolto pela violência. Particularmente no caso de Dália, outros conflitos familiares parecem não ter sido superados por ela e acabaram por interromper uma relação familiar positiva.

Ressalta-se que as tias estão tendo dificuldades em continuar exercendo o papel de “tutoras” de resiliência das jovens, pela falta de suporte nas suas famílias para dar apoio para as jovens, restringindo a relação apenas entre elas. Deste modo, encontramos as duas tias muito cansadas e fragilizadas, em especial a tia de Dália, dada a proximidade do julgamento do suposto agressor e a atitude de sua irmã em ficar com ele.

Sobre os sentidos atribuídos ao abuso sexual, percebemos que ambas não conseguiam dar sentido ao que tinha acontecido com as mesmas, em um primeiro momento, o que tem relação com a idade e aos poucos significados dos quais as jovens podiam utilizar para construir um sentido sobre a violência que favorecesse seu enfrentamento. A violência sofrida deixou marcas em ambas e uma visão da sexualidade

pautada por relações abjetas e traumáticas, principalmente agravada pelo caráter incestuoso. Entretanto, no caso de Rosa, a capacidade de abertura para outras experiências, tem possibilitado estabelecer vínculo afetivo e construir uma nova vivência de sua sexualidade.

Sobre o agressor e a responsabilização pelo abuso sexual, ambas têm um discurso de revanche marcado pela necessidade da punição através do cerceamento da liberdade dos mesmos como forma de pagar pelo sofrimento que elas passaram. No entanto, um entrave para a responsabilização é a demora no julgamento dos processos judiciais, o que deixou ambas descrentes do sistema judiciário. Além do mais, a figura masculina foi caracterizada a partir da associação da violência. Apenas depois do acompanhamento psicológico é que percebemos a mudança dessa generalização, favorecendo a construção de relacionamentos afetivos por Rosa e, de forma ainda frágil, por Dália.

Ademais, percebemos que a forma como a violência sexual foi revelada, como foi organizado o apoio prestado pela família e pelos órgãos de defesa e atendimento a crianças e adolescentes, assim como as características pessoais de cada jovem, possibilitaram que as mesmas resignificassem a violência sofrida a partir do reconhecimento desta, que antes aparecia apenas como algo estranho, o que possibilitou perceberem-se como vítimas e, a partir disso, elaborar meios para lidar com situação. Tal mudança é percebida quando os discursos sobre o abuso sexual são empoderados por Rosa e utilizados na projeção para um futuro onde possa contribuir na ajuda de outras pessoas.

No entanto, a forma como as jovens se veem, ou seja, a narrativa sobre si, é o que tem norteado a forma como elas se relacionam com os demais. No caso de Rosa, como dito anteriormente, a sua capacidade de transitar bem em diversas situações, os apoios conquistados de forma mais consistente e seu modo de enfrentamento das dificuldades, isto é, suas condições pessoais e suportes sociais expressam processos de resiliência. Já, no caso de Dália, encontramos um discurso que reverbera sobre a violência sofrida, uma dependência emocional da mãe e insegurança psicológica e não apontado para a superação do trauma e limita a construção um futuro melhor.