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Capítulo 4. A honra através da dádiva

4.3. A honra e a mobilidade

Quando se falou das virtudes exigidas pelas Ordenações Filipinas para o Regedor da Casa de Suplicação, iniciou-se pela fidalguia e sangue limpo. E, como visto, este núcleo da sociedade portuguesa era bem restrito quando se fala nas Minas Gerais do século XVIII.

São poucos os que podiam ostentar a pureza de sangue e menos ainda os que detinham fidalguia. Assim, a honra em Minas, conquanto informada por esse núcleo como uma referência, movimentava-se por outras virtudes e símbolos de distinção. Estes estavam acessíveis a uma parcela maior da população.

Como não havia títulos de nobreza elevada, houve uma profusão de cargos e ofícios, sendo evidente o grande número de patentes militares que serviam como aspectos de delimitação da honra.527

A miscigenação e a conquista da liberdade por forros exigiram novos estabelecimentos de posicionamento social. Isso não era simples e nem homogêneo. E nessa indefinição de limites precisos, permitia-se uma maior mobilidade. Classificações que eram impensáveis estavam juntas.

É o que acontece com Antônio da Silva e Aguiar. Ao se caracterizar, dizia que

526 ACSM – 2º Ofício. Cód. 188. Autos 4706. (citação revista e atualizada)

527 “Os tendeiros/ mal se veem capitães, são já fidalgos;/ Seus néscios descendentes já não querem/ Conservar as tavernas, que lhes deram/ Os primeiros sapatos, e os primeiros/ Capotes com capuz de grosso pano” GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas Chilenas. Carta IX. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2011. Acesso em 29 set. 2014. (citação revista e atualizada)

181 ainda que pardo, é de inteira verdade, cirurgião aprovado por S. Majestade, e já o era antes dos falsos crimes, que os réus lhes arguiram, e por que foi preso; tratando-se com estimação, asseio e limpeza, vivendo à lei da nobreza, com cavalo na estrebaria, sendo servido, e acompanhado por seus pajens, e escravos, que tem e possui, assim no público, como no particular, como dirão as testemunhas e se necessário é, protesta jurar supletoriamente viril item.528

Nesse artigo de seu libelo, o autor dissolve em um mesmo cadinho sua condição de pardo, seu ofício mecânico, mas honrado e confirmado e uma condição de nobre pela posse de cavalos, escravos e pajens, como é tratado nos indissociáveis espaços público e particular. É esse um dos aspectos do “universo do indistinto” que chama a atenção Marco Antônio da Silveira.

Os processos de injúria, conquanto muitos alegavam nobreza, são constituídos por indivíduos portadores de símbolos de distinção menos evidentes. Talvez por isso se aguerrissem ainda mais em defender sua honra. As conclusões deste estudo simpatizam com o que Silvia Lara expressou nos casos de injúria que analisou:

Na grande maioria deles [dos processos], entretanto, a disputa se dava entre gente que não se distinguia ‘naturalmente’ por sua nobreza: homens e mulheres forros, pequenos comerciantes ou artesãos, soldados com postos medianos... Para manter o reconhecimento social arduamente conquistado, não podiam deixar que fossem chamados de qualquer modo.529

Universo do indistinto que também se mostra quando a própria inferioridade acaba sendo manejada para beneficiar a parte. O advogado de Rosa Bernardes, pedindo mais prazo para produzir seus testemunhos, alegou que “a Embargante é mulher preta, rústica, e ignorante, e ré nesta causa, competindo-lhe assim o beneficio da restituição que implora [...]”530. No mesmo sentido, o Doutor Manoel da Guerra Leal de Souza e Castro, advogado de Catarina Gonçalves de Miranda, ao ser intimado a dar prosseguimento no feito, pede mais prazo: “Minha Constituinte é preta, e ainda me não trouxe informação, peço um trº.”531

Aliada a essa ínfima presença do núcleo pouco mutável da sociedade portuguesa (fidalguia e sangue limpo), Minas Gerais é uma sociedade em formação num século em transformação. E pode-se invocar um dos aspectos mais interessantes da honra portuguesa para evidenciar isso: o sistema de mercês.

528 ACSM – 2º Ofício. Cód. 183. Autos 4573. (citação revista e atualizada) 529 LARA, S. H. Fragmentos Setecentistas. op.cit. p. 139.

530 ACSM – 2º Ofício. Cód. 210. Autos 5245. 531 ACSM – 2º Ofício. Cód. 229. Autos 5717.

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O comportamento virtuoso, manifestado pelas obras, gerava uma expectativa de retribuição do meio social através do reconhecimento da honra. Numa sociedade estratificada, em que os benefícios do sagrado pertenciam à Igreja e ao Rei, esperava-se especialmente destes o reconhecimento da honra.532

Uma das doutrinas difundidas sobre a natureza do rei via nele uma persona mixta, onde se reúnem faculdades temporais e espirituais. Os judeus tiveram reis autorizados e ungidos por Deus, que precederam a vinda de Cristo, como rei de todos os reis. Os reis que se seguiram, participando do plano da redenção, eram personificadores de Cristo, christomimetes. Cristo, Deus pela sua natureza divina, tornava o rei um cristo pela graça. Um Rei e Deus pela sua natureza e na eternidade; o outro rei pela graça e no tempo.533

Acoplada a esta concepção, desenvolveu-se outra, no sentido de que o rei era a cabeça de um corpo místico, cujos membros eram formados pelo seu reino e a quem ele devia governar.534 O conceito nasceu de discussões teológicas, envolvendo a Eucaristia. Já tendo sufocado os entendimentos contrários à natureza divina e humana de Jesus Cristo, a Igreja passou a insistir na presença real do Cristo na hóstia consagrada, denominada de corpus verum, corpus naturale ou Corpus Christi, instituindo, inclusive, uma festa específica para o dogma, em 1264. Corpus Christi que designava, inicialmente, a Igreja enquanto comunidade de todos os fiéis, de todos os tempos, passou a ser a Eucaristia. A Igreja, por seu lado, passou a ser o corpus mysticum de Cristo, evidenciando sua organização política. Neste mesmo período, e se valendo analogamente de semelhantes caminhos, os poderes seculares se investiram de sacralidade, com a criação do Santo Império.535

Estas ideias que se aproveitaram das concepções corporativas e orgânicas da sociedade recobravam vigor no pensamento da Baixa Idade Média. Comparar a Igreja com o corpo

532 “Ainda que o obséquio se deva de graça, o serviço não se provoca, senão com prêmios; já notamos que ninguém cultiva a terra estéril, nem sacrifica a Deuses surdos: não há amor humano senão por interesse; o pai ama no filho a sua continuação: o amante na amada, a satisfação própria: os bons no serviço, a recompensa. Se o Príncipe antepuser os que não merecem aos beneméritos, para que tratará alguém de o ser? Não há ordinariamente amor da Pátria, nem da virtude, que lembre a um desfavorecido; cada um mostra zelo aparente, escusando trabalho, ainda que a República pereça. E mais anima a esperança de receber, que o recebido, por muito que seja. Curtos andaram os , que disseram, que o Estado sem justiça distributiva se convertia em companhia de ladrões; melhor advertiram outros, que nem esta poderia substituir sem igualdade em repartir os roubos; até as feras a guardam entre si na divisão das presas para sustentar-se em bandos, como em companhias.” MACEDO, A. de S. de. Harmonia Política...op.cit. p. 34.

533 KANTOROWICZ, E. H. Os Dois Corpos do Rei: um estudo sobre teologia política medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 51.

534 Assumar lembrou a metáfora quando chegou às Minas: “Não há nação, por bárbara que seja, que não respeite, e submissamente não venere aquele que reconhece por cabeça.” Discurso que o Exmo. D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar fez no dia 4 de setembro de 1717... In: SOUZA, L. de M. e. Norma e Conflito. op.cit. p. 38. 535 KANTOROWICZ, E. H. op.cit. pp. 125-135.

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humano era um passo óbvio da ideia do corpus mysticum. Com isso, enquanto em um primeiro momento, a Igreja era o corpo místico de Cristo, tendo este como sua cabeça; agora, a Igreja era um corpo místico per se, tendo o papa como sua cabeça e se aproximando das noções jurídicas das pessoas de natureza ideal, ficta ou pessoas jurídicas. Sublinhava-se assim o papel do papa enquanto líder espiritual e líder político. A aproximação corpus mistycum com a pessoa jurídica banalizou o termo, tornando-o extensivo a qualquer corpo político. Além disso, trouxe para sua fundamentação não apenas as razões de cunho teológico, mas as razões de direito natural. De modo que, a necessidade humana de integrar um corpo político era uma exigência da sua natureza. Seja na concepção eclesiológica do corpo místico, seja na concepção corporativa da necessidade de socialização pela natureza, o importante é que o rei, sacralizado, era a cabeça desse corpo que devia bem governar.536

Como cabeça, o rei deveria governar para suprir os membros, de modo a proporcionar a saúde de todo o corpo, pois “os povos não devem obséquios a quem não lhes deseja felicidade.”.537

Voltando ao tema da liberalidade, Fernanda Olival traz uma deliciosa citação como epígrafe ao primeiro capítulo de seu livro As Ordens Militares e o Estado Moderno, a qual é oportuna para sublinhar este aspecto da mercê régia:

Ser Príncipe e não saber dar, se não é impotência é afronta. Depois de dar o seu Reino, deu Cristo Senhor Nosso o seu sangue, quando já não tinha mais que dar, por que não deixasse de dar quem era Príncipe. Em todo caso, há de ser liberal, ou por natureza, ou por arte. Na casa do Príncipe, de todas as arcas é a liberalidade a chave.538

536 “[...] A função da cabeça (caput) não é, pois, a de destruir a autonomia de cada corpo social (partium

corporis operatio propia), mas a de, por um lado, representar externamente a unidade do corpo e, por outro, manter a harmonia entre todos os seus membros, atribuindo a cada um aquilo que lhe é próprio (ius

suumeuiquetribuendi), garantindo a cada qual o seu estatuto (<<foro>>, <<direito>>, <<privilégio>>); numa palavra, realizando a justiça.” HESPANHA, A. M.; XAVIER, Â. B. A representação da Sociedade e do Poder. In: MATTOSO, J. (direção). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1998, v.4, p.123.

“Otro i antiguo dixo, que El Rey era un hombre más divino entre todos, muy eminente a la comun naturaleza, porque aunque en el cuerpo se a semejante a los de más, como nacido de la propria materia, es con todo fabricado por el mejor artifice, el qual le hizo tomando la traça, y exemplar de si mesmo. Plutarcho m escrive, que los Principes son ministros de Dios para el cuidado, y salud de los hombres, para distribuir, y guardar los bienes, que Dios les ha dado; y mas abaxo buelve a repetir, que el Principe es simulachro de Dios, que toa las cosas administra; porque assi como Dios en el Cielo constituyo el Sol, y la Luna, por sumilachro suyo, assien la Republica el Principe es imagen, y lumbre, que defienda la justicia de Dios; [...]” MACEDO, A. de S. de. Flores

de España... op.cit. p. 3.

537 MACEDO, A. de S. de. Harmonia Política... op.cit. p. 56.

538 OLIVAL, F. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Évora: Estar, 2001. p.15.

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Assim como se esperava, no plano da redenção, a graça divina; também se esperava a mesma prodigalidade do rei, autoridade sagrada. A Coroa portuguesa passou a negociar benefícios com a fidalguia e a nobreza, de modo a estabelecer sua própria manutenção no centro de poder legitimador de todos os demais. Firmou-se um sistema de reconhecimento pelos serviços prestados. Em suma, esse reconhecimento se fazia pelas mercês, cuja gênese se assemelha às trocas agonísticas e não agonísticas já explicadas nas teorias de Marcel Mauss e Maurice Godelier. Antônio de Macedo sugeria que o Príncipe assim deveria fazer: “Pague V. A. Real mais do que deve, que esta desigualdade, é igualdade Real; imite os férteis campos, que dão mais do que se deu; pois sendo o prêmio de um exemplo de muitos, a despesa em premiar é usura para receber.”539 Macedo está explicitamente sugerindo que o rei mostre sua condição de detentor da sacralidade, de modo que sua dádiva deve ser sempre superior ao que recebe dos súditos. Essa faculdade, conforme Godelier, confere aos que possuem os bens sacros o topo na escala hierárquica.

A expansão ultramarina rendeu à Coroa portuguesa ainda mais possibilidades de reconhecer sua gratidão pelos serviços prestados. A multifariedade do Império exigiu a criação de novas funções, cargos e títulos oportunizando inclusive uma maior mobilidade entre estratos e o surgimento de novas categorias. Certamente por isso, João Bernardo de Beja afirmava que “todos os governos têm seu modo de galardoar o merecimento segundo as circunstâncias, que os dominaram na adoção d’ele; porém o sistema português é o mais vasto, e acomodado a todas condições, posto que menos sabido por culpa dos que escreveram.”540

Um dos exemplos foi a unificação dos três Mestrados da Ordem de Cristo, de São Bento de Aviz e de São Thiago da Espada (Santiago) nas mãos do monarca. Só em relação a Castela e Aragão, Portugal tinha três vezes mais comendas das ordens militares.541

As Ordens Militares foram reunidas na figura do monarca, como seu Mestre, em dezembro de 1551, através da bula papal Praeclara carissimi. Assim, as Ordens de Cristo, de São Bento de Aviz, de São Thiago da Espada (Santiago)542 passaram a ser um importante

539 MACEDO, A de S. de. op. cit. p. 35.

540 BEJA, J. B. de. Tratado jurídico das pessoas honradas... op.cit. p. 5. 541 OLIVAL, F. As Ordens Militares e o Estado Moderno. op.cit. p. 4.

542 Citam-se as ordens em razão de sua precedência: “Concorrendo [os grão-cruzes] em atos das ordens militares eles precedem uns aos outros, segundo a precedência de tais ordens, entre as quais a ordem de Christo tem o primeiro lugar, a de S. Bento d’Aviz o segundo lugar, e a de São Thiago da Espada o terceiro lugar, L. de 19 de junho de 1789.” BEJA, J. B. de. Tratado jurídico das pessoas honradas... op.cit. p. 94.

Esta precedência não segue a antiguidade das ordens: “A Cavalaria que hoje está em Aviz, é a mais antiga de Portugal, e ainda pode ser que de Espanha; pois se acha menção destes Cavaleiros, antes do ano de 1150, em que começaram de Calatrava, que se tem elos mais antigos de Castela. ElRey Dom Afonso Henriques instituiu esta

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instrumento de poder econômico e simbólico nas mãos do rei. Além disso, era um feixe de poderes religioso-jurisdicionais, pois, na condição de Mestre das Ordens, o rei podia destinar benefícios eclesiásticos a elas ligados, independentemente de concurso.543 O valor simbólico que as comendas das ordens conferiam era substancial, evocando o passado guerreiro de Portugal nas guerras de Reconquista e, mais recentemente, nas praças do Norte da África e nas Índias544. Os serviços militares, principalmente quando somados às conquistas de terras pagãs, hereges e infiéis tinha grande valor em Portugal545, inclusive constituindo privilégios importantes, como a exceção à Lei Mental para os filhos dos que morreram em batalha contra infiéis:

1. Primeiramente determinou e mandou que todas as terras, bens e herdamentos da Coroa de seus Reinos, que por ele, ou pelos Reis foram, ou ao diante fossem dadas e doadas a quaisquer pessoas, de qualquer estado que fossem, para eles e todos seus descendentes, ou seus herdeiros, ou sucessores, ficassem sempre inteiramente, por morte do possuidor dos tais bens, e terras, ao seu filho legítimo varão maior, que dele ficasse, e não ao neto filho do filho mais velho já falecido; salvo se o filho mais velho daquele, que as ditas terras e bens possuir e tiver, morrer em vida de seu pai em guerra contra Infiéis; porque em tal caso conforme o Direito é havido, como se vivera por glória, para efeito de seu filho, ou outro legítimo descendente o representar, e excluir ao filho segundo, e aceder nos ditos bens e terras da Coroa a seu pai, como ele houvera de suceder, se vivo fora, posto que ele morresse em vida de seu pai e não sucedesse nunca nas ditas terras e bens.546

Ordem à imitação da do Templo, e Hospital de S. João, que alguns Cavaleiros zelosos de nossa Santa Fé, fundaram em Jerusalém. Na batalha do Campo de Ourique, que foi no ano de 1139 já havia menção destes Cavaleiros; como também depois na tomada de Lisboa que foi no ano de 1147. A isto se acrescentou, que Elrei D. Afonso Henriques instituiu outra Milícia no ano de 1169 em graças da vitória, que alcançou por mão do Anjo S. Miguel no Campo de Santarém de Albaraque Rei Mouro de Sevilha [...]. Os Cavaleiros da Ordem de São Tiago nasceram em Castela com grande nome pelejando valorosamente contra os infiéis e sabendo como ElRei D. Afonso Henriques estava cercado em Santarém por ElRei de Sevilha com um poderoso exército de mouros, o vieram socorrer [...]. A Ordem dos Cavaleiros de Cristo, como se fundou sobre as doações, e herdamentos, que a Ordem do Templo tinha em Portugal, dela devia tomar seu princípio. Depois, extinguindo-se a Ordem do Templo, ElRei D. Diniz fundou dos bens que ela tinha em Portugal, a Religião Militar da Ordem de Cristo no ano de 1319 a 14 de março [...].” FARIA, M. S. de. Notícias de Portugal. op.cit. pp. 164-168.

543 OLIVAL, F. op. cit. p. 43.

544 No século XVI, muitas comendas das Ordens Militares, especialmente as da Ordem de Cristo, foram destinadas às lutas no norte africano e, para feitos notáveis, também para as Índias. Ibid. p. 52.

545 O caráter bélico das Ordens Militares, a obrigação de guerrear dos cavaleiros, foi sendo substituída por uma função cada vez mais honorífica dos hábitos. Eles passaram a ser vistos como recompensas por serviços já prestados, de modo que a Coroa não teve muito sucesso nas convocações que fez às Ordens para os conflitos durante a Restauração. Neste particular, havia ainda a finalidade eminentemente religiosa das Ordens que só estavam obrigadas a participar de guerras contra infiéis ou pagãos. De toda forma, as comendas das Ordens foram importantes na Restauração, uma vez que muitas tiveram seus recursos emprestados à Coroa, por terem seus titulares sido condenados ou fugido. Após a guerra, a Coroa elaborou novos estratagemas que lhe possibilitaram incorporar muitas das rendas das comendas vagas. OLIVAL, F. As Ordens Militares e o Estado

Moderno. op.cit. p. 60.

546Ordenações Filipinas, 2º Livro, Título XXXV. “Da maneira que se terá na sucessão das terras e bens da Coroa do Reino.” (citação revista e atualizada)

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Após a reunião dos mestrados das três Ordens, inseriu-se ainda a pureza de sangue, como um dos requisitos para a obtenção do hábito. A modificação teve como efeito prestigiar as Ordens, na medida em que passou a constituir um atestado de ausência de sangue mouro ou judeu, a exemplo do que ocorreu também com a condição de familiar do Santo Ofício. Além disso, proibiu-se a concessão a filhos e netos de oficiais mecânicos. Ampliava-se assim, a honra das comendas e sua importância na estratificação social e sua mobilidade.547

Desde o século XVI, Portugal ampliava a concessão de mercês de modo a contemplar os serviços prestados em outras partes do Império. Descentralizou-se também a competência para outorga das mercês. Um Vice-Rei da Índia, por exemplo, contava com a possibilidade de conceder quantias em dinheiro, foros da Casa Real, hábitos das ordens militares, entre outras benesses. A luta pelo território obrigou a Coroa a ampliar o número de galhardias nobilitantes, assim como flexibilizar as suas concessões. Embora em menor escala, o Brasil também contou com alguma gama de mercês que poderiam ser oferecidas pelas autoridades na Colônia e elas foram utilizadas, por exemplo, para favorecer a descoberta das minas.548 Um exemplo de flexibilidade da atribuição de honrarias nobilitantes foi a concessão de hábitos da Ordem de Cristo a indígenas, como ocorreu com a família Camarão, entre 1630 e 1730.549

Segundo Olival, as mercês se dividiam naquelas que ocorriam pela “graça”, daquelas concedidas por “justiça”. As primeiras eram fruto da liberalidade gratuita do monarca, para as quais não havia regras. Para as segundas, havia uma obrigação na sua observância, sendo inclusive possível ser protestadas por ação judicial. Por isso, não há precisão em se falar de uma “economia da graça” e sim em uma “economia de mercês”.

Assim, quando D. Manoel confirma a doação feita por D. Duarte ao Duque de Bragança, ele manda escrever que

547 “A Monarquia não ganhara deste modo apenas mais recursos; com o tempo conseguiu potenciar-lhe conteúdos simbólicos fortemente vantajosos, em função dos parâmetros da sociedade da época e dos seus interesses: uma realidade não era independente da outra.” OLIVAL, F. op. cit. p. 43.

“Deixei para o fim desta matéria da guerra tratar das Ordens da Cavalaria deste Reino; porque ainda, que são a mais antiga Milícia dele, com as mudanças do tempo, se mudou em parte o exercício do seu instituto. O que com razão notou João Botero, e Bozio, e outros Estrangeiros, dizendo que havendo em Hespanha tantas Comendas, e

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