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5. A METAFÍSICA DA IDENTIDADE VIRTUAL

5.4. A Identidade Virtual

A expressão "Identidade Virtual" encontra na literatura corrente sobre o assunto tem uma abrangência tão ampla quanto a expressão "Identidade Digital". A diferença é que a maioria dos autores prefere focar seus estudos no uso de perfis em redes sociais e no uso de avatares em plataformas como o Second Life.

Nós utilizaremos a expressão "Identidade Virtual" para expressar ao mesmo tempo nossa adesão a intuição de Michael Heim, de que o mundo virtual tem de ser vista como uma tecnologia; e também porque esta identidade é virtual porque carrega as características da virtualidade, ou seja, é formada por dados implementados em sistemas artificiais que possibilitam que estes dados estejam sincronizados e correlacionados uns com os outros e deslocados em relação a sua geografia. Assim, a Identidade Virtual possui as características elencadas por Luciano Floridi para a Infosfera.

Como já dissemos anteriormente, acreditamos que a Identidade Virtual não é apenas uma extensão da identidade pessoal, mas uma outra entidade e sobretudo uma tecnologia que amplia o ser humano aos moldes da natureza do mundo virtual.

Essa caracterização da Identidade Virtual está fortemente expressa no trecho a seguir:

Nosso ser pode ser apresentado e representado por um eu virtual, um segundo eu que interage com outros eus virtuais, individualmente ou agregado em comunidades de interesse.

Nosso agente virtual acessa quantidades enormes de conhecimento estocado em qualquer lugar do mundo, comunica-se com qualquer um onde quer que seja sua localização em tempo real e troca fotos, vídeos, ideias e testemunhos132.

Como já havíamos dito, na literatura corrente sobre o assunto, há dois modos comuns de relatar a construção de uma identidade virtual: o Perfil e o Avatar.

5.4.1. Perfil

O modo mais comum de obter uma Identidade Virtual é através da criação de um perfil. Há dois sentidos que podemos pensar um perfil: num sentido restrito e num sentido amplo. O sentido restrito de um perfil é formado, basicamente, por uma conta que o usuário precisa fazer para ingressar numa rede social. Para isso o usuário necessita fazer um cadastro que irá conter dados pessoais, contatos e suas preferências. Assim, um perfil pode conter nome, sobrenome, endereços (pessoal e profissional), idade, tipos de filme, música e eventos que o usuário prefere, relação de amigos, fotos, vídeos, etc. Alguns desses dados podem estar públicos ou privados.

Uma das formas mais antigas de um perfil virtual, e ainda uma das mais utilizadas, é a utilização de um email. O email começou como uma caixa de correio virtual, porém, com a agregação de vários tipos de serviços ao email, como o anexo a redes sociais, ele se tornou uma âncora para formação de modos mais avançados de perfis. Em pouco tempo, a posse de um email tornou-se tão importante quanto possuir um telefone. O motivo principal é bem simples: enquanto para realizar um telefonema é preciso a comunicação simétrica com outro usuário, o email cria uma assimetria entre receptor e fornecedor de mensagens. Não é preciso que o usuário do email esteja conectado em tempo integral para que as mensagens continuem chegando a ele. No entanto, devido à velocidade da transmissão das mensagens, elas podem ser checadas imediatamente após o envio. Isto cria uma distorção do nosso conceito de Tempo, pois o presente dependerá do acesso à informação veiculada.

Um perfil no sentido amplo é formado pelo comportamento do usuário e os dados relacionados a ele. Assim, o modo como o usuário navega pela internet irá dizer quem o

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usuário é através das informações que ele acessa. Esse sentido de perfil é fácil de ser compreendido quando o associamos ao perfil de um serial killer que um investigador quer traçar. O investigador precisará pensar em que tipos de vítimas o assassino prefere, quais locais ele frequenta, quais horários ele é mais ativo, quais são suas motivações, etc. Com esse conjunto de dados, ele agora pode montar um perfil que irá ajudá-lo a pensar quando será o próximo ataque e tentar abortá-lo, sempre apostando na previsibilidade das ações do assassino.

No caso das empresas de informática, os sites que o usuário acessa, que tipo de produtos ele procura, com quais usuários ele mais conversa, quais são seus assuntos de interesse, etc., ajudam a criar um perfil do usuário, facilitando a previsão sobre que tipo de informação ele virá a acessar no futuro. Isto cria o problema do "filtro bolha", que já foi tratado no tópico "Web". Ou seja, quanto mais informação do mesmo tipo um usuário acessa, mais informação do mesmo tipo lhe será fornecida. Assim, o usuário fica privado das informações que ele ainda não sabe, confinado aos seus próprios gostos.

5.4.2. Avatar

O segundo modo comum de tratar da Identidade Virtual é o Avatar. Este termo é vem do sânscrito e significa "encarnação de uma divindade". Em termos informacionais, um Avatar é a representação gráfica do usuário em um ambiente de realidade virtual. Esse tipo de representação é bastante utilizada em jogos para múltiplos usuários online e em plataformas que visam à interação social, como o Second Life. O usuário tem a liberdade de moldar o avatar do seu jeito, na maioria das plataformas.

[...] A vida eletrônica converte a presença primária corpórea em telepresença, introduzindo uma transferência entre presenças representadas. De fato, na vida corpórea nós frequentemente brincamos de alterar nossa identidade com diferentes roupas, máscaras e apelidos, mas o eletrônico instala a ilusão que nós somos 'as duas coisas ao mesmo tempo', mantendo nossa distância enquanto 'nos coloca na linha'. A existência online é ambígua intrinsecamente133.

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Assim, o usuário pode escolher um avatar diferente de si em gênero, altura, etnia, tipos de roupa, etc. Isto implica que o usuário pode ser outra pessoa completamente diferente online. Os efeitos psicológicos e sociais que isto causa não são foco da nossa pesquisa, pois queremos compreender a identidade virtual enquanto uma tecnologia criatura e criadora de uma nova modalidade de ser humano. "O que é este eu virtual? Um avatar! De um endereço de email, a uma figura ou um personagem de ficção num jogo online, nós atentamos a nós

mesmos a representar o Divino. Nós criamos um avatar, meio Deus, meio humano134."

Geralmente, nos estudos que tratam de perfis e avatares uma coisa fica clara: o perfil tende a prezar pela semelhança e o avatar tende a prezar pela diferença com o usuário, ambos almejando um eu ideal. Nosso foco é pensar como essas duas modalidades de identidades virtuais prometem "superpoderes" aos seus usuários.

Dos supostos superpoderes que a identidade virtual poderia nos proporcionar destacamos a "onisciência" e a "onipresença". Ambas são derivadas da natureza mesma dos dados que compõem a virtualidade e da natureza intrínseca do que é um dado em si mesmo, ou seja, ser um dado é ser um relata, podendo ser instanciado em diversas bases físicas.