• Nenhum resultado encontrado

A Igreja Católica e a política no Brasil: 1930-1950

2 ESTADO, IGREJA E POLÍTICA

2.3 A Igreja Católica e a política no Brasil: 1930-1950

Antes de tratarmos da relação entre a Igreja e a política entre 1930 e 1950, é preciso refletir um pouco sobre a “Revolução de 1930”. No período, o Brasil passava por uma crise política marcada pela desmoralização da “política café-com-leite” e pelo descontentamento de novos grupos que pretendiam ascender ao poder. A sociedade tradicional (oligárquica), mostrava-se incapaz de acomodar os setores criados a partir de sua própria expansão, situação

61

HENZE, Hans Hebert M. O Centro D. Vital: Igreja, sociedade civil e sociedade política no Brasil (1930- 1945). 1995. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1995.

62 CAES, André Luiz. A Igreja católica no Brasil: as estratégias da reestruturação (1890-1934). Cadernos de

História Social, Campinas, n. 1, p. 21-34, jun. 1995. p. 26.

63

ALVES, 1979, p. 36. 64

que culminaria na ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Esses setores, dentre os quais a classe média, lutavam pela modernização das estruturas políticas, no entanto não pretendiam mudanças radicais no processo produtivo ou abertura popular65. Getúlio Vargas, os estancieiros do Rio Grande do Sul e boa parte dos adeptos do movimento tenentista estavam entre aqueles que queriam sua “fatia do bolo”.

Sintonizada com o movimento internacional, a “Revolução de 1930” instaurou um regime que primava pela autoridade, em detrimento da experiência liberal do período oligárquico; foi conservadora, no entanto, impedindo que as antigas “estruturas” desmoronassem totalmente. Nesse sentido, evitou a explosão de contradições que já estavam bastante avançadas e que podiam culminar em revolta popular. As massas trabalhadoras haviam crescido muito e, ao reclamarem seus direitos, não podiam mais ser tratadas como um “caso de polícia”. Com base na “conciliação política”, iniciava-se o processo de construção da “nação” brasileira.66

Foram variados os posicionamentos dos católicos (eclesiásticos e leigos) em relação a esse episódio. Aqueles contrários à “Revolução de 1930” diziam que este movimento possuía comunistas entre os seus pares, o que, na maioria das vezes, devia-se à participação dos tenentes; outros se mostravam contrários a qualquer revolução, acreditando que ela subvertia a ordem 67. D. João Becker estava entre aqueles que apoiavam o movimento e via em Getúlio Vargas a possibilidade de instaurar um regime que restituiria a autoridade, estabelecendo uma sociedade corporativa e harmônica68. Havia, ainda, os indiferentes e aqueles que esperavam o desfecho do movimento pensando em uma articulação política.69

Getúlio Vargas, a partir do momento em que chegou ao poder, parecia estar ciente da diversidade política na sociedade e percebeu que não conseguiria governar apenas pela força.

65

WEFFORT apud FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. Historiografia e História. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1975. p. 93. CHAUÍ, Marilena; FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização

popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1978.

66

GOMES, Ângela Maria de Castro. “O Redescobrimento do Brasil”. In: GOMES, Ângela Maria de Castro; OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta. Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1982. p. 115.

67

FARIAS, 1998. Dentre aqueles que não viam com bons olhos o regime de Vargas também estavam os católicos paulistas que apoiaram São Paulo na malograda tentativa de Revolução de Constitucionalista de 1932. BANDEIRA, 2000. Segundo esta autora durante a Revolução de 1932 o bispo de Botucatu (SP), Dom Carlos Duarte da Costa assumiu a estranha atitude de comandar um grupo fardado de soldados paulistas. 68

ISAIA, Artur César. A defesa de uma democracia autoritária no pensamento político de D. João Becker. In: XII REUNIÃO DA SBPH. Anais... Porto Alegre: [s.n.], 1992. p. 223-226.BECKER, Dom João. A Religião e

a Pátria em face das ideologias modernas. Porto Alegre: Typographia do Centro, 1939.

69 Essa constituição de diferentes correntes de pensamento na Igreja Católica é bastante explorada por ANTOINE, Pe. Charles. O integrismo brasileiro. Tradução de João Guilherme Linke. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. Embora concordemos com boa parte do que o autor discute, acreditamos que estas querelas internas já ocorriam no Brasil desde o período Imperial.

Por isso, trabalhou arduamente buscando a formação de um consenso, que, quando alcançado, deveria ser mantido pelos órgãos de repressão. Vargas tinha consciência de que se tornaria hegemônico apenas um “partido” que usasse a força e o consenso, concomitantemente. Por outro lado, a Igreja também tinha consciência de tais questões, como demonstravam suas reivindicações e suas concepções doutrinárias que, posteriormente, seriam convergentes com muito daquilo que o novo governo colocaria em prática.

Enquanto “à Igreja cabia difundir seus postulados religiosos e amainar o descontentamento da ‘massa sofredora’”70, o governo devia atender aos pedidos dos líderes católicos. Grosso modo, podemos dizer que Vargas sacralizou o discurso político71, mas a Igreja Católica “politizou seu discurso religioso”. Como salientou P. Richard, a “relação da Igreja com a sociedade civil passa pela relação da Igreja com a sociedade política”72. Portanto, concomitantemente à sacralização da política, ocorreu a secularização do “discurso” religioso. A Igreja agia, no âmbito político, como “auxiliar do Estado na resolução das contradições sociais”.73

Nesse sentido, acreditamos que houve “um processo de articulação de diferentes interesses em torno da gradual e sempre renovada implementação de um projeto de transformação da sociedade”74, pois a Igreja não agia como uma “marionete” nas mãos de Vargas e não tinha todas as suas reivindicações atendidas a priori. O que havia era um embate, um jogo, uma troca por meio de que ela procurava obter a representação de seus interesses. Em suma, uma correlação de forças no sentido gramsciniano.75

A cooperação que passou a existir entre o Estado e a Igreja não pode ser pensada sem levarmos em consideração as perspectivas teóricas de Sergio Miceli76 e de Daniel Pécaut77, duas importantes análises sobre a elite intelectual brasileira. Este parece indicar que as opções políticas não podem ser consideradas apenas como fruto do meio social ou como estratégia para se manter no poder. Já o sociólogo brasileiro defende a idéia de que as opções políticas

70

LENHARO, 1986, p. 90. 71

Id., ibid., p. 110-111. MALATIAN, Teresa M. Os cruzados do Império. São Paulo: Contexto: CNPq; Brasília: Contexto: CNPq, 1990. p. 25.

72

RICHARD, Pablo. Morte da cristandade e nascimento da Igreja. Tradução de Neroaldo Pontes de Azevedo. São Paulo: Paulinas, 1982. p. 99.

73

ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. Crítica ao populismo católico. São Paulo: KAIRÓS, 1979. p. 146.

74

ALVARES, Sonia E.; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo (orgs.). Cultura e política nos movimentos

sociais latino-americanos: novas leituras. Belo Horizonte: UFMG, 2000. p. 66.

75

A correlação de forças é vista por Gramsci como um equilíbrio instável entre os grupos em luta pela hegemonia.

76

MICELI, 2001. 77

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Ática, 1990.

dos intelectuais não podem ser consideradas à revelia de sua origem social e de seus próprios interesses de classe. Para o pensador francês, a politização da elite não foi somente pretexto para promover interesses próprios, mas, sim, fruto da “vontade”, da ação política. Noutra perspectiva, Miceli observa que:

[...] não se pode dissociar o ‘rearmamento’ institucional da Igreja católica e a criação de um partido nacional de direita (a AIB, Ação Integralista Brasileira) das ameaças que passou a representar a crescente intervenção do Estado em domínios de atividade cuja gestão fora até então reservada em regime de exclusividade aos políticos e intelectuais designados pelos grupos dirigentes do antigo regime.78

Orientando-se por outro aspecto, Pécaut acredita que os intelectuais não escondiam seus anseios de participar do governo, de “civilizar pelo alto”; isso, no entanto, estaria ligado a questões ideológicas. Sobre isso, assinala:

E de fato não faltaram lançamentos de candidaturas. Não pretendemos aludir apenas brevemente à participação dos intelectuais na organização do regime de 30 e nos movimentos políticos [...] essa participação foi objeto de uma reivindicação explícita. Assim, o manifesto com o qual Plínio Salgado inaugurou a Ação Integralista Brasileira (AIB) em 1932 menciona a necessidade de uma participação direta dos intelectuais no governo da República.79

Por outro lado, para Miceli, as derrotas de 1930 e 1932 fizeram com que muitos paulistas que não haviam sido incorporados ao status quo, sobretudo perrepistas (PRP), passassem às fileiras dos movimentos radicais. Todavia, para seu oponente, entre 1925 e 1945, os intelectuais mostravam-se preocupados com a identidade nacional e suas instituições, o que comprovava que pretendiam forjar um povo e traçar uma cultura capaz de assegurar a sua unidade. Com esse intuito e sem o desejo de perder o status de elite dirigente, muitos deles teriam aderido a movimentos autoritários ou ao governo Vargas. E a maioria, naquele momento histórico, desconfiava das democracias, concordando com o fortalecimento das funções do Estado e compactuando com o desdém pela representatividade democrática.

Pécaut consegue captar algo que não percebemos na análise de seu oponente ao observar que, além da questão financeira, dos interesses de classe, havia por parte da elite intelectual – da qual fazia parte a intelectualidade católica – um “projeto de nação”, que em certo sentido coincidia com as propostas de Vargas. Dessa forma, a cooptação promovida

78

MICELI, 2001, p. 78. 79

pelo Estado não se deu, como quer Miceli, principalmente em virtude de um novo “mercado cultural”, no qual os intelectuais (dentre os quais os católicos) tentariam recuperar os empregos que haviam perdido com a queda do regime oligárquico. Note-se, como ressaltou Florestan Fernandes80, que a intelectualidade brasileira sempre esteve vinculada à elite, o que permitiu a Vargas maior liberdade de atuação. O novo governo parecia saber que a elite não se converteria em fator de conflito, contra a ordem, pois era a maior representante da sua defesa.

Embora abrangendo um período posterior, o pensador francês resume bem a visão da elite intelectual católica no período em discussão:

[...] a ‘sociedade civil’ não é o ‘povo’, são as elites específicas que surgem no contexto de diversas associações; a democratização não é a constituição do povo como ‘sujeito político’, mas o diálogo entre os intelectuais, os industriais, a hierarquia eclesiástica etc.81

Por sua vez, Miceli tem razão ao afirmar que Vargas preocupou-se de maneira bastante especial com a criação de uma intelligentzia e com a intervenção em todos os setores de produção, difusão e conservação do trabalho intelectual e artístico.82

A construção hegemônica [de Vargas] requer a obtenção de uma unidade ‘cultural-social’ mediante a qual uma multiplicidade de vontades dispersas, com objetivos heterogêneos, são soldadas juntas com um objetivo único, com base numa mesma e comum concepção de mundo.83

Beired84 traz maiores esclarecimentos a respeito dessa situação ao ressaltar que esse contexto deu origem a uma nova direita política, a qual podia ser dividida em três vertentes: fascista, como o movimento integralista; católica, como os adeptos do CDV e da revista A

Ordem; e cientificista, cujas referências eram pensadores como Azevedo Amaral e Oliveira

Vianna.

Os adeptos da direita cientificista possuíam muitos pontos em comum com a direita católica, visto que aderiam a movimentos autoritários, desconfiavam das democracias liberais, defendiam o fortalecimento do poder central, tinham uma visão hierárquica da sociedade, 80 Apud PÉCAUT, 1990. 81 Id., ibid., p. 304-305. 82 MICELI, 2001, p. 197-198. 83 ALVARES; DAGNINO, 2000, p. 73. 84

BEIRED, J. L. B. Sob o signo da Nova Ordem: intelectuais autoritários no Brasil e na Argentina (1914- 1945). São Paulo: Loyola: Programa de Pós-graduação em História Social-USP, 1999.

eram contrários a qualquer espécie de revolução que não fosse uma revolução moral ou espiritual; em suma, acreditavam que era a partir de seu pensamento que a nação brasileira deveria ser arquitetada85. O fato de Francisco Campos, nos anos 30, concordar com os pressupostos católicos de “catolicizar” a sociedade brasileira é um bom exemplo do que enfatizamos, o que pode ser comprovado a partir de uma entrevista, em 1926, na qual observava que: “A educação moral não é mais do que um subproduto da educação religiosa [...] de que precisamos, se precisamos de educação moral, como não se contesta, é de educação religiosa”.86

Quanto ao que Beired chama de direita católica, fazia parte dela uma intelectualidade católica leiga que, agindo sob a tutela da Hierarquia, teria a função de promover uma “renovação espiritual”, uma “reação espiritualista”, uma “neocristandade”87 no Brasil. Os adeptos dessa corrente defendiam a idéia de que a religião católica era parte integrante de um nacionalismo brasileiro, por isso viabilizaram um sentido para a apropriação religiosa do laicato militante a serviço do movimento de expansão da fé católica.88

Todo esse contexto, somado à crise do liberalismo democrático no entreguerras, incentivou um “namoro” entre a intelectualidade católica e os movimentos autoritários de “direita”, culminando, dentre outras coisas, na revisão acerca do papel do Estado na sua relação com a sociedade89. No Brasil, vale ressaltar que isso também pode ser associado à descrença no modelo liberal-oligárquico, que se estendia desde o fim do Império.

Os católicos consideravam os comunistas como seus maiores concorrentes90 na arena política nacional. Além das diferenças ideológicas, ambos disputavam intensamente a filiação das massas proletárias, uma vez que os movimentos de “direita”, em sua maioria, diziam-se católicos. Dessa forma, ser católico era sinônimo de não ser comunista e de ser fiel à pátria91. Ao discorrer sobre sua conversão ao catolicismo, Alceu Amoroso Lima evidenciava esta polarização: 85 PÉCAUT, op.cit. 86 MEDEIROS, 1974, p. 80. 87

HENZE, 1995, p. 45-47. Grosso modo, o projeto de neocristandade pressupunha uma quase identificação da Igreja com a sociedade civil, cujo intermediador era o Estado. A Igreja Católica, atuando junto ao Estado, assegurava a ele e às classes dominantes a realização de sua hegemonia.

88

FARIAS, 1998, p. 141-142. 89

CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas, SP: Papirus, 1998.

90

Cf. LEÃO XIII (PAPA). Rerum Novarum (1891). 13. ed. São Paulo: Paulinas, 2002. PIO XI (PAPA).

Quadragesimo Anno (1931). 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2001.

91 Pesquisando nos arquivos do CAALL (Centro Alceu Amoroso Lima para Liberdade), encontramos vários pedidos em favor de alemães que chegavam ao Brasil fugindo da situação européia. Os pedidos eram para que Alceu Amoroso Lima conseguisse, ou desse aos mesmos, uma “carta de recomendação” em que constasse que eram católicos.

Eu sentia a necessidade de encontrar uma causa pela qual viver, e as duas causas que eu via eram: ou viver e morrer por uma transformação das instituições sociais, ou viver e morrer porque há uma outra vida, porque há uma revelação sobrenatural, porque há uma transcendência. O que está no Adeus à disponibilidade, publicado no ano de minha conversão, 1928, é justamente isso: eu via então apenas duas grandes causas às quais eu poderia me entregar, para viver e morrer: o comunismo ou o catolicismo.92

Para a Igreja, o comunismo representava a dissolução da família e o surgimento do “amor livre”, algo que poderia ocorrer no Brasil a partir da lei de aprovação do divórcio e do controle de natalidade. O melhor antídoto para defender o povo brasileiro dessas ameaças seria a defesa intransigente da pátria (daí a expressão que citamos anteriormente: ser brasileiro era sinônimo de ser católico). Isso também pode ser constatado a partir dos primeiros anos da atuação católico-política do Pe. Hélder Câmara em Fortaleza93 (principalmente de 1930 a 1935), o qual, posteriormente, ao refletir sobre este período lembrava:

‘Eu saí do seminário com uma convicção clara: o mundo ia dividir-se, cada vez mais, entre capitalismo e comunismo. Então a mim me parecia que dos males o menor. E como o comunismo era apresentado como sendo intrinsecamente mau, sendo materialista, [...] optei pelo menos mau’.94

Observando essa polarização, Miceli, a partir da análise da trajetória política de Hermes Lima no início da década de 1930, constata: “O móvel da concorrência entre os candidatos às cátedras deslocou-se do terreno estritamente jurídico para a esfera das teorias políticas e sociais acerca do papel do Estado”95. Esse confronto foi marcado por duas tendências gerais: os defensores do materialismo e os do espiritualismo. Ambos disputavam o controle das Faculdades e Universidades e das organizações docentes e estudantis. Por meio delas, procuravam garantir a transmissão de seu referencial teórico. Possuíam desdobramentos como a Liga dos Estudantes Ateus, a Federação dos Estudantes Vermelhos e o grupo católico do CAJU (Centro Acadêmico Jurídico Utilitário).

Opondo-se aos comunistas, tanto os intelectuais leigos quanto os membros da Hierarquia se diziam contrários a qualquer forma de revolução:

92

MOTA, Lourenço Dantas. Entrevista com Tristão de Athayde. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 35-36. LIMA, Alceu Amoroso. Memorando dos 90: entrevistas e depoimentos. Textos coligidos e apresentados por Francisco de Assis Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. LIMA, Alceu Amoroso. Memórias

Improvisadas: diálogos com Medeiros Lima. Rio de Janeiro: Vozez: EDUCAM, 2000.

93

PILLETI; PRAXEDES, 1997, p. 67-68. 94

CASTRO, Marcos de. Dom Hélder, O Bispo da Esperança. Rio de Janeiro: Graal, 1978. p. 27. 95

[...] nunca revolução alguma foi feita pelo povo nem para o povo e sim, sempre e sempre, por uns poucos ambiciosos, que sabem explorar a ignorância popular, seja esta da que se reúne em praça pública ou da que é sugestionada nos quartéis.96

Esse contexto evidenciava a adaptação tupiniquim do catolicismo oficial, iniciada por Jackson de Figueiredo em defesa da ordem e da autoridade, contra as transformações revolucionárias que agitavam a Europa e ameaçavam introduzir-se no Brasil 97. No entanto, desde a década de 1930, iniciou-se um redirecionamento gradual no grupo do CDV e da revista A Ordem. Alceu Amoroso Lima (que fora elevado à categoria de presidente), embora tentasse seguir os passos de seu conversor, não compartilhava da mesma postura político- religiosa de Jackson e se adequava melhor às propostas de Dom Leme.98

A “Revolução de 1930” despertou diferentes sentimentos na intelectualidade católica brasileira. Assim como havia o perigo de o novo governo acirrar ainda mais o processo de laicização do Estado, também existia a possibilidade de ele reconhecer o catolicismo como “religião oficial”, concedendo à Igreja determinados privilégios. Como veremos adiante, prevaleceu a segunda opção, de modo que, principalmente após a Constituição de 1934, Alceu Amoroso Lima identificava no governo de Getúlio Vargas a possibilidade de assegurar a harmonia e colaboração orgânica, de reagir contra as tendências revolucionárias e de manter a ordem99. A Hierarquia religiosa vislumbrava a possibilidade de novamente “tornar o Brasil um Estado católico”.

Foi, então, que reluziu a figura religiosa e política de Dom Sebastião Leme. Sua atitude de colaborar, em plena Revolução de 1930, para que o ex-presidente Washington Luís abandonasse o governo sem grande derramamento de sangue e aceitasse viajar para o exterior, trouxe-lhe o respeito e a admiração de vencedores e vencidos. Ele começava a consolidar uma posição de força perante o novo governo. Também contribuíram para isso as demonstrações da nova vitalidade da Igreja Católica nacional100, a proximidade entre Getúlio Vargas e alguns líderes da Hierarquia e a presença de Francisco Campos no Ministério da Educação e Saúde101 (o que não mudaria com Gustavo Capanema). Em suma, o Cardeal intensificava o jogo de

96

FIGUEIREDO, 1922 apud RODRIGUES, 1981, p. 148. 97

PILLETI; PRAXEDES, 1997, p. 67-68. 98

CASALI, 1995, p. 80-81. Segundo o autor, Alceu Amoroso Lima identificava-se mais com a postura jesuítica de Dom Leme do que Jackson de Figueiredo, pois enquanto Dom Leme fora um grande articulador político- católico, Jackson fora um militante fervoroso. Além disso, como comprovam vários outros trabalhos, Dom Leme e seu pupilo tinham posicionamentos controversos em relação à formação de um Partido Católico no Brasil. 99 RODRIGUES, 2002, p. 240-241. 100 BANDEIRA, 2000, p. 37-38. 101 CASALI, op.cit., p. 87.

poder entre a Igreja e o Estado.

No ano de 1931, D. Leme mobilizou uma grande massa de fiéis, em primeiro de maio, sob a invocação de Nossa Senhora Aparecida, e em outubro, em homenagem ao Cristo Redentor. A presença religiosa assegurava a mobilização das massas em datas importantes para a consolidação do novo regime, comemorava-se o Dia do Trabalho, maio é o mês consagrado a Maria e outubro é o mês da chegada do Catolicismo na América. Durante a inauguração da estátua do Cristo Redentor, D. Leme, cercado por uma multidão, estipulou o preço do apoio da Igreja: ‘ou o Estado... reconhece o Deus do povo ou o povo não reconhecerá o Estado’.102

Na viagem que fez a Roma para receber o “chapéu cardinalício”, em 1930, Dom Leme articulou a proclamação de Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil, o que ocorreu em 19 de junho de 1930. Fato semelhante aconteceu na inauguração do Cristo Redentor, quando o Cardeal entregou a Vargas um documento, escrito por Alceu Amoroso Lima, cujo título era “Reivindicações Católicas”. Segundo os principais pressupostos dessas reivindicações103, a Igreja Católica pretendia

[...] o reconhecimento por parte do Estado que a religião católica é, por assim dizer, a expressão da ‘vontade geral’ do povo brasileiro, isto é, a religião que anima todo o conjunto da sociedade. Note-se que a reivindicação não solicita o reconhecimento oficial ao catolicismo, ou seja,